"Sem uma participação efetiva de regiões e de cidades, a Europa fica muito mais pobre"
O português que preside ao Comité Europeu das Regiões quer os eleitos locais com mais voz no desenho de programas europeus. No último ano de mandato, Vasco Cordeiro promete continuar a ajuda à Ucrânia e diz que só informando melhor os europeus se pode combater fenómenos políticos como o populismo.
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Há cerca de 5 meses disse que a Europa precisa de políticas pensadas, tendo como foco as regiões e cidades, numa democracia revigorada através do reforço da coesão. Aquilo que lhe pergunto é se as eleições legislativas em Portugal o deixaram mais preocupado ou mais tranquilo relativamente a essa necessidade de uma democracia revigorada através do reforço da coesão?
Eu acho que a questão não tem a ver com as eleições em Portugal. Tem a ver com aquilo que são eleições que têm tido lugar em vários países, ou com aquelas que são as projecções para as eleições europeias que dão conta da possibilidade de um crescimento muito significativo de partidos políticos que se alicerçam numa perspetiva mais soberanista e nacionalista. E eu acho que isso deve ser um motivo de reflexão e de ação para a própria União Europeia. Há uma coisa que eu tenho defendido e que é a necessidade de uma Europa mais forte, que tenha uma ligação, uma ancoragem, em que efetivamente as pessoas se revêem na forma como as coisas estão a ser feitas na forma como a Europa atua e para que isso aconteça ou para alcançar este objetivo, parece-me essencial, não apenas um maior esforço de ligação aos cidadãos - explicação de esclarecimento e informação - mas também um grande esforço de simplificação quanto àquilo que a Europa faz e desde logo neste processo de ligação com os cidadãos. Isso não tem sido, na minha opinião. Obviamente não tem sido uma constante, não tem sido algo que me parece estar alcançado, já num grau que permita eliminar um conjunto de receios que os cidadãos europeus têm neste momento e que, na minha opinião, é aquilo que justifica em grande medida o crescimento desses fenómenos partidários.
O seu mandato como Presidente do Comité de todas Regiões vai até quando?
Janeiro de 2025.
Janeiro 2025, portanto, está preparado para nos últimos meses do seu mandato ter de lidar com um Parlamento Europeu, em que o em que o populismo de direita é uma das principais famílias políticas?
Eu julgo que a minha experiência regional já me dá alguma preparação para isso. Desde 2020 que o Parlamento dos Açores tem a presença do Chega e há um governo regional que contou até Fevereiro até às últimas eleições, com apoio do Chega, mas do ponto de vista europeu, claro que há. Há essa projeção de que partidos políticos com uma visão menos comunitária, digamos assim, tenham um crescimento muito significativo a nível a nível de representação do Parlamento Europeu e naturalmente que o Comité das Regiões tem que estar preparado para trabalhar com o PE enquanto instituição, também tendo em conta aquilo que é o peso que essas sensibilidades e que essas expressões têm na formação da vontade dessa tensão.
Tem defendido mais coesão, um papel mais forte atribuído aos órgãos de poder local e regional. Tem dito que isso é o antídoto necessário para os centros de descontentamento na Europa, já o ouvi dizer. Não lhe parece por vezes, que quando os governos centrais o compreenderem, já será tarde demais?
Bom, vamos por partes. Em primeiro lugar, a razão em relação às razões pelas quais eu defendo isso, tem a ver, obviamente, com a importância e com o papel que as autoridades locais e regionais por toda a Europa têm nesta ligação com os cidadãos e, aliás, não é alheia a este facto a circunstância de segundo os estudos que se debruçam sobre essa matéria, esse nível de poder local e regional ser dos níveis de poder que conta com maior confiança dos cidadãos e, portanto, essa proximidade é um dado objetivo e aquilo que ela gera, essa confiança, é também um dado que os estudos de opinião demonstram com clareza- Em segundo lugar, o facto de haver muitas das medidas políticas do investimento que é propiciado pela União Europeia ser concretizado por autoridades locais e regionais, o que me parece, aliás, em bom rigor, não me parece só a mim, uma das conclusões da Conferência sobre o futuro da Europa é exatamente a necessidade de envolver mais as autoridades locais e regionais. Mas naquilo que tem a ver com a minha posição, acho que há um potencial imenso nesta ligação com as autoridades locais e regionais, que poderia ser utilizado e rentabilizado para benefício de cada uma das comunidades e para benefício, e de toda a própria Europa.
