"Têm medo de serem associados ao movimento pró-democracia." Hong Kong não devolve escultura ao autor

A "Pillar of Shame" exposta no campus da Universidade de Hong Kong, onde esteve durante 25 anos
Jens Galschiøt
No dia em que se assinalam os 33 anos do massacre de Tiananmen, na China, a TSF falou com Jens Galschiøt, autor da escultura "Pillar of Shame" que esteve exposta em Hong Kong por 25 anos.
O autor da "Pillar of Shame" (ou "Coluna da Infâmia", em português), uma escultura em homenagem às vítimas do massacre de Tiananmen, continua à espera que lhe enviem a escultura, que está há quase seis meses retida num contentor. A escultura esteve durante 25 anos em destaque no campus da Universidade de Hong Kong, até ser removida pelas autoridades chinesas em dezembro.
O artista dinamarquês, Jens Galschiøt, culpa o estabelecimento universitário de Hong Kong por não ter lutado para manter a escultura no campus. Afinal, era um símbolo da liberdade de expressão e de pensamento, tudo o que uma universidade deve promover.
"Eles, na universidade, são na mesma culpados. Porque é a maior, a mais conhecida universidade em Hong Kong (...) Eles deviam ter lutado e dizer que este é o espírito da Universidade: ter esta cultura de livre pensamento e de debate livre", explica Jens Galschiøt à TSF.
A escultura estava na Universidade de Hong Kong desde 1997. A instalação no campus foi alvo de um braço de ferro, apenas serenado com a intervenção do último governador de Hong Kong, Chris Patten.
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Mas esta não é a única curiosidade. A estátua em bronze e betão, com oito metros de altura e cerca de meia centena de figuras humanas empilhadas em pirâmide, não é única. Também há estátuas iguais no México e no Brasil, todos com o objetivo de chamar a atenção para diferentes crimes contra a humanidade. Contudo, essas mantêm a cor original, o preto. Só a de Hong Kong mudou para laranja, em 2008, num projeto artístico em que a cor laranja foi usada para sinalizar as violações de direitos humanos durante as Olimpíadas de 2008 na China.
"Tivemos um grande evento intitulado 'Consegue a China banir a cor laranja?' Era uma ligação aos Jogos Olímpicos em Pequim. A ideia era passar a mensagem de que ao usar a cor laranja estaríamos a enviar um sinal de que algo está podre nos direitos humanos", conta o escultor.
Para o artista dinamarquês, o "mais absurdo" é ter ficado a saber que a estátua iria ser removida pela comunicação social. Primeiro, as autoridades enviaram uma carta para alguns ativistas ligados ao movimento pró-democracia em Hong Kong a dizer que se eles não retirassem a escultura, esta seria removida da universidade.
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"Foi um caso estranho, porque os ativistas estavam na cadeia por atividades relacionadas com a defesa da democracia. Estas pessoas receberam o correio e depois eu soube pela imprensa que havia algo errado em Hong Kong. Escrevi uma carta para o Governo de Hong Kong, para a universidade e para o advogado da universidade e, através do meu próprio advogado, disse-lhes 'A escultura não pertence ao movimento pró-democracia, é propriedade minha'", revela Galschiøt.
É autocensura: eles realmente têm medo de serem associados ao movimento pró-democracia e terem alguma coisa a ver com a escultura
A escultura foi retirada da Universidade de Hong Kong em dezembro. Passados quase seis meses, Jens Galschiot, acredita que já deixou de ser uma questão de interferência do Governo.
O problema, afirma, é que a imposição da Lei de Segurança Nacional por Pequim aumentou a autocensura na cidade: "Todas as empresas de carga em Hong Kong dizem que querem distância da escultura: 'se é a Coluna da Infâmia, de Jens Galschiøt, não queremos ter nada a ver com o transporte, porque temos receio da Lei de Segurança Nacional.' Isto mostra o que se está a a passar em Hong Kong. [Nesta altura] não acho que seja um problema do Governo de Hong Kong. É autocensura: eles realmente têm medo de serem associados ao movimento pró-democracia e terem alguma coisa a ver com a escultura."
Enquanto isso, a "Pillar of Shame" (ou "Coluna da Infâmia") continua num contentor em Hong Kong.
Passados 33 anos do massacre de Tiananmen, e com a habitual vigília pelas vítimas proibida pelas autoridades em Hong Kong, alguns cidadãos tentaram iniciativas individuais. E tanto o consulado dos Estados Unidos em Hong Kong como a representação da União Europeia colocaram velas nas janelas.
As autoridades já tinham avisado que quem tentasse qualquer manifestação poderia vir a ser acusado de participar numa assembleia não autorizada e incorrer numa pena de prisão de até cinco anos.
Isto pode parecer estranho, mas Hong Kong era uma cidade como Nova Iorque ou Londres
Este é um cenário que contrasta com o ambiente da antiga colónia britânica ainda há poucos anos, já depois da transição para a China. Uma realidade aqui recordada pelo artista dinamarquês.
"Não é só a memória do que aconteceu na Praça de Tiananmen. É tudo sobre no movimento pró-democracia, são todos os monumentos sobre o que aconteceu em Hong Kong que estão a ser removidos. Isto realmente mostra a censura em Hong Kong e isto acaba com o espírito de Hong Kong", considera o escultor.
E lembra: "Isto pode parecer estranho, mas Hong Kong era uma cidade como Nova Iorque ou Londres. Os britânicos governaram mais de cem anos. As pessoas sentiam-se como parte do mundo ocidental e, agora, as autoridades mudaram Hong Kong radicalmente. Transformaram-na numa cidade comum do interior da China. É uma história triste."
Jens Galschiøt é uma das vozes críticas do regime chinês. Acusa Pequim de não ter cumprido o acordo internacional assinado antes da transição da antiga colonia britânica para a China.
"Penso que a China violou as regras, porque eles prometeram ao mundo e ao Governo Britânico o principio "um país, dois sistemas". Eles acordaram criar um sistema para Hong Kong e manter outro no interior da China e depois quebraram o acordo. Agora há um único sistema: um país para a China e para Hong Kong. Esta é a parte má da história", lamenta o dinamarquês.
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O escultor conta que "a parte boa é que ao fazerem isto tornam o movimento pró-democracia verdadeiramente forte, porque há centenas de milhares de ativistas que estudaram e estão espalhados pelo mundo: em Londres, Copenhaga, Oslo, Washington."
Mas garante: "Continuamos a trabalhar em conjunto com este grupo de pessoas. Continuamos conectados. De certa forma, em vez de uma "Coluna da Infâmia" e de um movimento democrático, agora há centenas de movimentos e de "colunas da infâmia", porque partilhámos os modelos 3D para a impressão da estátua. Milhares de estátuas podem ser vistas em todo o lado.