"Trump? Estamos atentos e a ouvir. Precisamos de compreender, não me apresso a tirar conclusões"

D.R.
A primeira grande entrevista de Kata Tutto, a nova presidente do Comité Europeu das Regiões, a húngara do partido de centro-esquerda que governa a câmara de Budapeste. É sucessora do português Vasco Cordeiro. "Se as regiões e as cidades forem deixadas de fora da política de coesão, esta não cumprirá o seu objetivo".
Presidente Kata Tutto, muito obrigado por estar n'O Estado do Sítio da TSF. Quais são as principais prioridades do seu mandato como presidente do Comité das Regiões?
Hoje sentimos realmente que o mundo que conhecemos está, parece, a desmoronar-se. As coisas estão a passar da ordem à desordem. Por isso, o nosso papel enquanto municípios e regiões, porque o Comité das Regiões é composto por muitas pessoas, muitos líderes de toda a Europa, presidentes de regiões, autarcas; o nosso papel é sermos uma espécie de estabilizadores nesta transição, em tempos de incerteza. Como é que fazemos isso? Como é que estabilizamos? Trazemos políticas muito complexas, muito distantes, políticas europeias, trazemo-las para casa e tornamo-las reais.
Ligamo-nos uns aos outros, apoiamo-nos uns aos outros, partilhamos experiências. E com isso também reforçamos o tecido e que é feita a União Europeia. Trazemos também o nosso senso comum, as nossas experiências e a dor dos nossos territórios para a tomada de decisões. É isto que fazemos e este é o nosso dever mais importante. Muito bem, qual é a primeira prioridade? É a política de coesão. A União Europeia está a preparar um novo orçamento para sete anos. Temos muitos desafios, muitas prioridades. A segurança é a questão número um, todos concordamos com isso. Mas a segurança tem muitas dimensões. E não se trata apenas da segurança das nossas fronteiras, mas também da segurança do ar puro, de cidades seguras, de ter um lar seguro, água potável, ar puro, alimentos. Portanto, tem muitas dimensões. A política de coesão é um dos instrumentos mais importantes da União Europeia. Foi concebida como um estabilizador para trazer estabilidade entre as coesões, trazer coesão social, trazer coesão económica. Por isso, nos próximos meses, no próximo ano, haverá uma forte negociação sobre a forma como a política de coesão deve funcionar. E nós, cidades e regiões de toda a Europa, teremos uma palavra a dizer, porque a política de coesão não pode ser demasiado centralizada, não pode ser demasiado regulamentada, porque então torna-se muito rígida. E quando é rígida, é incapaz de sentir o seu objetivo, de ajudar a adaptar esta transformação, esta mudança constante.
Impedir a centralização da política de coesão seria a prioridade número um, como foi com Vasco Cordeiro, o seu antecessor?
Claro que sim, porque o Vasco começou uma tarefa muito importante. Porque, como sabe, isto é uma continuidade. Ele começou a preparar estas negociações para a política de coesão. E tudo vai acontecer nos próximos seis meses, sete meses. Portanto, vamos continuar o trabalho que o Vasco Cordeiro iniciou.Vamos continuar. E vamos formar uma aliança poderosa, não só entre os presidentes de câmara do comité das regiões, mas com líderes de toda a Europa. Para tornar este instrumento, um instrumento estabilizador muito importante, a política de coesão, flexível e inovadora e viva, mantendo-a viva.
Mas, aparentemente, a Comissão Europeia e a Presidente von der Leyen querem reestruturar o orçamento da UE de acordo com o modelo do fundo de recuperação, o que significará planos nacionais geridos centralmente pelos governos dos Estados-Membros. Os representantes locais e regionais opõem-se a isso?
É o início de uma negociação ou talvez a continuação de uma negociação. Mas nós estamos lá, não somos impotentes. Temos, esperamos, o antigo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, agora presidente do Conselho Europeu, uma posição muito importante e muito poderosa, António Costa, que compreende o papel das cidades e das regiões. E temos também, e essa é a nossa tarefa muito importante, autarcas, presidentes de câmaras de capitais, governadores de regiões, para que o maior número possível de governos compreenda e esteja do nosso lado nesta negociação. Portanto, sim, é isto que estamos a fazer. Avançamos passo a passo. Claro que nada pode ser como era, nós sabemos, porque tudo está a mudar. O mundo inteiro está a mudar, isso é uma constante. Claro que a política de coesão tem de ser recalibrada. Mas se as regiões e as cidades, onde estão as nossas perspectivas, as nossas realidades, a nossa capacidade de inovação, forem deixadas de fora da política de coesão, isso significará que esta não cumprirá o seu objetivo. Por isso, queremos melhorá-la.
Então o maior receio é que as comunidades locais não sejam ouvidas?