O Comité das Regiões completa 30 anos. Que expectativas tem para a Cimeira Europeia das Regiões que acontece num momento tão complexo para a Europa?
Bom, eu acho que esse é o… Eu ia dizer um dos momentos, mas talvez seja O Momento por excelência, pelo contexto que o rodeia, pelo tempo em que ele acontece, para que esse nível de poder, poderes Infranacionais, locais e regionais possam, de uma forma muito clara, dar conta ou reforçar aquelas que são as suas perspectivas, aqueles que são os seus objetivos, a forma como entendem o futuro da Europa e aquilo que é necessário para que o futuro se faça no cumprimento, digamos assim, da ambição inicial do próprio projeto europeu. Nós contamos ter nesta cimeira mais de 3000 participantes provenientes não apenas da Europa, mas também (é algo que me parece muito interessante) que é o de à escala global ou no início de um processo de lançar esta reflexão à escala global, de que forma é que os poderes Infra nacionais Infra estaduais neste sentido de Estado soberano que puderem contribuir para a solução dos grandes desafios que enfrentamos? Por isso é que temos participantes dos Estados Unidos, Canadá, Brasil, enfim, de um conjunto de outras realidades políticas e geográficas que lembro que enriquecerão muito a nossa discussão nessa cimeira. Também contamos aprovar uma, a Declaração de Mons que permitirá traduzir de forma clara esta ambição de termos uma Europa mais forte, mais justa, preparada para os desafios que temos à nossa frente e esses desafios não são apenas os desafios que resultam circunstâncias exógenas à UE, ou seja, com que a União Europeia é confrontada, mas são também desafios da própria União, do melhor funcionamento, da melhor ligação com os cidadãos, da capacidade de explicar melhor as suas políticas, de se fortalecer democraticamente. Julgo que esses também são alguns dos aspetos que teremos a oportunidade de abordar nesta cimeira, isto, obviamente, para além de questões como, por exemplo, aquilo que tem a ver com a transição climática, aquilo que tem a ver com a própria questão das eleições europeias.
Há uma notícia desta terça-feira, que nos diz que o Governo francês e os líderes políticos da Córsega concordaram em reformar a Constituição para incluir o reconhecimento de um estatuto da autonomia para esta ilha do Mediterrâneo dentro da França. Portanto, o reconhecimento de um estatuto da autonomia. Sabemos que na Córsega há um movimento independentista pontualmente há até atentados. Este anúncio, sendo o senhor um político com experiência política a liderar uma Região Autónoma, parece-lhe algo positivo para resolver problemas políticos?
Muito positivo, muito positivo e muito promissor. A realidade da Córsega era já seguida de perto pelo governo regional dos Açores que eu liderei, havia contactos no âmbito das organizações de cooperação europeia, nomeadamente no âmbito da CRPM, da Conferência das Regiões Periféricas e Marítimas da Europa e também no âmbito do Comité das Regiões entre o governo regional, viagens e aquilo que eram as entidades regionais.
Vamos falar assim da Córsega e esta notícia?
É uma excelente notícia, muito promissora. Eu tenho conhecimento que chegaram a existir contactos entre anteriores membros já depois do PS de ter deixado de ser Presidente do Governo. No fundo, de troca de impressões sobre estatutos políticos, sobre como é que era o estatuto político dos Açores. E, portanto, eu acho que isso é um passo importante e que pode ajudar a fomentar esta ligação e a ultrapassar alguns - não diria bloqueios - mas alguns desafios de integração de comunidades locais e regionais em espaços políticos mais latos, como é o caso obviamente, da República Francesa e, aquilo que posso dizer em relação a essa matéria é aquilo que tantas vezes digo e em relação ao aprofundamento das autonomias regionais no nosso país. Não prejudica nem menoriza o país em nada, bem pelo contrário, fortalece-o, engrandece-o. E julgo que é o que acontecerá também nesse caso concreto, como referiu.
Os últimos anos têm demonstrado que as regiões e os municípios foram muito frequentemente gestores de crises, e algumas crises com impacto muito considerável. Sente que têm os meios suficientes para gerir essas crises?
