Este domingo a Suécia vai a votos. Os Democratas Suecos, que combinam propostas polémicas de extrema-direita com ideais de esquerda, serão muito provavelmente a chave da governação do país. Pode ser o funeral do modelo socioeconómico nórdico, que inspirou o mundo.
Corpo do artigo
As eleições de 8 de setembro são acima de tudo um sufrágio à política de refugiados da Suécia dos últimos 40 anos. Para trás ficam os debates tradicionais sobre o papel da Social-democracia no desenvolvimento do Estado de bem-estar, na distribuição de riqueza, na taxação dos altos rendimentos, ou na garantia de emprego e habitação barata para toda a população.
A imagem, muitas vezes romântica, de uma Suécia onde tudo funciona bem, onde todos vivem confortavelmente, e onde se conseguiram resolver todos os problemas, não passa de uma miragem utópica, longe da nova realidade do outrora país exemplo do modelo nórdico. A imagem internacional de uma Suécia aberta e tolerante está prestes a mudar.
O paradoxo dos Democratas Suecos
Durante os últimos 4 anos da atual legislatura, a Suécia acolheu 377.000 estrangeiros, na maioria refugiados e asilados políticos oriundos do designado terceiro mundo. Depois de décadas de uma autoconfiança exacerbada no potencial do sistema nórdico da terceira via para resolver toda a espécie de problemas com sucesso exemplar, os políticos suecos só agora estão a acordar para os efeitos a longo prazo das tensões sociais crescentes da política de portas abertas iniciada nos anos 80.
Estas tensões foram naturalmente aproveitadas por forças populistas e nacionalistas, que na Suécia estão hoje materializadas em dois principais movimentos políticos: o MNR (Movimento Nórdico de Resistência), e o partido Democratas Suecos.
Enquanto o MNR é um grupo claramente neonazi, racista e xenófobo, com apoio marginal e extremamente limitado na sociedade sueca, os Democratas Suecos tornam-se, com estas eleições, numa força política de peso que mais ninguém pode continuar a ignorar.
A caminho de se tornarem no segundo maior partido do país, os Democratas Suecos souberam captar o apoio dos suecos preocupados com os problemas e desafios da política de refugiados e, ao mesmo, angariar votos diretamente ao eleitorado trabalhista e pró-comunista - revoltado com a lenta e subtil aproximação à direita da Social-democracia no poder, e com a desmontagem gradual do Estado pai, patrão e enfermeiro.
Com um programa claramente nacionalista-populista de direita, os Democratas Suecos são contra a entrada de mais refugiados no país, defendem a adoção de penas substancialmente mais severas para quase todo o tipo de crimes, advogam a utilização do exército para repor a ordem e segurança nos subúrbios problemáticos das maiores cidades, e prometem organizar um novo referendo para a eventual saída da Suécia da União Europeia.
Mas, ao mesmo tempo, os Democratas Suecos são um partido indubitavelmente de centro-esquerda no que respeita a políticas económicas, defendendo por exemplo o fim da iniciativa privada em todos os serviços estatais ligados à saúde e à terceira-idade, o encerramento das escolas privadas ou religiosas, a nacionalização de serviços essenciais como o da produção e distribuição de energia elétrica ou construção de estradas, e a redistribuição da colheita fiscal para favorecer as autarquias mais remotas ou com menores recursos.
Mas como é possível explicar que, num país com um eleitorado bem informado e culto, um partido consiga atingir uma dimensão tão grande, não obstante ter fortes conotações à extrema-direita? Esta dúvida é descrita pelos comentadores suecos como o paradoxo dos Democratas Suecos. Os estudos de opinião revelam que o eleitorado Democrata Sueco está longe de ser um cesto de deploráveis racistas e xenófobos. Cerca de 30% dos votantes transitaram diretamente dos trabalhistas e pró-comunistas; um em cada 3 são, eles próprios, estrangeiros; 2 em cada dez são eleitores preocupados com o aumento da insegurança em bairros suburbanos; 1 em cada dez são eurocéticos, defensores da saída da Suécia da União Europeia.
