"Seja Facebook, X ou TikTok, redes sociais lucram à conta das nossas crianças e das nossas democracias"
Nasceu em Vila Nova da Barquinha, formado em Economia, Mestre em Cooperação e Desenvolvimento. É o novo diretor da Amnistia Internacional em Portugal, após mais de dez anos a liderar missões humanitárias em países como Angola, Iémen, República Democrática do Congo, Síria, Ucrânia e Líbano nos Médicos Sem Fronteiras.
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João Godinho Martins esteve nos últimos dois anos em Bruxelas, onde integrou a Comissão Europeia, trabalhando em políticas de acesso humanitário e no reforço das relações estratégicas da União Europeia com o Comité Internacional da Cruz Vermelha. Segunda parte da entrevista na TSF.
Os jovens e os adolescentes e as redes sociais. A Amnistia denunciou que a rede social Tiktok, “não está a abordar os graves riscos de danos à saúde mental e física dos jovens utilizadores”. E isto, quase 18 meses depois da mesma Amnistia Internacional ter destacado esses riscos.
E sem evolução entre os 2 momentos…
Não houve, não fizeram nada?
Vê-se pouco. Houve um crescimento na últimas duas décadas das redes sociais e de outras tecnologias, como a inteligência artificial. A falta de regulação, a falta de análise dos impactos negativos, de ser transladada também em termos de regras e leis... A Amnistia Internacional está muito preocupada com os efeitos nocivos de tudo o que isto representa.
Para que as pessoas possam compreender um pouco melhor: fala-se sobretudo de conteúdos no Tiktok relacionados com dietas extremas, conteúdo relacionado com a imagem corporal. A vossa investigação de 2023 revelou que as crianças correm o risco de ser atraídas para um “buraco negro tóxico de conteúdos relacionados com a depressão e o suicídio”. Na investigação que utilizou contas para simular adolescentes de 13 anos, a Amnistia Internacional descobriu que, 20 minutos após criar uma conta e sinalizar interesse em questões relacionadas com a saúde mental, mais de metade dos vídeos no feed, que se chama “Para ti” no TikTok, estavam relacionados com problemas de saúde mental. E vários desses vídeos recomendados, numa única hora, romantizavam, normalizavam ou encorajavam o suicídio. Como é que hoje em dia se pode combater ou reverter isto?
Já existem diferentes maneiras de o fazer. Estamos em contacto com grupos e com decisores políticos que têm poder para o fazer. Há questões de regulamentação que podem ser pensadas e que estão a ser pensadas já nalguns países. Na verdade, há questões também de controlo de determinados conteúdos que podem ser feitos. As empresas têm de fazer mais.
Que países é que estão a dar esses passos?
Alguns países europeus já começam a dar esses passos, a discutir, também na nossa vizinha Espanha essa discussão está em curso. A questão aqui é que empresas responsáveis, seja a Meta pelo Facebook, seja o X ou o Twitter, seja o Tiktok, estão a lucrar da maneira mais fácil de lucrar e isso está a acontecer à conta das nossas crianças e à conta das populações e à conta das nossas democracias também. E há que ter isto em conta. Os decisores políticos têm de fazer mais, têm de deixar de pensar que estão a ser beneficiados por isso. E começar a pensar que estamos todos a ser prejudicados, por isso temos que fazer mais. O lucro não vale tudo.
Houve um Fórum de Lisboa que junta, no fundo, a elite da justiça brasileira, que se reúne anualmente em Portugal. Estiveram na reitoria da Universidade e na Faculdade de Direito a semana passada, e o Juiz Alexandre de Moraes, Juiz do Supremo Tribunal Federal, falou do caso do X que quase que o pôs numa espécie de guerra aberta com Elon Musk por causa da responsabilização que o Brasil quis que a rede social tivesse sobre aquilo que publicava e sobre aquilo que eram conteúdos ilícitos e que não tirava das suas redes. Mas o Brasil quase que ficou isolado nessa luta, portanto, provavelmente ainda há muito caminho a fazer…
Há muito caminho a fazer. E temos que perceber que determinadas multinacionais têm orçamentos maiores do que o produto interno bruto de determinados países, têm muito mais poder e muito mais acesso. Víamos na tomada de posse de Donald Trump, onde estavam todos os CEO, estavam por trás, quer dizer, há muito caminho a fazer. Sabemos também que estas multinacionais têm lobistas em vários sítios. O que nós pedimos enquanto amnistia e o que nós recomendamos, porque a Amnistia não é contra multinacionais, é contra a guerra, nós recomendamos medidas no sentido de proteger os direitos humanos e isso pode ser, podemos conviver com isso e com a realidade que temos hoje em dia.