Torturas, confissões forçadas e detenção de menores. A realidade dos 37 executados pela Arábia Saudita
Riade garante que a Justiça foi cumprida, mas documentos agora revelados mostram que, para a maior parte dos homens executados esta semana, isso não aconteceu. Quase todos alegaram tortura e três eram menores aquando da detenção.
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Logo após as execuções, foi denunciado que um dos homens tinha 17 anos quando foi detido. Mujtaba al-Sweikat foi preso no aeroporto quando se preparava para embarcar para os Estados Unidos a caminho da Universidade do Michigan, onde tinha sido aceite. Foi detido em 2012 por ter participado, um ano antes, nas manifestações contra o regime que aconteceram por altura da primavera árabe.
Agora a CNN teve acesso às transcrições dos julgamentos que envolveram 25 dos executados e descobriu que, ao contrário do que garantiram as autoridades de Riade, grande parte dos homens disse ter feito confissões forçadas. A maioria das confissões foram assinadas apenas com impressões digitais. A maioria das confissões foram assinadas apenas com impressões digitais. Já depois de condenados apelaram aos tribunais na tentativa de salvarem as vidas.
Muitos garantiram ser totalmente inocentes, que as confissões tinham sido escritas pelas mesmas pessoas que os torturaram, e que podiam apresentar provas dos abusos a que tinham sido sujeitos. Um deles chegou mesmo a afirmar lealdade ao rei Salman e ao filho, Mohammed Bin Salman, na esperança de ver a sentença comutada.
As alegações apresentadas nos tribunais não convenceram os juízes que os condenaram à morte por crimes relacionados com terrorismo. Na altura, a Amnistia Internacional repudiou a condenação de três dos homens, que eram menores de idade quando foram detidos. No ano passado, as Nações Unidas pediram esclarecimentos sobre as alegações de que os condenados tinham confessado os crimes depois de torturados. As autoridades sauditas negaram todas as críticas garantindo que em tribunal os acusados tinham mantido as confissões. A CNN diz agora ter provas de que isso não é verdade.
Grande parte dos executados pertencia à minoria xiita, que há muito protesta e denuncia a discriminação politica e económica de que é alvo. Alguns casos aconteceram em Awamiya, uma cidade praticamente destruída em 2017 pelas forças governamentais que garantiam estar a combater terroristas xiitas.
Um dos processos que envolveu 24 homens, levou à execução de 14 esta semana. As confissões, atribuídas aos condenados, mostram um cenário onde jovens ativistas organizaram motins, divulgaram propaganda anti-governamental, e envolveram-se em relações sexuais uns com os outros.
De acordo com uma confissão apresentada ao tribunal, um dos homens admitiu ter mantido relações sexuais com quatro dos outros acusados. A homossexualidade é ilegal na Arábia Saudita, que adere a uma interpretação estrita da Sharia. "Ele disse que fez tudo isso porque é xiita e porque é contra os sunitas, e por causa do ódio que tem pelo Estado e pelas forças de segurança", afirmou a acusação. O homem, que a CNN não identificou, negou as acusações e o advogado disse que o interrogador "inventou" a confissão.
Munir Al Adam
Munir al-Adam tinha 27 anos quando foi executado. Era parcialmente cego e surdo. Garantiu várias vezes em tribunal que não tinha feito qualquer confissão. "Essas palavras não são minhas", pode ler-se nas transcrições a que a cadeia de televisão norte-americana teve acesso. "Não escrevi essa carta. Essa difamação foi escrita pelo homem que me interrogou."
Várias organizações de defesa dos Direitos Humanos denunciaram que Munir foi detido a 8 de abril de 2012 num controlo policial em Awamiya. Foi acusado de ter participado em manifestações pró democracia e levado para uma esquadra da polícia. Aí foi espancado na sola dos pés com tal violência que ficou incapaz de andar durante dias. Duas semanas depois, foi transferido para a Direção Geral de Investigação em al-Dammam e colocado em isolamento.