A constelação do apoio aos Democratas Suecos torna-se ainda mais complexa com o facto de 8 em cada dez votantes defenderem a continuação da concessão de asilo político a refugiados da ONU a par do reforço da ajuda financeira sueca a refugiados em palcos de guerra, e mais de metade estarem dispostos a aceitar militares nas ruas - se essa for a solução para repor a ordem e segurança em cidades como Estocolmo, Malmö ou Gotemburgo.
Mas o paradoxo dos Democratas Suecos explica-se, sobretudo, por o partido ter - na prática - conseguido abolir a divisão entre direita e esquerda e criado uma plataforma política que, para muitos eleitores, ou é credível, ou é desejável. Para os restantes, a plataforma é uma receita venenosa que, em si mesma, abala os pilares do sistema político tradicional. E a mensagem Democrata Sueca é de tal forma apelativa que nem os votantes captados à esquerda se afugentam com a retórica populista de direita, nem os votantes à direita se intimidam com a mensagem esquerdista de nacionalizações e estatizações.
Bloqueio político
Refugiados e insegurança foram os dois temas que dominaram por completo o debate político de toda a campanha eleitoral, cumprindo assim a profecia de Jimmie Åkesson, o líder dos Democratas Suecos, feita na noite eleitoral há 4 anos. A profecia tinha como motivo o bloqueio político de todos os outros partidos com assento parlamentar, montado para tentar isolar por completo os Democratas Suecos, na esperança de que sem debate o partido caísse no esquecimento.
O bloqueio resultou numa situação insólita e absurda, e sem paralelo numa democracia nórdica, e acabou por ser mal recebido por um número crescente de eleitores da direita à esquerda. A tentativa de abafar a questão vedou o pipo de uma panela incandescente, cuja pressão não parou de aumentar. O pipo saltou no início da campanha eleitoral, tendo o vapor dominado todo o espaço político disponível.
O fim de um modelo
A Suécia era, até final dos anos 70, um país com uma população homogénea nórdica. As necessidades de mão-de-obra da poderosa indústria de exportação do país foram durante anos suprimidas com imigração das vizinhas, e então mais pobres, Finlândia e Noruega.
A partir de 1980, a Suécia liberalizou as políticas de imigração, abrindo caminho para a entrada anual de dezenas de milhares de imigrantes e refugiados de países essencialmente não ocidentais. Inspirada pela linha da "terceira via" e pela filosofia política Social-Democrata de Olof Palme, a Suécia passou a ser vista e reconhecida internacionalmente como um país altamente tolerante e aberto a todos.
Com sensivelmente a mesma população que Portugal, o número de habitantes nascidos no estrangeiro (19%) ou de ascendência estrangeira (outros 5%) é hoje maior que em qualquer outro país da Europa Ocidental. A vastidão e impacto da comunidade estrangeira é visível em toda a Suécia e em todos os aspetos da sociedade e economia, desde as vilas provinciais às maiores cidades, desde as escolas às prisões.
Apesar das histórias de sucesso de estrangeiros serem numerosas e de uma clara maioria dos suecos considerar que a imigração é positiva para o país, o saldo político é negativo enquanto o número de estrangeiros que entram na Suécia superar a capacidade da sua absorção e integração na sociedade e economia. O que os Democratas Suecos conseguiram desta vez transmitir em voz alta é que, enquanto não houver condições para a Suécia resolver os problemas resultantes dessa falta de capacidade de integração, o país perdeu o controlo da situação.
Desafio em massa
A classe política sueca instalada tem tradicionalmente demonstrado relutância em admitir a existência de uma correlação entre problemas de integração social e imigração. Os estudos de opinião mostram que uma vasta maioria da população etnicamente sueca continua a demonstrar grande vontade de aceitação e integração da comunidade estrangeira. Mas os mesmos estudos revelam também que uma clara maioria dos suecos é da opinião que a experiência sueca de imigração em massa está a dar sinais crescentes de ter falhado em muitos aspetos fundamentais. A classe política instalada ou continua a argumentar o contrário, ou só relutantemente se pronuncia sobre o assunto.
No recente livro "Desafio em massa", sobre o impacto da imigração em larga escala, o macroeconomista sueco Tino Sanandaji - ele próprio refugiado curdo na Suécia -, explica que 4 décadas da política de portas abertas fazem da Suécia um caso interessante de estudo das consequências económicas, políticas e sociais de um afluxo demográfico em larga escala sobre um Estado rico e de bem-estar.
