Os protestos desencadeados pela morte da jovem curda Mahsa Amini entraram já na oitava semana. Nunca antes um movimento de contestação tinha durado tanto tempo. Três iranianas tentam explicar o que é diferente desta vez.
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Desespero, união e coragem. São estes alguns dos ingredientes que fazem desta luta por mais direitos um movimento difícil de derrubar. Apesar dos avisos, das detenções e das mortes, a população não para de sair à rua.
Azadeh Pourzand, diretora e cofundadora da Fundação Siamak Pourzand, que luta pelos direitos humanos no Irão, e investigadora na área dos direitos das mulheres, acredita que a geração Z, que lidera os protestos, é diferente das outras e as circunstâncias tornaram-na disposta a tudo.
Num debate organizado pela Faculdade de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres, defendeu que as crises climática e socioeconómica que o país atravessa e o isolamento dos iranianos em relação ao mundo colocou-os num ponto em que não vêm razões para viverem: "Eles precisam de liberdade e precisam dela agora mesmo que para isso tenham de morrer."
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Annabelle Sreberny concorda com a ideia de que a geração Z está desesperada. A professa emérita da Universidade de Londres e investigadora da história, cultura e politica do Irão, acredita também que os jovens são extraordinariamente resilientes e, por isso, estão a dificultar a tarefa das autoridades.
"O regime é muito violento, mas ainda não conseguiu esmagar os protestos e de alguma forma não tentou tudo porque tem pela frente mulheres. Mulheres que eles colocaram no centro da retórica sobre castidade, honra e valores familiares. Como podem matar tantas mulheres? São 50% da população. Um dos slogans gritados é: 'Por cada uma que morre, uma centena vai tomar esse lugar'. Isso mostra um enorme compromisso."
Negin Shiraghaei não concorda que a geração que está na rua o faça só por desespero. A ativista e antiga jornalista do serviço persa da BBC diz que vê nos manifestantes a capacidade para sonharem, algo que as gerações anteriores já não conseguiam fazer: "A nossa geração estava desiludida com as mudanças. Nunca pensámos que seria possível mudar o sistema e é por isso que muitos de nós saíram do país. Esta geração, no entanto, ainda sonha. Os sonhos deles não foram esmagados e eles querem atuar antes que isso aconteça."
Em protestos anteriores, como por exemplo em 2009 e 2019, a população estava dividida. Se eram os mais desfavorecidos que se manifestavam, os mais ricos ficavam em casa, mas desta vez o movimento é transversal a todos os estratos sociais e a todas as etnias. Azadeh Pourzand defende que todos estão unidos e isso tem ajudado ao sucesso. Ela diz que a República Islâmica tem um governo que divide para reinar.
"Sempre assustou as pessoas com a possibilidade de o país desaparecer se cada etnia lutasse pelos seus direitos. Neste momento as pessoas estão a lutar pelos direitos uma das outras. Em Teerão canta-se a favor do Balushistão, os balushis cantam pelos curdos e o Curdistão apoia o sul. Isto representa uma séria ameaça estratégia da república islâmica."
Annabelle Sreberny, a mais velha que participou no debate, viveu a revolução de 1979 e acredita que os jovens de hoje podem concretizar os sonhos dos pais e avós. "De alguma forma, 2022 pode ser o culminar de algumas das esperanças de 1979. Poderá haver divisões entre os militares, a polícia e os guardas revolucionários? Possivelmente. Os membros do regime têm filhos e netos nas ruas. Este é um movimento de crianças e famílias com 50% da população a liderar. É muito difícil massacrá-los a todos."
A professora emérita da Universidade de Londres pensa que a revolução de 1979, em que depositou muitas esperanças, foi sequestrada por um grupo religioso e apesar de não conseguir prever como vão terminar os protestos, que começaram em setembro, tem esperança de que sejam bem-sucedidos.