Seixas da Costa: "Israel está claramente em incumprimento daquilo que é o normativo internacional"
À TSF, o embaixador considera que Israel não tem "a mais pequena razão neste seu contencioso com as Nações Unidas" e acusa os EUA e a União Europeia de "hipocrisia"
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O embaixador Francisco Seixas da Costa considera que Israel está a afrontar as Nações Unidas e a atacar o direito internacional, depois de ter atacado as forças das Nações Unidas no Líbano, mas esta atitude dos israelitas não é nova
"Atacar a UNIFIL, atacar inclusivamente a própria existência da UNIFIL e a própria lógica que está subjacente à UNIFIL, significa muito simplesmente contrariar, digamos, aquilo que é o direito internacional e aquilo que é a ordem internacional. Não é uma surpresa dizer que Israel se afirma neste quadro contra a lei internacional. Israel tem-no feito em relação a dezenas de resoluções das Nações Unidas, algumas delas, volto a dizer, aprovadas ou pelo menos não obstaculizadas pelos EUA. Portanto, Israel neste momento está claramente em incumprimento daquilo que é o normativo internacional e, por isso mesmo, também não é de estranhar que Israel tenha tido a atitude que teve relativamente ao secretário-geral da ONU, que é, no fundo, quem corporiza e personaliza aquilo que são as decisões da comunidade internacional decididas pelas Nações Unidas", diz à TSF Francisco Seixas da Costa.
Nesse sentido, para o embaixador há duas hipóteses: "Ou aceitamos um normativo internacional ao qual se subordinam todos os estados das Nações Unidas ou achamos que alguns estados podem ter o direito de se eximirem ao cumprimento das regras internacionais. Se achamos isso, se achamos que o interesse nacional de alguns estados pode sobrelevar aquilo que é a sua sujeição àquilo à Carta das Nações Unidas - Israel, apesar de tudo, é um subscritor da Carta das Nações Unidas -, nós damos o direito a Israel de afrontar as Nações Unidas. Se consideramos que Israel tem os mesmos deveres que qualquer outro Estado das Nações, obviamente que não consideramos que Israel tenha a mais pequena razão neste seu contencioso com as Nações Unidas. Acho que as questões são extremamente simples."
A propósito do ultimato feito por Benjamin Netanyahu a António Guterres para retirar as forças de paz da região, o embaixador sublinha que Israel sabe que a morte de capacetes azuis configura crime de guerra.
"Eu acho que Israel tem consciência disso e ao fazê-lo representar aquilo que é uma espécie de exoneração relativamente ao direito internacional que tem vindo a ser assumido por Telavive nessa matéria. Quer dizer, portanto, nós estamos num limiar, digamos, da clarificação daquilo que é um crime de guerra no plano internacional. Dito isto, aquilo que tem sido a posição de Israel ao longo dos últimos meses, em particular, ao longo dos últimos anos, eu diria de forma mais discreta, relativamente à leitura que faz da situação internacional e do modo como o mundo organizado sob a égide das Nações Unidas se comporta face a Israel, a sensação que dá é que Israel considera completamente irrelevante o posicionamento das Nações Unidas. Eu percebo que um país possa fazer isso e tem que tirar as devidas consequências em relação a isso", afirma.
No entanto, Seixas da Costa ainda deixa palavras críticas à União Europeia e aos Estados Unidos da América, que deveriam ser defensores da ordem internacional.
"Já percebo menos bem que países que se colocam face a Israel numa postura mais favorável, como seja a União Europeia ou os Estados Unidos e que em princípio são, digamos, de certa maneira, protetores da ordem internacional e aqueles que têm dado sinais de quererem manter a ordem internacional sob uma certa proteção e respeito, subscrevam esta atitude de Israel, mas isso tem a ver com a hipocrisia da situação internacional", refere.
Quanto à UNIFIL, o embaixador considera que deve ser feita uma autoavaliação: "Também me interrogo sobre aquilo que tem sido o trabalho da UNIFIL ao longo destes anos, porque se nós olharmos objetivamente para a eficácia prática da presença de uma força multinacional no Líbano, que, no fundo, era suposto funcionar como um fator dissuasório de ações de natureza militar, eu também tenho alguma perplexidade sobre a eficácia prática da UNIFIL. Nós sabemos que a UNIFIL existe num quadro, digamos, difícil, num quadro militar tenso, mas acho que a UNIFIL também deveria fazer, digamos, o seu trabalho de casa em termos de fazer uma autoanálise relativamente àquilo que é a eficácia prática desta ação. Vamos ter, claro, uma operação de paz que está ali há dezenas de anos e, portanto, se calhar valia a pena nós percebermos um pouco o que é que foi feito e o que é que não foi feito pela UNIFIL."