A Representante para a Liberdade dos Média na OSCE diz que "há um recuo imenso em matéria de democracia". A Rússia menospreza as instituições "da dimensão humana". É preciso agir para garantir a liberdade e viabilidade dos média.
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Teresa Ribeiro nasceu em Moçambique, em 1954, e é licenciada em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi secretária-geral adjunta da União para o Mediterrâneo, secretária de Estado dos Assuntos Europeus, entre 2008 e 2009, administradora da Agência Portuguesa para o Investimento e Comércio Externo (AICEP), nos anos de 2010 e 2011. Presidiu ao Instituto de Comunicação Social (ICS), em 2000-2008, foi também presidente do Comité Diretor dos Mass Media, do Conselho da Europa, em 1999-2000. E, antes disso, foi presidente do Observatório de Comunicação. Agora, é Representante para a Liberdade dos Média na OSCE, Organização Para a Segurança e Cooperação na Europa. Numa entrevista à TSF, em vésperas do Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, assume que "a liberdade dos média assume um papel fundamental na democracia e na paz".
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A ex-governante reconhece que a guerra está a ter impacto significativo numa organização multilateral como a OSCE: "Está a ter um impacto enorme, porque obviamente a OSCE tem entre os seus estados participantes a Rússia, a Ucrânia, os Estados Unidos, o Canadá, e toda a União Europeia e a Ásia Central. Portanto, não poderia deixar de ter um enorme impacto e talvez provavelmente é das organizações, do ponto de vista político, que mais sente esse impacto". Poderia estar a OSCE fazer mais por uma solução para a guerra, uma vez que é uma organização da qual a Federação Russa faz parte? Ou, precisamente por isso mesmo, está de mãos atadas? Teresa Ribeiro não tem dúvidas: "Eu julgo que neste momento é ainda demasiado cedo para se pensar numa intervenção da OSCE. Aquilo que me parece importante é conseguir manter a OSCE enquanto uma organização de segurança e com esta composição tão alargada, até haver, digamos assim, uma refundação que virá seguramente quando a paz chegar também. Isso parece-me que é absolutamente essencial. Julgo que é cedo para uma intervenção mais musculada, mais visível, da OSCE, porque nós estamos não há, neste momento, lugar para encontrar, no quadro desta organização, as soluções para a paz".
Mas está a existência da OSCE em perigo? Teresa Ribeiro não esconde a complexidade da situação que a organização multilateral vive: "nós estamos num momento complexo, por razões várias. É uma ironia, num momento em que talvez a OSCE seja mais relevante do que nunca. Um momento complexo porque nós vamos ter, no final deste ano, o fim dos mandatos dos quatro top 4 da organização: Secretária-Geral, Representante para a Liberdade dos Média, Diretor do Escritório dos Direitos Humanos e Alto-Comissário para as Minorias. Portanto, temos esse problema. E obviamente temos, claramente, o problema de a Rússia olhar com enorme desconfiança para as instituições da dimensão humana. E, portanto, a renovação dos mandatos ou a designação de novos representantes é por consenso, e alguns dos Estados participantes, vamos ser claros: a Rússia claramente, não está empenhada na dimensão humana".
Nas funções de Representante para a Liberdade dos Média, Teresa Ribeiro olha "com bastante preocupação" para o estado actual da liberdade dos média no espaço europeu dos países da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa: "Com enorme pessimismo, com enorme pessimismo. Nós assistimos, de facto, a um recuo imenso em matéria de democracia. E isso é que, globalmente, é uma realidade. Vou dar-lhe uns números, porque eu acho que eles são suficientemente impactantes para que nós percebamos a dimensão do problema: segundo Cities of Democracy, no relatório que produziu recentemente, estamos em matéria de democracia ao nível de 1989 e em matéria de liberdade de expressão, segundo o relatório do ano passado, com índices, que são os índices de 1984, em plena Guerra Fria. Portanto, e é esta a realidade quer da democracia no mundo, quer da liberdade dos média e da liberdade de expressão. Eu acho que isto nos deve fazer pensar e sobretudo, agir".
A antiga secretária de estado de Augusto Santos Silva, afirma haver um "terrível recuo em matéria de liberdade dos média, através das imensas formas de silenciamento, de violência, de assédio" e diz que muitas vezes "nem sequer há uma grande consciência a nível político, de que se nós não preservarmos a liberdade dos média, teremos ainda muito mais problemas em matéria de democracia. E isso parece-me que é preocupante. Portanto, não acho que haja uma consciência plena desta conexão entre a liberdade dos média e a democracia, porque, de facto, nós temos que agir, isso, isso não há dúvida nenhuma. Temos que agir contra aqueles que silenciam deliberadamente os média. Mas temos que agir também com um ecossistema de informação altamente disruptivo, também por força das plataformas e da enorme desinformação que grassa nesse mesmo espaço. Temos que agir porque os jornalistas cada vez têm menos espaço para o seu trabalho".
A Representante para a Liberdade dos Média defende mudanças "em todo este ecossistema", de modo a não colocar mais em causa a sustentabilidade e a viabilidade dos média: "nós, aquilo que vemos e vemos isso em quase todos os países, é uma grande fragilidade naquilo que diz respeito à sustentabilidade dos média e à sua e, portanto, à sua vida, a sua capacidade de continuarem a fazer o seu trabalho, a proteger os seus jornalistas, a darem-lhes as condições necessárias para que esse trabalho possa ser feito da melhor forma. E respondendo àquelas que são as exigências da profissão". Entende Teresa Ribeiro que "os governos autoritários claramente sabem muito bem que a liberdade dos média é absolutamente essencial para a democracia". E, portanto, importa silenciá-la? É assim que pensam esses regimes? "Sem dúvida nenhuma". Mas depois há também, entre as democracias, "alguma falta de consciência de que essa ligação é absolutamente essencial e que nós precisamos de preservar a todo o custo a liberdade dos média. Se queremos continuar a ter sociedades democráticas."