Nos meses seguintes foi torturado. Os agentes partiram-lhe os dedos das mãos e dos pés, espancaram-no na cabeça, e só o levaram ao hospital quatro meses e meio depois. Foi-lhe recusado o acesso a qualquer advogado. Em junho de 2016, Munir foi condenado à morte. Apesar das petições internacionais e de todos os apelos, a sentença não foi comutada e ele foi executado.
Ali al Nimr
Este ativista dos Direitos Humanos tinha 17 anos quando foi detido, e 18 quando foi condenado à morte. O direito internacional proíbe o uso da pena de morte contra menores de 18 anos no momento do crime.
Em 2011, Ali participou nas manifestações pró democracia. O pai contou que o filho foi detido pela policia secreta, que o atropelou com o carro. Foi hospitalizado com várias fraturas e nunca mais regressou a casa. Ali foi acusado de ter organizado protestos violentos e de ter uma arma.
O jovem era sobrinho do sheik Nimr Baqr al-Nimr, um líder religioso xiita na cidade de Awamiya, que foi executado em 2016. A família acredita que este facto facilitou a detenção de Ali.
Durante o julgamento, denunciou ter sido torturado e que só por causa disso assinara a confissão - a única prova apresentada contra ele. Apesar disso, os juízes condenaram-no à "morte por crucificação", o que na Arábia Saudita envolve decapitação e exibição pública do corpo.
O julgamento de Al-Nimr foi considerado injusto pelas Nações Unidas e pela Amnistia Internacional que pediram a suspensão da execução. Também o então Presidente francês, François Hollande, e o ex-primeiro-ministro, Manuel Valls, apelaram à realização de um julgamento justo. No primeiro discurso como líder trabalhista, Jeremy Corbyn pediu a David Cameron para interceder junto do regime saudita.
O último recurso, apresentado pelo detido, foi analisado em segredo pela Justiça saudita e foi recusado.
Mujtaba al-Sweikat
Tinha também 17 anos quando foi detido. Foi o pai que o representou em tribunal. Segundo a CNN, Nader al-Sweikat garantiu que apenas alguns dos 24 homens que estavam a ser julgados tinham praticado crimes verdadeiros, e que esse não era o caso do filho.
Os documentos oficiais dizem que Mujtaba confessou ter atirado cocktails Molotov contra as forças de segurança, e admitiu também ter mantido um grupo de conversação na internet onde ajudou a organizar os protestos. O pai disse, no entanto, que ele esteve apenas duas vezes nas manifestações e por pouco mais de cinco minutos. Como advogado de defesa, tentou chamar a atenção para o percurso académico do jovem, que terminou os exames com uma pontuação média de 94%, conseguindo a entrada numa universidade americana.
Nader al-Sweikat denunciou ainda a tortura física e psicológica a que o filho foi submetido. "Quem fez o interrogatório ditou-lhe a confissão e disse que se ele a assinasse, a tortura acabava. Ele assinou."
Abdulkareem al-Hawaj
Era o mais jovem dos 37 homens executados esta semana. Tinha 16 anos quando foi preso em 2014. Nos meses seguintes esteve desaparecido. As organizações de defesa dos Direitos Humanos acreditam que ele esteve na solitária e foi torturado até confessar uma série de crimes relacionados com terrorismo.
Conhecidas as execuções na terça-feira, uma das responsáveis da Amnistia Internacional, Lynn Maalouf, afirmou que "o uso da pena de morte é sempre terrível, mas é ainda mais chocante quando é aplicada depois de julgamentos injustos ou contra pessoas com menos de 18 anos no momento do crime, uma flagrante violação da lei internacional".
Até agora nenhuma das famílias dos executados fez qualquer comentário, mas sabe-se que não foram informadas antes de aplicada a pena de morte.
Noutros processos judiciais, os contactos das famílias com jornalistas estrangeiros foram usadas como provas pela acusação.
A execução dos 37 homens foi a segunda maior a acontecer apenas num dia. A maior de todas teve lugar em 2016. Num só dia, foram mortos 47 condenados, entre eles o sheik Nimr Baqr al-Nimr.