TSF em Israel. Abraham, o pasteleiro chamado para recolher corpos que nem se permite pensar: "Só trabalho"
Corpo do artigo
Abraham é pasteleiro, mas por estes dias a vida não lhe tem sido doce. Com 28 anos, foi mobilizado da reserva há duas semanas para ajudar as forças militares israelitas a recolher corpos nas localidades que foram atacadas junto à fronteira com Gaza.
Ainda há mais de 300 pessoas internadas e quase 50 em estado grave nos hospitais de Israel e, entre os mortos, há corpos por identificar. Com poucas palavras, Abraham descreve o que viu até agora como "terrível" e "uma loucura".
"Não é nada normal, a cada cena com que nos deparamos vemos como foram violentos, como chacinaram crianças e bebés", lamenta. E garante que "não é exagero nenhum. Vimos tudo, ficámos responsáveis por ir buscar os corpos".
Abraham é um de entre os muitos mobilizados por Israel para este momento de conflito. A chamada foi tão abrangente que, pelas ruas de Jerusalém, não é raro ver-se jovens de calções e chinelo com armas a tiracolo.
O pasteleiro que agora é soldado está perto da fronteira com a faixa de Gaza. Conta que já provou pastéis de nata portugueses, mas em Israel, e em jeito de aviso até comenta que os israelitas, como os chineses, são bons a "adotar" - e diz adotar, não copiar - algumas receitas.
Só que por estes dias não é a pastelaria o que lhe vai pela cabeça. Na verdade, nada lhe vai pela cabeça e o futuro nem sequer é uma questão.
"Nós ainda nem saímos daqui", comenta, "e há tanta coisa a que ainda não chegámos. Há duas semanas que encontramos mais e mais e mais corpos".
O futuro, uma vez mais, e em especial o longínquo, não é mesmo uma questão. Quando acabar o trabalho para que o chamaram "talvez tenha tempo para pensar nisso".
Talvez. Como todos os outros enlutados neste conflito, Abraham não se permite sentir nem pensar. "Por agora, só trabalho."