Sim, porque, sabe, à distância, não se compreende realmente a dor que está a acontecer a nível local. Somos muito diferentes. Claro que isto é válido para tudo. É preciso encontrar um equilíbrio, um equilíbrio entre regulação e desregulação, flexibilidade e estabilidade. Claro que não é uma coisa unilateral. Agora estamos a negociar, a encontrar um novo equilíbrio. Mas queremos ser actores fortes, presidentes de câmara, líderes de regiões, nesta matéria. Por isso, não acontecerá sem nós. Não se trata de um jogo de poder. Queremos ter uma política de coesão e queremos que seja uma política de coesão bem sucedida.
Mas está preparada para ter de dizer aos seus colegas, aos representantes locais e regionais, que terão menos orçamento para questões sociais devido a um maior compromisso com a defesa e a segurança na União Europeia?
Olhe, eu estive na política local e na política durante mais de duas décadas. E compreendo muito bem que a liderança não consiste em dar sempre mais dinheiro a tudo. A parte mais difícil de uma liderança é quando temos de decidir o que cortar, uma artéria ou uma veia das nossas mãos. Há que tomar decisões difíceis. Mas temos de tomar decisões difíceis para que as nossas comunidades sobrevivam. Mas talvez tenhamos perspectivas diferentes, uma compreensão diferente do corpo, ao falarmos da nossa União Europeia, de qual o sacrifício que vale a pena e qual o que vai matar o corpo. É aqui que trazemos as nossas diferentes perspectivas, a perspetiva local e regional, para a negociação, que parece estar agora dominada pelas perspectivas nacionais e europeias. Não se trata de uma ou de outra. Temos de encontrar um novo equilíbrio.
Disse que o mundo está a mudar muito e é fácil admitir que a Europa enfrenta ameaças geoestratégicas. Há pouco tempo falou de uma abordagem holística da segurança, se não me engano…
Sim.
Mas mesmo tendo isso em mente, não devemos negligenciar o facto de que a tónica será muito provavelmente colocada nas despesas militares...
Claro, mas isso impede o salto na tecnologia e na inteligência artificial? Será que isso o impede? Será que uma guerra no nosso território impede o salto que está a acontecer e que ameaça a humanidade? Não o impede. Uma guerra nas nossas fronteiras, no nosso continente, impede as alterações climáticas? Não as detém. Por isso, não se pode fazer apenas uma coisa. Como mãe, sabemos sempre que temos vários filhos. Não nos podemos concentrar apenas num. É preciso manter toda a família unida e viva. Ninguém disse que é uma tarefa fácil. Ninguém disse que há uma receita fácil para o fazer. Nunca ninguém esteve neste rio antes. É um rio novo. Já vimos coisas semelhantes no passado da humanidade, mas não com esta velocidade, não com esta complexidade. Temos de fazer o nosso melhor. Digo sempre que somos optimistas. Eu sou um otimista. Por isso, temos de fazer tudo para mudar o nosso futuro para melhor. Na nossa perspetiva, como vemos o que vemos melhor.
Seguindo a tradição entre o S&D - Socialistas e Democratas e o PPE – Partido Popular Europeu, tanto quanto percebi, a Kata Tutto vai alternar com Moreno Bonilla, o presidente da Andaluzia, a meio do mandato desta legislatura, daqui até 2030, correto?
Sim.
Isso significa que pode haver uma mudança de política do Comité das Regiões a meio do mandato?
Não, porque com Juan Manuel Moreno Bonilla, concordámos em abordar esta questão como um tandem. Uma cooperação muito estreita. Estamos e vamos trabalhar juntos cinco anos, desde o primeiro dia até ao último dia. Ele é governador de uma região. Eu sou de uma capital. Temos diferentes perspectivas, diferentes países, diferentes regiões, diferentes experiências, homem, mulher. Vamos fazer isto juntos. E fazemo-lo juntos desde o primeiro dia até ao final do mandato.
Kata Tutto, como é que Budapeste e a Hungria estão a lidar com os novos desafios colocados por uma nova administração Trump?
Estamos atentos. Estamos a ouvir. E precisamos de compreender o que está a acontecer. Não me estou a apressar a tirar conclusões. Não estou. Mas temos de nos concentrar. Todos os Estados-Membros, todas as cidades, nos nossos projectos europeus. Voltando ao terreno, estabilizar, reforçar a coesão no seio da nossa família europeia. É nisto que nos concentramos. Estamos a ouvir. E vamos perceber o que se está a passar.
Mas, uma vez que fazem fronteira com essa região, um acordo de paz para a guerra na Ucrânia será algo muito... Em primeiro lugar, para os ucranianos, mas também será positivo para os húngaros e para a região, certo?
Ninguém quer a guerra. Ninguém que tenha sanidade quer a guerra, porque isso só traz sofrimento, nada mais. Toda a gente quer a paz. Por isso, se a paz está a chegar e toda a gente está feliz, então nós estaremos felizes. Mas vejamos. Desde o primeiro dia, todos os países europeus estiveram a trabalhar para a paz. Não alimentando os conflitos, mas limitando-os. É esse o nosso dever. Sou cuidadosa. Estou a ver e a ouvir o que está a acontecer.
