Teresa Anjinho: "Desburocratização deve ser acompanhada de mecanismos de controlo eficazes"
Teresa Anjinho inicia o mandato, esta quinta-feira, com a missão de contribuir para o “reforço da transparência” e zelar para a boa administração nas instituições europeias
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Teresa Anjinho, que esta quinta-feira assume funções como provedora de Justiça da União Europeia, alerta, em entrevista à TSF, para a necessidade de a falada desburocratização na União Europeia ser acompanhada “mecanismos de controlo eficazes”. Só assim, afirma a nova provedora, a redução da burocracia se poderá tornar numa oportunidade.
Caso contrário, “sem salvaguardas adequadas”, a desburocratização pode "destapar um caminho muito perigoso" para fenómenos como a corrupção.
"É muito comum ouvirmos que é importante lutar contra a burocracia, porque, de facto, o excesso da burocracia diminui a transparência e até mesmo a compreensão do cidadão em relação a processos de decisão altamente complexos. Mas é importante também alertar que se o excesso de burocracia faz isto, a redução da burocracia também destapa aquilo que pode ser um caminho muito perigoso, por exemplo, de corrupção", alertou Teresa Anjinho, em entrevista ao programa Fontes Europeias.
A especialista em direito e investigadora académica na área dos Direitos Humanos inicia, esta quinta-feira, as suas funções como provedora de Justiça da União Europeia, após ter sido eleita em dezembro passado com uma maioria de 344 votos dos eurodeputados. Foi deputada, secretária de Estado e provedora-adjunta de Justiça em Portugal, Teresa Anjinho assume agora a liderança do organismo europeu responsável por zelar pela boa administração nas instituições da União Europeia.
Transparência
Na entrevista, a nova provedora de Justiça da União Europeia considera a transparência um elemento "fundacional" do trabalho do organismo com sede em Estrasburgo, que vai liderar. Teresa Anjinho destaca a necessidade de um “compromisso sério” com a transparência e prestação de contas por parte das instituições europeias, referindo-se ao caso particular do Conselho Europeu.
Entre os desafios que pretende enfrentar, Teresa Anjinho apontou a “falta de confiança” dos cidadãos nas instituições europeias, defendendo que essa confiança deve ser reconstruída através de uma “comunicação mais eficaz e do reforço da participação cívica”.
A nova provedora de Justiça defende que a transparência deve estar aliada a uma cultura de responsabilidade e escrutínio público. "Quando falamos em transparência, falamos sempre da capacidade que qualquer cidadão deve ter de se dirigir em relação àqueles que elegeu, procurando saber de que forma estão a exercer o seu mandato", afirmou, sublinhando a necessidade de distinguir entre quem defende o interesse público e quem atua em benefício de interesses privados.
Neste sentido, defendeu a revisão do regulamento de acesso aos documentos da União Europeia, que data de 2001. "Nenhum de nós tem dúvidas quanto à diferença que hoje existe naquilo que é o cenário dos dados com o qual temos que trabalhar de 2001 para 2025, e esta é sem dúvida uma questão que tem que ser revista", afirmou.
A nova provedora de Justiça também manifestou preocupação com o que classifica como "consultas públicas de mera formalidade" e defendeu que estas devem ser um verdadeiro instrumento de participação cidadã. "Muitas vezes esta consulta pública limita-se a ser uma espécie de 'checking boxes', quando, na verdade, deveria reforçar a democracia participativa, permitindo ao cidadão perceber o que está a ser decidido e participar nos vários momentos de decisão", advertiu.
Prioridades
Teresa Anjinho assume que a sua estratégia como provedora de Justiça assenta em três pilares: “a iniciativa própria da provedoria” para atuar em problemas estruturais e a “cooperação com outras entidades”, incluindo provedores nacionais e universidades, destacando em primeiro lugar “a capacitação dos cidadãos” por via das queixas.
"O primeiro pilar é, sem dúvida alguma, a capacitação dos cidadãos por via das queixas, porque as queixas são a função clássica da Provedoria, procurando conhecer o estado da arte e melhorar os mecanismos de eficiência e alcance daqueles que são considerados mais vulneráveis", explicou.
Sobre os processos de iniciativa própria da Provedoria, a jurista destacou a sua importância para corrigir problemas estruturais. "Este mecanismo permite que a Provedoria seja proativa quando reconhece que há problemas sistemáticos e repetitivos, que exigem uma intervenção estrutural para garantir uma boa administração", referiu.
Quanto à cooperação institucional, Teresa Anjinho salientou que o seu objetivo é reforçar parcerias tanto com as provedorias nacionais como com a academia, considerando que as universidades são "fóruns de divulgação e consciencialização de direitos".
Desafios do atual contexto político
Perante os desafios decorrentes do ambiente político fragmentado no seio das instituições europeias, Teresa Anjinho assegura que a Provedoria de Justiça manterá a sua independência e imparcialidade.
"A Provedoria não faz política, não implementa política e zela, em particular, pelos valores da boa administração de forma absolutamente independente e imparcial", enfatizou a nova Provedora de Justiça Europeia.
Desinformação
Teresa Anjinho também se mostra preocupada com os impactos da desinformação na perceção dos cidadãos sobre a União Europeia, na era da internet, num ambiente em que as redes sociais predominam. "Um dos grandes deveres das instituições é saber comunicar com as pessoas a quem se dirigem e estar particularmente vigilantes à atuação de desinformação que pode prejudicar os seus objetivos fundamentais", frisou.
Questionada sobre como conciliar a necessidade de transparência com a gestão da informação pública, num contexto de crise marcada pela guerra e por um novo enquadramento geopolítico, Teresa Anjinho defendeu a necessidade de um equilíbrio.
"Eu tenho como princípio a liberdade, mas temos de reconhecer que vivemos um tempo muito difícil do ponto de vista de ameaça a muitos dos nossos direitos e das nossas liberdades. O cenário bastante diverso e complexo da informação e dos media coloca um desafio acrescido", frisou.
O futuro da Provedoria de Justiça
Sobre a evolução do papel do provedor de Justiça Europeu, Teresa Anjinho destacou que a instituição passou de um "órgão que supervisiona" para um "catalisador de cidadania europeia".
"Se inicialmente tínhamos talvez uma instituição vocacionada para ser um verdadeiro 'watchdog', hoje em dia temos um mecanismo que serve de reforço da cidadania europeia e um instrumento importante de integração no espaço europeu", afirmou ainda.