Testes nucleares britânicos na Guerra Fria: participantes expostos a radiação vão ser medalhados
Os ensaios duraram 14 anos e terão provocado doenças irreversíveis em milhares de pessoas. A partir de Inglaterra e de países da Commonwealth, militares e civis deslocaram-se para o Oceano Pacífico em nome do aperfeiçoamento de uma arma, a nuclear. A Guerra Fria estava mais quente do que nunca.
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3 de outubro de 1952. Ilhas Montebello. Costa da Austrália. Foi a data, o local, e o país que ficaram para a história. A primeira bomba nuclear britânica era testada com sucesso na chamada Operação Furacão. Lançada pelo navio HMS Plym, o engenho explodiu em alto mar, tendo atingido os seis metros de profundidade e os 300 metros de diâmetro.
O Reino Unido tornava-se na terceira potência nuclear do mundo, num tempo de Guerra Fria, em que correr em direção ao armamento era estratégico para intimidar a União Soviética. Foi o primeiro dos 45 testes que decorreram até 1966.
Durante 14 anos, participaram nesses ensaios, em todo o Oceano Pacífico, milhares de pessoas: militares, civis, cientistas e trabalhadores, não só do Reino Unido como de países da CommonWealth. O governo britânico indica que são cerca de 22 mil. 70 anos depois do primeiro teste, vão, já a partir do próximo ano, receber a medalha do teste nuclear.
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O anúncio foi feito pelo primeiro-ministro do país, numa cerimónia comemorativa no National Memorial Arboretum, um bosque no centro de Inglaterra criado para homenagear veteranos de guerra. Foi lá que Rishi Sunak disse estar "muito satisfeito por anunciar que a sua majestade, o rei, decidiu reconhecer" o serviço prestado nos testes nucleares.
Nesta cerimónia, perante veteranos de guerra, antigos familiares e dirigentes das Forças Armadas, o chefe do governo inglês anunciou a criação de um fundo para "lembrar e apoiar os veteranos que participaram nos testes".
Muitas das medalhas vão ser atribuídas a título póstumo e pode ser o início de um reconhecimento há muito reclamado por associações de sobreviventes. Alegam que os civis e militares foram expostos, de propósito, à radiação para ver como os corpos reagiam. O resultado: graves problemas de saúde, como cancro, e até doenças degenerativas para os filhos. Foram vários os estudos que investigaram estes casos, mas sem conclusões concretas. O governo britânico nunca os reconheceu, até esta segunda-feira.
Foi, por isso, com otimismo que o fundador da Labrats International Charity, uma das associações de sobreviventes, ouviu as palavras de Rishi Sunak. Em declarações à BBC, Alan Owen falou num "dia emocionante". O seu pai, James, participou no teste nuclear na Ilha Natal em 1962, quando tinha 21 anos. Morreu com problemas cardíacos aos 52 anos em 1994. Desde então, Alan tem feito campanha para que os veteranos fossem homenageados pelos seus serviços.
A Legião Real Britânica, organização que apoia veteranos, saudou a criação desta medalha e o reconhecimento daqueles que participaram, mas exortou o executivo a "fazer mais" e a facilitar o acesso a indemnizações.
"Muitos daqueles que serviram durante este programa ainda vivem hoje com as sequelas na saúde e mais deve ser feito para apoiá-los e às famílias", reagiu a organização em comunicado.