E se as emoções tiverem mais a oferecer à humanidade do que aparentam? É o que defende um conjunto de pensadores com que a TSF conversou para compreender a importância que podem ter as emoções na resolução de problemas à escala global.
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"Há uma longa tradição de diminuir o valor das emoções. Esta tradição está profundamente enraizada na nossa cultura hoje. As emoções em geral, mas também o amor romântico, são vistos como obstáculos ao pensamento claro e, portanto, à vida ideal. A verdade é, no entanto, que a resposta emocional é frequentemente a melhor resposta." As palavras de Aaron Ben-Ze'ev, filósofo israelita e ex-presidente da Universidade de Haia, decorrem de anos de estudo da abordagem ocidental no processo de tomada de decisões.
Aaron Ben-Ze'ev faz parte de uma vaga de pensadores em todo o mundo que defendem que a emoção não deve ser coartada em detrimento de uma ponderação estritamente fria e técnica. Depois da lógica aristotélica e das correntes iluministas estabelecidas há 300 anos, que elevavam ao expoente máximo a hiper-racionalidade, alguns pensadores do século XXI querem reanimar o papel das emoções para melhor navegar em épocas de tumulto. Velhas formas de pensar já não respondem aos problemas que hoje se colocam, defendem. "A componente cognitiva das emoções é essencial para nos esclarecer, e a componente motivacional e de avaliação das emoções é fundamental para a nossa comunicação; aliás, todas estas funções são particularmente importantes quando uma emergência se aproxima", explica à TSF Aaron Ben-Ze'ev.
Há um lado utilitarista em remover as emoções do processo de ponderação em problemas individuais ou coletivos: a emoção pode ser mobilizada por forças que muitas vezes escapam ao controlo humano. É por isso que o populismo encontra adeptos em vários quadrantes da sociedade. Bennett W. Helm, autor de "Emotional Reason", analisa, em declarações à TSF, que "é relativamente comum na cultura popular pensar nas emoções como fundamentalmente irracionais, como algo que deve ser suprimido ou controlado, mas esta perspetiva espoletou uma negligência intencional do foro emocional, o que é bastante infeliz".
Um contributo para estabelecer prioridades
O investigador alerta para o facto de que a emoção "responde ao que nos é mais importante, para que percebamos o lugar de cada coisa e a melhor forma de viver". James W. Pennebaker, professor de Psicologia na Universidade do Texas, faz eco desta forma de pensar. "Se pensar num acontecimento faz o nosso coração palpitar ou nos faz suar, pensaremos mais profundamente sobre ele", diz, quando questionado pela TSF. Apesar de a emoção ser a morada primitiva de qualquer humano, "tem havido uma desvalorização das emoções no campo da psicologia, que acredita que crenças, cognição, lógica e razão são de longe mais importantes do que estas componentes mais básicas".
O neurocientista António Damásio vai mais longe, nesta reflexão dirigida à TSF: "Negligenciamos o mundo do afeto, o mundo das emoções e sentimentos, por nossa conta e risco. Negligenciar emoções e sentimentos equivale a tratar os humanos como se fossem máquinas, como robôs, que são privados de vida e afeto e estão limitados a uma forma de inteligência verdadeiramente artificial, que tem pouco que ver com a inteligência que nós, humanos, temos. A inteligência humana está fundamentada no afeto."
Altruísmo efetivo
A dúvida reside, portanto, em como pode o ser humano fazer uso do que o distingue de forma a fazer face a problemas individuais e da coletividade. Aaron Ben-Ze'ev traz para esta discussão o conceito de altruísmo efetivo, responsável por construir mudanças positivas a longo prazo, ou seja, por ações em nome de um bem comum. "O altruísmo efetivo recorre a evidências racionais para determinar a melhor forma de beneficiar os outros, mas esta não é necessariamente a resposta mais óbvia."
As emoções podem ser ferramentas vitais para debelar desafios complexos enquanto indivíduos, organizações e mesmo ao nível da espécie. No futuro, serão os líderes políticos capazes de encontrar uma forma de encorajar as emoções no sentido da cooperação? Há novas correntes de pensamento a considerar que a empatia pode adquirir protagonismo no empreendimento de futuros melhores. Pensar nos impactos não imediatos de cada decisão governamental ou organizacional, desde a gestão da crise dos requerentes de asilo à preservação do planeta para as gerações vindouras, é o primeiro passo para trabalhar num objetivo maior do que o indivíduo. "Como a empatia implica desenvolver uma conexão emocional com os outros, pode ajudar-nos a entendê-los e aquilo que é importante nas suas vidas. Esta compreensão pode ser estendida a grupos de pessoas e a uma diversidade de problemas, e isso terá um efeito transformador na forma como lidamos com preocupações sociais." É o que descreve Bennett W. Helm, e o filósofo israelita Aaron Ben-Ze'evcorrobora.
"Acredito que, tanto ao nível micro quanto macro, a nossa principal tarefa é sublinhar as emoções positivas iniciais. Tendo em conta a ascensão de atmosferas de ódio no mundo, realçar o positivo é a maior demanda. Nós não podemos amar demasiado, mas podemos certamente odiar demasiado." As emoções positivas, se analisadas e canalizadas para objetivos comuns, suspendem a ganância por ganhos individuais e estimulam a cooperação para obtenção de benefícios coletivos, e este é um ponto que se destaca quando a humanidade enfrenta desafios globais. "As emoções são uma ótima resposta em muitas circunstâncias ao longo desta geração, nomeadamente quando enfrentamos uma mudança significativa da nossa condição, mas temos recursos limitados e imperfeitos para a gerir."
"A emoção pode promover os nossos interesses" comuns
O pensador considera, assim, que, "em circunstâncias em que a maioria da informação relevante nos falta mas a rapidez é mais importante do que a precisão, a emoção pode promover os nossos interesses". Isso não significa que as emoções não possam ser mal aplicadas. Bennett W. Helm alerta que é necessário "prestar atenção de uma forma crítica à forma como percecionar os outros pode ser transformado na prática". Já o autor Aaron Ben-Ze'ev reconhece que, apesar de "nós não podermos manter as emoções fechadas a sete chaves, erramos igualmente quando nos deixamos assoberbar por elas", e é assim que surge a necessidade de cultivar a "inteligência emocional".
Defender os interesses das gerações que sucederão às que hoje habitam a Terra significa ultrapassar o curto prazo da vida humana ou os impulsos da saída mais fácil, implica expandir a empatia para lá das esferas já conhecidas. Estudos recentes sugerem que os políticos se sentem mais impelidos a tomar decisões quanto à poluição e emissões carbónicas depois de visualizarem imagens que colocam em perspetiva a pequenez humana face à vastidão do universo: como a imagem da Terra vista do Espaço. Mas fazer uso das emoções não apequena os decisores oficiais, defende esta nova vaga de pensadores. Não negar a natureza humana, emocional, pode ajudar a transcendê-la. António Damásio fundamenta: "Ignorar sentimentos e emoções reduz o espírito humano à perceção, memória, cálculos e razão, com prejuízo de outras formas, mais ancestrais, da regulação da vida - afeto - e diminui a escala da nossa humanidade."