Sondagem aponta líder da extrema-direita como vencedor das eleições nos Países Baixos
A investigadora Raquel Varela sublinha à TSF que esta eleição "não é um epifenómeno", mas destaca que, apesar da "onda mundial de ascensão da extrema-direita", esta "é a primeira vez que atinge países mais da Europa Ocidental mais rica".
Corpo do artigo
O líder da extrema-direita Geert Wilders foi esta quarta-feira o mais votado nas eleições gerais nos Países Baixos, com uma margem esmagadora, de acordo com uma sondagem à boca das urnas.
Geert Wilders ficará como o mais bem posicionado para liderar as negociações para formar uma nova coligação e, desta forma, tornar-se o sucessor de Mark Rutte como primeiro-ministro.
Em declarações à TSF, Raquel Varela, investigadora integrada no centro de investigação História, Territórios e Comunidades, considera que a eleição de Wilders nos Países Baixos segue a tendência da ascensão da extrema-direita.
TSF\audio\2023\11\noticias\22\raquel_varela_extrema_direita
"Esta mais que provável eleição do candidato da extrema-direita coloca-o com a possibilidade de formar Governo, agora não pode ser visto, quanto a mim, como um epifenómeno. Eu recordo que há uma candidata neofascista que é primeira-ministra na Itália, acabamos de ver um candidato neofascista chegar ao poder na Argentina, em Israel está à frente uma coligação de extrema-direita e de partidos neofascistas e, todos nos lembramos, esteve Bolsonaro e Trump", aponta, sublinhando que apesar da "onda mundial de ascensão da extrema-direita", esta "é a primeira vez que atinge estes países mais da Europa Ocidental mais rica, do Norte, e eventualmente isso é ainda mais chocante".
Raquel Varela nota ainda que Wilders ganha estas eleições numa altura de crise, em que a taxa de inflação no país chegou aos 10%.
"A Holanda está a atravessar a maior onda de greves da sua história, portanto, também gostava de salientar que não há só aqui uma má notícia. Do lado do reforço da extrema-direita eleitoral, há também do lado da esquerda, dos trabalhadores, do lado democrático e social uma série de lutas nos setores públicos, à cabeça deles no setor da saúde e educação", destaca.
TSF\audio\2023\11\noticias\22\raquel_varela_crise
A investigadora reforça a "contestação social à degradação das condições de vida" e explica que, "felizmente", isso não passa só "pela eleição da extrema-dirieta, passa também por uma contestação do ponto de vista dos protestos e das greves como não se via há muitos anos na Holanda".
A investigadora destaca ainda a saída de cena do primeiro-ministro, Mark Rutte, do partido para a Liberdade e Democracia, de centro-direita, ao fim de 13 anos de poder.
TSF\audio\2023\11\noticias\22\raquel_varela_era
"Isto representa o fim de uma era. Estamos a falar de um primeiro-ministro que esteve no Governo mais de 10 anos e que tinha uma espécie de sete vidas, como os gatos, que acabou por cair justamente em torno de uma política sobre as leis imigratórias", refere.
A sondagem à boca das urnas, publicada pela estação nacional NOS, referiu que o Partido da Liberdade (PVV) de Wilders conquistou 35 lugares na câmara baixa do Parlamento, com 150 assentos, mais que o dobro dos 17 que conquistou nas últimas eleições.
A aliança de esquerda de Frans Timmermans está em segundo lugar, com 26 assentos, enquanto o partido liberal de direita VVD, conquistou 23 lugares, ainda de acordo com a sondagem.
Caso seja confirmada pelos resultados finais, a vitória de Wilders marca uma súbita mudança para a direita que será recebida com apreensão em Bruxelas: o PVV prometeu nomeadamente um referendo sobre a adesão dos Países Baixos à União Europeia (UE).
"Pode não ser o que outros partidos na Europa ou em outros países procuram, mas, isto é democracia", frisou durante a tarde o político, de 60 anos, depois de votar.
A sua mensagem anti-imigração, incluindo o encerramento de fronteiras e a deportação de imigrantes ilegais, parece ter repercutido entre os eleitores neerlandeses.
Apesar de Wilders estar a preparar-se para triunfar nas urnas, não é certo que consiga formar uma coligação governamental.
Os líderes dos outros três principais partidos garantiram que não participarão numa coligação liderada pelo PVV.
Kate Parker, da Economist Intelligence Unit, alertou que esta situação levaria a um "impasse constitucional" na quinta maior economia da UE, noticiou a agência France-Presse (AFP).
Sem hesitar em chamar aos marroquinos "escória" ou em propor concursos de caricaturas do profeta Maomé, Wilders construiu a sua carreira numa cruzada contra o que chama "invasão islâmica" do Ocidente.
Nem os problemas com o sistema judicial neerlandês, que o considerou culpado de insultar os marroquinos, ou as ameaças de morte contra ele, que o mantiveram sob proteção policial desde 2004, o desencorajaram.
Wilders, que tentou suavizar parte da sua retórica populista e concentrar-se noutras preocupações dos eleitores, acabou por superar as expectativas.
Há "problemas mais importantes do que combater a enxurrada de requerentes de asilo e imigrantes", frisou, durante um dos últimos debates eleitorais, acrescentando que estava pronto a pôr de lado as suas opiniões sobre o Islão para governar.
Se a imigração continuou a ser um tema central da campanha, os neerlandeses estão ainda mais preocupados em "saber se ainda têm dinheiro nas carteiras", insistiu.
O líder do PVV garantiu aos jornalistas em Haia, depois de votar, que será o primeiro-ministro de "todos nos Países Baixos, independentemente da sua religião, origem, sexo ou qualquer outra coisa".
Mas o manifesto do PVV manteve o tom xenófobo que é a sua 'marca registada'.
As medidas anti-imigração propostas incluem o restabelecimento do controlo de fronteiras, a detenção e deportação de imigrantes ilegais, devolver requerentes de asilo sírios e a reintrodução de autorizações de trabalho para trabalhadores intra-UE.
Quanto ao Islão, o manifesto do PVV diz: "Os Países Baixos não são um país islâmico. Não há escolas islâmicas, o Corão e mesquitas".
Wilders, que participou hoje na sua sexta eleição, pretende proibir em edifícios governamentais o uso de lenços para cobrir cabeça, como os usados pelas mulheres muçulmanas.
Mais de 13,3 milhões de cidadãos foram chamados a eleger, entre 26 partidos, os grupos que formarão a próxima coligação governamental nos Países Baixos, onde começará uma nova era após 13 anos de mandatos liberais de Mark Rutte.