Situação na Síria após sismo é "caótica". "Estas pessoas estão a sofrer por todos os lados"
O médico Gustavo Carona esteve há dez anos na Síria a participar numa missão humanitária. À TSF, descreve um cenário "extremamente frágil" e com consequências graves na saúde: "Há crianças que vão morrer por falta de antibióticos."
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Duas semanas depois do sismo, são quase nove milhões os sírios que estão a precisar de ajuda humanitária, alerta a ONU. Este domingo, chegaram à Síria 14 camiões com tendas e kits para aliviar o rigor do inverno, mas os Médicos Sem Fronteiras pedem urgência no envio de auxílio humanitário. Gustavo Carona, médico que participa desde 2009 em missões humanitária, esteve há cerca de dez anos na Síria, e, em declarações à TSF, descreve um país onde falta tudo, uma situação que tem consequências graves na saúde.
"Na altura em que estive na Síria reapareceu a poliomielite, que é uma doença já erradicada da Europa há décadas, e quase erradicada de todo o mundo. A descontinuidade dos serviços de saúde básicos fazem reaparecer doenças que nós já tínhamos conseguido erradicar através de campanhas de vacinação relativamente simples. Há crianças que vão morrer por falta de antibióticos, de condições cirúrgicas para tirar um apêndice ou para fazer uma cesariana a uma grávida. Já para não falar da descompensação de doenças crónicas de idosos, com diabetes, hipertensão, doenças respiratórias ou cardíacas. Estas pessoas estão carentes de tudo em termos de cuidados médicos. Aquilo que existe nos últimos anos é muito básico, estas pessoas estão a sofrer por todos os lados", explica à TSF Gustavo Carona.
Além da saúde, há um problema político, com a guerra civil que já leva 12 anos. O sismo só veio agravar a situação
e, para Gustavo Carona, é difícil acreditar que o presidente sírio vai autorizar a passagem de ajuda humanitária para as zonas controladas pelos rebeldes.
"Já sabemos que a situação era extremamente frágil. Com o terramoto tornou-se caótica. Só com uma situação aguda é que nós percebemos um problema, que é crónico, e que infelizmente é político e, no meio disto tudo, há milhões de pessoas inocentes que estão a sofrer o inimaginável", refere, sublinhando o cenário de "extrema pobreza, desnutrição e de falta de acesso às coisas mais básicas, como água, eletricidade, medicamentos básicos que esta população tem vindo a precisar".
"Sendo que o seu ditador está a bombardeá-los nos últimos 12 anos é difícil imaginar que ele vá agora abrir as portas à ajuda humanitária", defende.
A par dos Médicos Sem Fronteiras, Gustavo Carona pede que todos tentem ajudar um povo que não tem culpa.
"Eu se pudesse entrar num avião tanto iria para a Turquia, para a Síria, como para o Iémen ou a República Centro Africana. Temos que nos concentrar quer na tomada de consciência de problema humanitário, quer na melhor forma de ajudar estas pessoas. Virar a cara para o lado e fingir que não vemos é uma opção que não devemos nunca tomar", acrescenta.
Mais de 46 mil pessoas morreram após os sismos que devastaram o sudeste da Turquia e o norte da Síria, a 6 de fevereiro, incluindo cerca de 5800 neste país já devastado pela guerra.
A Síria vive uma guerra civil desde 2011, desencadeada pela repressão às manifestações pró-democracia, que já provocou meio milhão de mortos, desalojou milhões e fragmentou o país.
Os sismos na Turquia e na Síria, de 7,7 e 7,6 na escala de Richter, respetivamente, ocorreram em 6 de fevereiro, tendo-se seguido várias réplicas mas de menor intensidade.