Bruxelas considera situação de conflito armado no plano em que estabelece medidas para os europeus “estarem preparados” para crises
Corpo do artigo
A Comissão Europeia lança, esta quarta-feira, uma estratégia que pretende tornar os países da União “mais preparados” para reagir a grandes emergências, entre as quais estão as catástrofes naturais, pandemias, ataques informáticos, mas também uma situação de um conflito armado.
A chamada “Estratégia para a Prontidão” inclui 30 medidas concretas que visam criar uma cultura de prevenção e resposta entre os europeus, nomeadamente garantir que todos os cidadãos saibam como proceder, incluindo com meios próprios, para se manterem em total autonomia “durante pelo menos 72 horas” em caso de crise.
O plano surge num momento em que a Europa enfrenta uma combinação inédita de riscos. Além das já frequentes ameaças ambientais, como as cheias, os incêndios florestais e as secas extremas, Bruxelas encara agora novos desafios relacionados com a segurança e a defesa.
A Comissão alerta, por exemplo, para o aumento do número de ataques híbridos, através de ciberataques, campanhas de desinformação e sabotagem de infraestruturas críticas, mas também para a possibilidade de agressões armadas no espaço europeu.
Um alto funcionário da Comissão Europeia responsável pelo plano, ouvido pela TSF, comentou que “o objetivo não é criar alarme”, mas sim “criar uma cultura de prontidão”, caso seja necessário. E, “no “fundo, que cada cidadão saiba exatamente o que precisa de fazer”.
Segundo este responsável, a guerra da Rússia contra a Ucrânia e a experiência da pandemia de Covid-19 demonstraram que “a Europa precisa de estar pronta para o inesperado”. Esta ideia é replicada pela chefe do executivo comunitário.
“Novas realidades exigem um novo nível de preparação na Europa. Os nossos cidadãos, os nossos Estados-membros e as nossas empresas precisam das ferramentas certas para agir, tanto na prevenção como na resposta rápida quando um desastre acontece”, afirmou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
“Famílias que vivem em zonas de cheias devem saber o que fazer quando as águas sobem. Sistemas de alerta precoce podem evitar que regiões atingidas por incêndios percam tempo precioso”, afirmou a presidente da Comissão Europeia, numa nota divulgada em Bruxelas, que garante que “a Europa está pronta para apoiar os Estados-membros e os parceiros de confiança na vizinhança para salvar vidas e meios de subsistência”.
A estratégia propõe a criação de critérios mínimos de preparação para hospitais, escolas, sistemas de transporte e redes de telecomunicações, bem como o reforço do armazenamento de equipamentos médicos, matérias-primas essenciais e produtos estratégicos.
No entanto, a grande novidade é o foco nas pessoas: além da autonomia individual de 72 horas, o plano prevê campanhas de sensibilização, formação nas escolas e a criação de um “Dia Europeu da Prontidão”. Bruxelas quer que os cidadãos tenham consciência dos riscos e saibam reagir, desde um apagão a um ataque informático ou a uma falha no abastecimento de água.
Defesa
Numa dimensão mais ligada à defesa, o plano reforça a cooperação entre meios civis e militares, estando previstas simulações de emergência a nível europeu que envolvam forças armadas, bombeiros, profissionais de saúde e proteção civil, de modo a testar a resposta conjunta num cenário de crise, por exemplo, uma operação de evacuação em contexto de conflito.
A Comissão Europeia pretende ainda uma aproximação dos planos civis e militares de investimento, para promover a partilha de recursos entre Estados-Membros em caso de crise.
“Hoje enfrentamos um número crescente de desafios externos à segurança e de ataques híbridos no nosso espaço europeu comum. É claro que a Europa tem de ser mais forte em todas as frentes e a todos os níveis da sociedade”, afirmou Kaja Kallas, Alta Representante da UE.
Numa nota divulgada à imprensa, a chefe da diplomacia europeia refere que esta estratégia pretende “construir uma visão abrangente das ameaças, preparar os cidadãos, melhorar a perceção de risco, reforçar a cooperação civil-militar e trabalhar mais de perto com parceiros externos, incluindo a NATO".
Plano
O plano europeu assenta em sete áreas prioritárias: antecipação e análise de riscos, resiliência dos serviços essenciais, preparação da população, parcerias público-privadas, articulação entre estruturas civis e militares, resposta coordenada a crises e reforço das relações internacionais em matéria de segurança.
A Comissão pretende, até ao final de 2026, conjuntamente com os Estados-membros concluir a primeira avaliação europeia de ameaças, cruzando informação de diferentes áreas para antecipar riscos futuros.
A Comissão sublinha ainda que o plano inclui regras para integrar a preparação em todas as leis e programas da União, supondo-se que qualquer nova proposta seja avaliada em função do seu impacto na capacidade resiliência da sociedade.
“É importante ficar que não estamos a partir do zero, e temos já uma parte do trabalho realizado”, afirmou uma fonte, dando o exemplo da resposta europeia à pandemia e a aprendizagem desenvolvida através do mecanismo de aquisição conjunta e de partilha de vacinas até à coordenação das respostas sanitárias.
O plano perspetiva que esta aprendizagem seja alargada a outros contextos de risco, onde se incluem a segurança energética, a alimentação ou o abastecimento de água.
NATO
Bruxelas pretende que a integração da preparação para crises em projetos internacionais da União Europeia e no diálogo com a NATO, garantindo também que parceiros estratégicos “estão alinhados” na resposta a ameaças comuns. Isso inclui o ciberespaço, no setor espacial e na indústria de defesa europeia.
“Todos têm um papel a desempenhar. As ameaças de hoje são rápidas, complexas e interligadas; a nossa resposta tem de ser mais proativa, mais coordenada e mais ambiciosa”, frisou a comissária europeia Hadja Lahbib. “Ao juntarmos os esforços das instituições, empresas e cidadãos, podemos tornar a Europa mais resiliente e mais preparada para o futuro”, afirmou ainda.
"Corre o risco de ser interpretado como manobras propagandísticas"
Em declarações à TSF, o antigo presidente da Liga dos bombeiros e investigador Duarte Caldeira sublinha que “há muito tempo” que luta “pela existência em Portugal de um plano nacional de preparação para o risco” e lamenta que “seja necessário estarmos em quadro de conflito” para os estados-membros ficarem sensíveis à questão.
Duarte Caldeira considera ainda que, numa altura em que a Europa é palco de uma guerra, este tipo de recomendação pode criar um alarmismo desnecessário.