As mudanças do tecido demográfico refletem-se hoje em desafios marcados por sentimentos de exclusão económica, rebelião social, marginalização cultural e radicalização política. O que é novo, nesta panela de pressão com um pipo cada vez mais entupido, é o facto dos desafios serem também eles cada vez mais visíveis, tanto entre a comunidade estrangeira que se sente marginalizada ou discriminada, como entre a população sueca que se sente esquecida ou desfavorecida. Para Sanandaji, o que está em perigo é a própria democracia sueca.
Sanandaji recorre às estatísticas oficiais para descrever a complexidade das tensões que estão a levar muitos suecos a questionar a capacidade do Estado democrático resolver os problemas do país. Apesar de 24% da população sueca ser de origem estrangeira, ela bate recordes em algumas estatísticas. Soma 53% das penas de cadeia, 58% dos desempregados, 60% dos pagamentos dos subsídios de subsistência e 71% da pobreza infantil. Entre as pessoas condenadas em toda a Suécia, nos últimos 4 anos, a penas de cadeia por envolvimento em gangs criminosos, 76% eram estrangeiros desempregados, enquanto que 90% dos tiroteios de rua foram perpetrados por não-suecos.
Se na década de 80 a Suécia se podia orgulhar de ter uma das sociedades mais equilibradas e igualitárias do mundo, o fosso social entre ricos e pobres é hoje maior do que em qualquer outro país nórdico, com o surgimento de uma nova subclasse social em expansão.
As consequências socioeconómicas da imigração em massa também se manifestam de outras formas. Desde 1990, os estrangeiros somam metade dos novos casos de pobreza, mais de metade do abandono escolar pré-universitário, dois terços da subida em pagamentos de subsídios sociais e mais do dobro do número de novos desempregados. Simultaneamente, a percentagem de suecos (étnicos) baixou no mesmo período em todas estas categorias, contribuindo para o reforço da bipolarização social e económica ao longo de linhas étnicas, que é cada vez mais visível.
Perante este aumento de contrastes socioeconómicos entre suecos e não-suecos (entenda-se de origem étnica), a classe política não tem nem sabido encontrar respostas, nem aceitado admitir responsabilidades para os problemas que criaram. É esta atitude de aparente apatia que leva muitos eleitores a acusarem a atual classe política de arrogância por, em vez de debaterem o problema, terem durante demasiado tempo recusado mencioná-lo.
Malmö, a menina feia da Suécia
Apesar de todos os desafios atrás descritos, a Suécia continua a ser um país altamente industrializado, com uma das mais poderosas indústrias de exportação do mundo e um dos mais vastos Estados de bem-estar social à face do planeta. A pergunta que muitos suecos fazem é: até quando? Um número crescente de comentadores e políticos prefere hoje falar da insegurança, da violência contra mulheres de minorias étnicas, do desrespeito pela autoridade, ou da crescente desilusão com o sistema democrático.
Ao cabo de décadas de imigração em massa, a terceira maior cidade sueca, Malmö, é hoje um tubo de ensaio social prestes a partir. Com quase metade de população estrangeira, maioritariamente oriunda de países do terceiro mundo, Malmö é hoje marcada por índices de criminalidade e insegurança sem paralelo em qualquer outro país nórdico. Em mais de metade das freguesias da cidade, bombeiros e ambulâncias recusam-se a prestar assistência sem escolta policial e, à noite, nem a polícia está a salvo de ataques à pedrada.
Em 2017, meia centena de tiroteios em pleno dia nas ruas da cidade resultaram em 14 mortos e uma centena de feridos, muitos deles transeuntes inocentes. Os gangs criminosos e os grupos semi-mafiosos da cidade conseguem operar quase livremente, devido a represálias severas que silenciam testemunhas e que tornam quase impossível o trabalho das autoridades. Os repetidos cortes nos orçamentos da polícia feitos por sucessivos governos também têm a sua quota de responsabilidade na situação presente.
Pelo menos 9 autores de assassinatos nos últimos anos continuam à solta e com identidade desconhecida, dada a relutância, ou medo, da comunidade estrangeira da cidade em cooperar com as autoridades policiais.
