No dia em que passam 80 anos da libertação do mais emblemático campo de concentração nazi, ouviram-se muitos avisos contra o aumento da intolerância e do antissemitismo
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Cerca de 50 chefes de Estado e de governo de todas as partes do mundo, estiveram esta tarde na Polónia para assistirem à cerimónia e prestarem homenagem às vítimas e aos sobreviventes.
Tova Friedman foi a sobrevivente mais jovem na cerimónia, ela tinha apenas seis anos e meio quando os soviéticos entraram no campo. Apesar de tudo, tem memórias muito claras do que lhe aconteceu já que a mãe não lhe escondia o que se estava a passar.
Ainda antes de ser deportada, quando vivia num ghetto viu, do sítio onde estava escondida, todas as outras crianças serem levadas e ouviu os gritos de desespero de pais e mães, ignorados pelos soldados nazis. Perante um pátio vazio, ela perguntou-se se seria a única criança judia viva em todo o mundo.
Pouco depois foi separada do pai, enviado para o campo de Dachau, e com a mãe foi deportada para Auschwitz. Confessa que durante a viagem, com fome e com sede, estava aterrorizada. Passados mais de 80 anos, os gritos e preces das mulheres no comboio ainda a assombram.
Tova lembra-se que para ela a ideia de uma criança judia morrer era natural, era isso que acontecia diariamente. Lembra-se de ter sido espancada à saída do comboio porque não conseguia estar quieta, mas a grande preocupação era escapar aos dentes dos pastores alemães que eram praticamente do tamanho dela.
Aos 86 anos esta sobrevivente alerta para aquilo que considera ser o chocante aumento do preconceito, do medo, do extremismo e do antissemitismo. Tova Friedman apela ao despertar da consciência coletiva para estes sentimentos antes que nos destruam.
Um outro sobrevivente Leon Weintraub avisou para o aumento do apoio à extrema-direita e pediu ao mundo para rejeitar todas as manifestações de intolerância com os que são diferentes.
Já Robert S. Lauder, um dos maiores doadores do Memorial de Auschwitz e neto e filho de sobreviventes do holocausto, fez questão de recordar uma frase dita há 10 anos por um sobreviventes do campo: "Não queremos que o nosso passado seja o futuro das nossas crianças."
O empresário norte-americano diz que nunca esta frase lhe pareceu tão profética. Admite que há dez anos não sonharia que a história se pudesse repetir, mas hoje já não tem tanta certeza.
Lauder lembra que o processo que levou ao holocausto avançou lentamente, primeiro com os judeus a terem de abandonar as escolas, depois a ficarem sem negócios. Foi tudo feito perante a passividade do mundo, e numa altura, recorda, em que havia muitos apoiantes dos ideais nazis em países como a França, a Inglaterra e até os Estados Unidos.
Ele defende que hoje há paralelismos do que se passou nos anos 30, do século passado, como, por exemplo, os professores judeus despedidos, as crianças a quem pedem para não revelarem que são judias ou os estudantes universitários alvo de assédio.
Robert S. Lauder lembrou as palavras de outro sobrevivete do holocausto, Elie Wiesel, que lhe disse, quando visitam as câmaras de gás em Auschwitz, que o oposto do amor não é o ódio, é o silêncio e a indiferença. O grande objetivo atual, diz ele, é lutar contra esse silêncio e indiferença antes que seja tarde demais.