"Sabíamos que era um momento importante." Histórias da primeira presidência portuguesa da UE
Vítor Martins, secretário de Estado dos Assuntos Europeus durante a primeira presidência portuguesa da União Europeia, contou à TSF como foi feita a preparação desse período e lembra que, apesar do muito trabalho, Portugal saiu "prestigiado".
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Noites mal dormidas, uma preparação de três anos e o sentimento de dever cumprido no final de tudo. No dia em que Portugal assume a quarta presidência do Conselho da União Europeia, a TSF falou com Vítor Martins, secretário de Estado dos Assuntos Europeus num dos governos de Cavaco Silva, entre 1991 e 1995, que coordenou toda a preparação da primeira das quatros presidências portuguesas, iniciada em 1992.
À época, destaca Vítor Martins, um dos maiores desafios enfrentados por Portugal foi o da implementação do mercado interno, "a coluna vertebral da integração europeia". O ano de 1992 foi "crítico" para o implementar.
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"No fim da nossa presidência o mercado interno tornou-se numa realidade irreversível na União Europeia", explica o antigo governante. Dessa presidência destaca-se também o Pacote Delors II, negociado "da melhor forma possível" por Portugal e cuja conclusão "ficou preparada" para a presidência seguinte, que viria a ser a do Reino Unido.
As pessoas que vão estar na linha da frente da presidência portuguesa que agora começa estão, de certeza, mais do que preparadas para dormir pouco e resistir a reuniões longas.
À TSF, o antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus conta que a primeira presidência portuguesa teve uma longa preparação e incluiu trabalho de várias áreas, até porque "naquela altura, eram presidências que assumiam, de facto, a presidência de todas as áreas do Conselho da União Europeia".
A preparação iniciou-se "cerca de três anos antes" e Vítor Martins foi um dos coordenadores dos trabalhos. Além da preparação de "conteúdos, agendas e objetivos a alcançar", também vários aspetos da "logística e comunicação" em torno da presidência obrigavam a um trabalho longo, que se estendia aos funcionários e diplomatas, uma vez que tinham também de estar "preparados para assumir as tarefas da presidência".
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Vítor Martins lembra-se de uma época em que dormiu pouco. "Há uma noite de que não posso deixar de me lembrar e recordar: a da Cimeira de Lisboa, de junho de 1992, no Centro Cultural de Belém, que fechou na prática a presidência portuguesa. Nessa noite não dormi nada."
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Essa foi uma noite que se juntou a "muitas outras em Bruxelas", até porque a União Europeia "tem uma certa tendência para tomar decisões à noite e prolongar reuniões pela noite fora". Assim, fica uma certeza: "As pessoas que vão estar na linha da frente da presidência portuguesa que agora começa estão, de certeza, mais do que preparadas para dormir pouco e resistir a reuniões longas."
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Certo é que essas noites acabaram por ser símbolo da resistência portuguesa. Vítor Martins conta que "houve um genuíno entusiasmo e um genuíno empenho" de todos os envolvidos, algo que garantia "que tínhamos, com certeza, a possibilidade de ter sucesso".
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O antigo governante não sabe precisar a razão para esse entusiasmo, mas arrisca-se a adivinha que "talvez tenha sido também por ser a primeira presidência. Como sabemos, nunca há uma segunda oportunidade para criar uma primeira impressão e sabíamos que era um momento importante para afirmar o prestígio do nosso país e aumentar a nossa credibilidade, que a nível da UE, quer a nível mundial".
Tudo pareceu dar frutos, até porque "foi unanimemente reconhecido que a presidência correu bem e que Portugal saiu prestigiado do seu exercício", com destaque para o "profissionalismo e rigor" portugueses. Os estados-membros, o Parlamento Europeu e o então presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors "manifestaram publicamente o seu apreço pela presidência portuguesa".
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Quase trinta anos depois da primeira presidência portuguesa, Vítor Martins defende que a liderança da nova presidente da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen, "tem contribuído muito para mobilizar os europeus". Por exemplo, explica, aquando da crise financeira de 2008, "a Europa esteve muito tempo - demasiado tempo - sem responder como devia ter respondido. Atrasou-se muito e isso teve custos económicos e sociais muito pesados".
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Com a pandemia a história já foi outra. A Europa "respondeu de forma célere, com um pacote financeiro expressivo e com capacidade de coordenação, como ainda agora se viu a nível da vacina".
"Estamos outra vez numa etapa de voltar a ter grande confiança no projeto europeu e de poder fazer fazê-lo avançar em benefício dos europeus", conclui.
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Agora, quase trinta anos depois, Portugal assume, uma vez mais, a presidência da UE durante o primeiro semestre de 2021. E quais são os desafios de hoje? Vítor Martins elege "as sequelas da pandemia, que a Europa e o mundo têm estado a enfrentar" e a "implementação difícil e exigente do Brexit" como as tarefas principais que Portugal terá em mãos.