Trabalhava sete dias por semana e dormia numa despensa. Quando ficou com cancro, foi despedida
O Dia Internacional da Mulher também se faz de histórias como estas. Baby Jane, uma empregada doméstica imigrante, foi despedida pelos seus patrões depois de descobrir que estava doente. Em risco de vida, perdeu o direito ao visto de trabalho e aos cuidados de saúde.
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Quando se mudou para Hong Kong, há dois anos, Baby Jane Teodoro Allas não imaginava que iria receber uma "sentença de morte".
Imigrante filipina, de 38 anos, foi à procura de uma vida melhor, de uma forma de conseguir sustentar os filhos. Encontrou trabalho como empregada doméstica interna.
As condições eram longe de ser as ideais. Recebia o salário mínimo legal 4.520 dólares de Hong Kong (cerca de 511 euros) - o salário médio em Hong Kong é de 16.800 dólares (1.900 euros, aproximadamente). Em vez de uma pensão alimentar, recebia os restos das refeições da família para quem trabalhava. Tinha direito a uma folga semanal, mas esta nunca era respeitada. E, embora a lei de Hong Kong estabeleça que as trabalhadoras domésticas que vivem em casa dos empregadores têm de ter "acomodação adequada" (uma expressão que fica sujeita às mais diversas interpretações e, consequentemente, a abusos), Baby Jane dormia numa despensa.
"À noite, tinha de tirar os pacotes de arroz de lá de dentro, para poder deitar-me", conta.
Mas o pior ainda estava por chegar. Há cerca de três meses, Baby Jane descobriu que estava doente. Tinha cancro do colo do útero.
Precisava de tratamento urgente para sobreviver, e teve de meter baixa médica.
Dias depois, recebeu uma carta dos seus patrões. Despediram-na. Estando doente, deixara de ter qualquer utilidade.
«Dadas as suas condições de saúde, não podemos continuar a dar-lhe trabalho. Desejo-lhe boa saúde", lê-se na carta que a mulher filipina recebeu.
Deixando de ter emprego, perdeu o direito ao visto de trabalho que lhe permitia permanecer em Hong Kong - e, com ele, o acesso ao sistema de saúde público. Agora, vê-se a braços com uma conta de cerca de um milhão de dólares de Hong Kong (cerca de 113 mil euros), pelos três meses de quimioterapia e radioterapia e pela cirurgia de que necessita.
Se regressasse ao seu país, teria de ficar em lista de espera no hospital, correndo o risco de morrer antes de chegar a ter qualquer tratamento.
O caso é exposto pela CNN, que detalha a história desta trabalhadora imigrante em Hong Kong.
Embora seja ilegal despedir trabalhadores que estão de baixa médica, as ONGs locais dizem que a situação é comum.
A maioria das trabalhadoras não consegue tomar qualquer ação legal contra os empregadores, uma vez que para fazê-lo têm de permanecer no país e, sem visto de trabalho, são obrigadas a deixar Hong Kong no prazo de duas semanas.
Baby Jane é a exceção. Com ajuda, conseguiu um advogado oficioso e agora está a levar os seus antigos patrões a tribunal. O seu visto foi alargado, enquanto o processo judicial está pendente.
Em Hong Kong, há cerca de 385 mil trabalhadoras domésticas imigrantes, vindas maioritariamente das Filipinas, Malásia e Indonésia. Contribuem com 3,6% para o PIB local, de acordo com um relatório da Enrich HK, uma associação que apoia estas trabalhadoras.
As empregadas domésticas são essenciais para que a população de Hong Kong trabalhe fora de casa - lá 78% da população é ativa (em Portugal, não chega aos 50%).
"Nós cuidamos dos filhos destas mulheres, mas temos de deixar os nossos filhos, no nosso país, ao cuidado dos nossos pais", recorda a irmã de Baby Jane, também ela empregada doméstica imigrante. "Tudo o que pedimos é que nos tratem bem. Só isso."
Artigo atualizado às 12h15