O desrespeito pela autoridade e a revolta contra o Estado é sentido por professores e assistentes sociais, essencialmente sob a forma de ataques físicos ou ameaças verbais. Em comunidades habituadas nos países de origem a desconfiar de tudo o que é Estado, a ideia de respeito pelo trabalho da polícia, professores ou tribunais é, para muitos, difícil de assimilar - mesmo na Suécia.
Nos últimos 2 anos, 22% dos professores do ensino secundário e 25% dos assistentes sociais da cidade de Malmö renunciaram aos empregos ou exigiram ser recolocados noutras zonas da Suécia. Em muitas escolas, os pais descrevem a situação atual como "disfuncional", com turmas superlotadas, professores inexperientes, ausências em série e aulas frequentemente canceladas. Os serviços de apoio social assemelham-se, cada vez mais, a salas de visitas de prisões americanas, com vidros à prova de bala e intercomunicadores a separarem utentes e assistentes sociais.
O caso de Malmö não é único na Suécia. Em Gotemburgo, a segunda maior cidade do país, vários bairros dos arredores são atualmente classificados pela imprensa como zonas no-go, em que nem sequer a polícia está livre de ataques e onde grupos criminosos atuam largamente impunes devido à crescente incapacidade de intervenção dos serviços de segurança do Estado.
Um estudo da polícia sueca publicado em 2014 identificava a existência de 55 zonas no-go em toda a Suécia. No livro de Tino Sanandaji, o número identificado de zonas no-go tinha subido, no ano passado, para 156 em 22 cidades do país. À semelhança de Malmö, Gotemburgo vive atualmente os desafios dos bairros operários localizados nos arredores, caracterizados por rendimentos muito inferiores à média nacional, a par de criminalidade, segregação étnica e colapso dos tradicionais serviços estatais. Apenas 40% dos filhos de pais estrangeiros concluíram em 2017 o décimo ano de escolaridade na cidade. Só durante o passado mês de agosto, mais de 150 viaturas foram incendiadas por jovens em bairros de minorias étnicas dos arredores.
A incapacidade de intervenção e reação do Estado aos desafios dos subúrbios de minorias étnicas abala, por si só, a crença nas instituições democráticas. Mais de 90% dos jovens suecos afirmam prezar os valores democráticos, mas quase metade acreditam que a democracia corre perigo. E não estão sós. Numa recente sondagem para o programa da televisão estatal sueca Uppdrag Granskning ("Tarefa de Investigação", conduzido por Jan Scherman, um dos jornalistas de investigação mais conhecidos da Suécia), 41% dos deputados suecos concordaram que há sinais claros de uma democracia em perigo, em resultado de quatro fatores principais: descrédito na classe política, poder crescente de influências ocultas sobre os processos de decisão parlamentares, a ameaça neonazi contra governantes, e a incapacidade dos deputados executarem o mandato para que foram eleitos por sobrecarga de tarefas burocráticas. Alguns deputados falam mesmo no risco de um regime autocrático ou ditadura, caso a população deixe de acreditar na capacidade dos políticos atuais conseguirem resolver (no quadro das instituições democráticas existentes) os problemas em que o país está a mergulhar.
O resultado das eleições suecas é, acima de tudo, o reflexo de uma sociedade em rápida transformação, onde o discurso político mudou radicalmente de caráter. De partido isolado e marginalizado por todos nos últimos 4 anos, os Democratas Suecos irão provavelmente ser a chave da governação do país para os próximos 4. Os analistas tentam apressadamente encontrar explicações racionais para o terramoto eleitoral de 2018, mas são uníssonos em considerarem que boa parte da resposta reside num facto tão simples quanto complexo: nas últimas décadas, todos os partidos estabelecidos contribuíram para um processo em que se deixou de governar para se passar a administrar um Estado de bem-estar, e em que a prioridade se deslocou das pessoas para o dinheiro. O resultado foi o lento mas continuado sacrifício de toda a espécie de serviços públicos, justificado sempre com a necessidade da redução de custos.
Com um número crescente de jovens sem emprego, de estrangeiros alienados, de bairros sem segurança, e de idosos com cada vez menos cuidados gratuitos, o apelo dos Democratas Suecos corre o risco de se tornar quase irresistível.