Primeiro é um facto, sobretudo naquilo que teve a ver com circunstâncias extraordinárias, como é o caso da pandemia COVID-19 e em especial, e em regiões e em comunidades locais e regionais de países vizinhos da zona de conflito da guerra da Ucrânia, naquilo que teve a ver com o acolhimento de refugiados, com a prestação de apoio, essa é uma das grandes questões que alguns dos debates que estão em curso ou que se iniciarão em breve no âmbito das políticas europeias, têm que ter em conta, e eu refiro-me em concreto àquilo que é o futuro da política de coesão. Enfim, há muita coisa que se pode dizer em relação ao seu futuro, mas eu gostaria de referir exatamente esse aspecto. Se não houver uma participação efetiva das comunidades locais e regionais através das suas instituições representativas na forma como esta política é desenhada e é implementada e concretizada, ou é realizada no terreno, torna-se muito mais difícil que a Europa no seu todo, seja capaz, não apenas de, em circunstâncias ditas normais, poder fazer o seu percurso, mas sobretudo em circunstâncias extraordinárias, estar mais preparada para atalhar os efeitos disruptivos desse tipo de situação. No caso do COVID, foram as regiões e as cidades que avançaram desde logo com medidas em termos de apoio à economia, de apoio às empresas, de apoio aos trabalhadores. No caso da guerra da Ucrânia, foram também as regiões e as cidades que, antes de tomadas de posição a nível de Estados-Membros ou da própria União Europeia, abriram pavilhões desportivos, salões municipais para acolher refugiados e que daí para cá têm, nomeadamente através da iniciativa do Comité da Aliança das Regiões e das Cidades para a Reconstrução da Ucrânia, têm desenvolvido essa atividade de parceria e eu acho que isso é importante.
Ou seja, já deu frutos. Essa Aliança que foi criada em junho de 2022?
Já, sobretudo, há aqui duas componentes dessa Aliança, uma que tem a ver com aquilo que é o fomentar de parcerias entre regiões e cidades da Ucrânia e regiões da Europa. Nós temos inclusive alguns exemplos de em Portugal, o caso de Cascais por exemplo, que colaborou com uma cidade ucraniana para a reconstrução de Jardins-de-infância. Julgo que, também no caso de Portimão, enfim, há vários exemplos por toda a Europa, mas há uma outra componente que é a de alertar para a importância que o poder local e regional assume na reconstrução da Ucrânia. Essas são as duas componentes da Aliança. Eu tenho participado em algumas em alguns eventos na Ucrânia e fora da Ucrânia. No caso da Ucrânia uma conferência sobre poder local e regional e, no caso fora da Ucrânia, uma reunião do G 20 em Berlim, onde foi possível salientar esse aspecto. Não é possível pensar na reconstrução na recuperação do país se não houver um poder local efetivo, forte, financiado, que possa ajudar nessa nessa tarefa.
Portanto, vai continuar como uma das suas prioridades no que ainda tem de mandato continuar com o apoio do Comité das Regiões à Ucrânia?
Claramente, nessas duas componentes que julgo que ainda têm muito para dar. Há outras componentes que têm a ver também com aquilo que é o papel que o Comité das Regiões desempenha em, vou usar a expressão inglesa, acho que faz capacity building; ou seja, a criação de condições para preparar as entidades locais e regionais desses países. É o caso da Ucrânia, mas não só, para a adesão à União Europeia. E isso faz-se, por exemplo, no caso da Ucrânia, através de contactos frequentes entre as comissões do Comité das Regiões e as entidades ucranianas, mas faz-se também fomentando o contato com o próprio modo de funcionamento e com a realidade Europeia. Nós temos um programa do Comité que é o programa dos jovens políticos locais eleitos e que decidimos em 2023 alargá-lo aos países que são candidatos e que tem tido uma adesão muito, muito interessante, permitindo desta forma que haja um contacto prévio, se assim quiser chamar com a com a realidade do Comité das Regiões, com o seu funcionamento e, num plano mais global, com o funcionamento da União Europeia.
Por vezes, parece que o que os governos, inclusive o de Portugal, que ainda é do seu partido, embora seja um governo em gestão, parecem mais preocupados em forrar os cofres, digamos assim, em ter o défice Público controlado, manter as contas certas e não propriamente aumentar o investimento Público que o senhor já definiu como chave para aquilo que o Comité das Regiões entende ser o objetivo da coesão territorial social. Não sente que por vezes está a bater numa parede, quando defende ser preciso mais dos governos centrais para os municípios e regiões?
Bom, fala-se muito sobre o futuro da política de coesão, aquilo que ela pode ser, aquilo que ela deve deixar de ser e há vários contributos. O próprio Comité das Regiões já aprovou um parecer do qual eu fui relator sobre o futuro da política de coesão; o grupo de peritos da Comissão Europeia, constituído por iniciativa da Comissária Elisa Ferreira, apresentou recentemente o seu relatório. Há um conjunto de aspetos que não se limitam apenas à questão quantitativa e nos quais a participação das entidades locais e regionais é absolutamente fundamental, por exemplo, no que tem a ver com a gestão partilhada de programas e de instrumentos da política de coesão entre regiões e cidades e as autoridades nacionais.
Está a pensar no Next Generation EU?
Não, estou a pensar mesmo, por exemplo, no caso do PRR, todos os aspetos em que o PRR não cumpre essa parte, ou pelo menos não obrigou a que por toda a Europa se cumprisse essa parte. Eu sei, no caso dos Açores, o envolvimento que o governo Regional dos Açores teve nessa questão do PRR, mas também sei aquilo que, como Presidente do Comité das Regiões, me chegou de várias regiões e cidades europeias a queixarem-se. A participação das regiões e das cidades é absolutamente fundamental, porque essa referência espacial às comunidades locais, às comunidades regionais, é condição essencial para o sucesso da política de coesão; ou seja, permitir que as regiões e as cidades tenham acesso à gestão desses fundos, mas também do ponto de vista da própria essência de um conjunto de aspetos. Por exemplo, a questão das migrações, o acolhimento a refugiados: aqui estamos ou não estamos também a falar de uma questão de coesão social nas comunidades de acolhimento de refugiados? Claro que estamos e isso não deve ser compartimentalizado. Isso deve ser uma questão da política de coesão que deve ser reforçada para, exactamente, poder também cumprir o seu papel e cumprir esse objetivo da União Europeia da coesão económica, social e territorial com esse tipo de instrumentos. Há uma terceira componente que também me parece importante nesta questão do futuro da política de coesão termos bem presentes, sobretudo no momento em que estamos a aproximarmo-nos de iniciar a discussão sobre as perspetivas financeiras da União no pós 2027: é que a política de coesão não existe só por si. A política de coesão foi criada - não sei se a expressão é muito feliz, mas se para se perceber melhor vou usá-la, mas peço a sua indulgência para isso – como complemento à questão do mercado único. E, portanto, quando nós entramos na discussão dos beneficiários líquidos e dos contribuintes líquidos, bom, esquece-se que sempre que há investimento público apoiado ou fomentado pela política de coesão, é também o mercado único que beneficia de tudo isto. São portanto, também aqueles que têm empresas e indústrias às quais se recorre para concretizar esses investimentos financiados com a política de coesão, acabam por beneficiar da sua existência e do seu funcionamento. Esses aspetos são importantes, são algumas das questões que estão em cima da mesa no âmbito da do futuro da política de coesão. Mas para recapitular, há um dado que me parece objectivo e claro e que a experiência demonstra: é que, sem uma participação efetiva de regiões e de cidades por toda a Europa, a Europa fica muito mais pobre: na sua força democrática, na sua capacidade de se fazer acontecer e operacionalizar em cada um dos das comunidades da Europa; fica, no fundo, mais pobre sem as comunidades locais e regionais na concretização dos seus grandes objectivos.
Como é que isso se relaciona com os planos de alargamento? Portanto, mais países com padrões económicos e sociais mais frágeis do que a maioria dos países da EU, não vai enfraquecer ainda mais as cidades e regiões daqueles que já cá estão entre os Estados Membros?
Eu acho que a lógica não deve ser essa lógica do ganha-perde, porque é do interesse de todas as regiões e do interesse da União Europeia a questão do alargamento. Hoje, talvez de forma mais clara e evidente do que há uns anos atrás, também do interesse de cada uma das regiões e das cidades. E obviamente que isso implica decisões que têm que ser tomadas quanto à afetação e à capacidade de recursos. Mas a solução não é, desse ponto de vista, descurar aquilo que existe actualmente, não é descobrir aquela que é a atenção quanto a medidas que já existem e a políticas que já existem, porque se assim for, vamos estar a criar fotos de descontentamento e, sobretudo, a potenciar esta perspetiva do ganha-perde face a outras regiões de países candidatos. Há um conjunto de decisões, do ponto de vista dos recursos, nos quais a própria, para falar em concreto, política de coesão tem também um contributo a dar. Tem também uma função a dar naquilo que tem a ver com a integração desses países candidatos, uma vez decidida e concretizada à sua adesão no plano europeu. Mas isso é algo que não é apenas do objetivo desses países, é do objetivo de toda a União Europeia, inclusive das suas regiões e das suas cidades.