“UE arrisca-se perder a batalha contra o crime se não acelerar a cooperação entre Estados”
Ana Pedro considera “urgente” que a UE dê “passos concretos” na Estratégia Europeia de Segurança Interna
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A eurodeputada Ana Miguel Pedro (CDS) afirma que a Segurança Interna tornou-se “o alicerce político da integração europeia”, equiparável à moeda única ou ao mercado interno. Ana Pedro alerta que se os Estados-membros não acelerarem a cooperação entre autoridades, a União Europeia corre o risco de perder a batalha contra o crime organizado e o terrorismo.
Em entrevista ao programa da TSF Fontes Europeias, a deputada refere que “o projeto europeu já não é medido apenas pela moeda comum, pelo mercado único, mas também pela capacidade da Europa em proteger os seus cidadãos e defender as instituições, assegurando a resiliência dos sistemas vitais”.
Ana Pedro considera “urgente” que a UE dê “passos concretos” na Estratégia Europeia de Segurança Interna, ProtectEU, apresentada este ano pela Comissão Europeia. O plano de Bruxelas prevê mecanismos reforçados de cooperação policial e judicial, combate ao cibercrime e maior coordenação na proteção de infraestruturas críticas. Para Ana Pedro, esta estratégia representa “a última oportunidade de proteger a Europa” contra riscos cada vez mais transnacionais.
Uma Europa segura é a condição base para proteger a nossa liberdade, salvaguardar a justiça e também para proteger o nosso modo de vida
A eurodeputada considera que “a segurança interna europeia tornou-se hoje o alicerce político da integração”. Sublinha também que o debate sobre segurança na União Europeia já não é um tema distante, mas parte do quotidiano das pessoas.
As ameaças já não têm fronteiras, são cada vez mais rápidas, cada vez mais inteligentes, interligadas. Estamos a lidar com uma combinação explosiva entre crime organizado, terrorismo e ameaças híbridas. Enquanto discutimos estratégias, os criminosos não perdem tempo com burocracias para atravessar fronteiras
A eurodeputada reconhece, contudo, que têm sido feitos progressos nas políticas de segurança, salientando, como exemplo, a crescente interoperabilidade entre os diferentes sistemas de informação da União Europeia. A eurodeputada afirma que se trata de “uma evolução” que permite um acesso integrado e o cruzamento de dados que anteriormente estavam dispersos em plataformas isoladas, como o Sistema de Informação Schengen, a base europeia de impressões digitais ou o sistema comum de vistos.
“Até há poucos anos, estes sistemas funcionavam em ilhas, sem ligação. Isso permitia que criminosos circulassem com múltiplas identidades e explorassem falhas burocráticas. Hoje, os guardas de fronteira e as polícias podem ter uma visão integrada e fiável sobre quem entra e circula no espaço europeu”, exemplifica.
Outro instrumento referido pela eurodeputada prende-se com o regulamento sobre provas eletrónicas, que pretende dar resposta ao facto de 85% das investigações criminais dependerem de dados digitais. “As autoridades precisam de ter a informação necessária para combater o crime e é para isso que trabalhamos no Parlamento Europeu”, diz.
No entanto, salienta que “o esforço está longe de estar concluído”, alertando que “se as redes criminosas continuarem a partilhar informação de forma mais rápida e eficaz do que nós, a Europa terá perdido esta batalha muito antes de começar”.
Portos e Brasil na linha da frente
A deputada alerta para novos focos de vulnerabilidade, como os portos europeus, considerando que se trata de “exemplos particularmente sensíveis” ligados “ao crime organizado e ao tráfico de drogas”.
Só entre 2019 e 2024 foram apreendidas cerca de 1800 toneladas de drogas em portos ou em trânsito para portos da União Europeia, o que mostra que existe um problema real
Ana Pedro destaca igualmente a importância de acordos internacionais para travar redes transnacionais, como o estabelecido entre a Europol e a Polícia Federal do Brasil, visto tratar-se do país que “é hoje uma das principais portas de saída da cocaína para o nosso continente, mas não é só droga”.
“Estas redes estão ligadas ao tráfico de pessoas, ao branqueamento de capitais e ao cibercrime. Se não trabalharmos em conjunto com as autoridades brasileiras, estas redes fortalecem-se e entram na Europa com mais poder”, frisou.
A eurodeputada aponta Portugal como um ponto de entrada privilegiado para a cocaína na Europa devido à posição atlântica e às ligações históricas com o Brasil. Menciona ainda o papel de grupos, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), que “aproveitam estas rotas através de operadores intermediários e redes locais, capazes de manipular contentores e infiltrar trabalhadores para garantir a distribuição”.
Terrorismo e abuso sexual de menores
A eurodeputada defende que a União Europeia tem de se preparar para lidar com ameaças terroristas.
Os grupos terroristas continuam a reinventar-se, usam aplicações encriptadas, até plataformas de jogos online para recrutar e radicalizar. O financiamento também mudou, recorrem a criptomoedas e sistemas digitais de pagamento anónimo. Por isso, é essencial termos uma nova agenda europeia contra o terrorismo ainda este ano
Quanto ao combate ao abuso sexual de crianças online, Ana Pedro considera que “nenhuma outra área da criminalidade mexe tanto com a urgência moral de agirmos”. Para a eurodeputada, a Europa deve seguir o modelo norte-americano, com um centro europeu capaz de centralizar denúncias, fazer a triagem e trabalhar em ligação com a Europol e as polícias nacionais.
“Já não podemos depender só de iniciativas voluntárias. As empresas têm de ser legalmente obrigadas a avaliar riscos, remover conteúdos ilícitos e reportar às autoridades. Mas tudo isto sem cair na armadilha de uma vigilância em massa que fragilize a privacidade de todos. É possível ter um sistema proporcional, com salvaguardas, que proteja os mais vulneráveis sem pôr em causa direitos fundamentais”, defende a eurodeputada.
Cooperação transatlântica
Ana Pedro integrou a missão do Parlamento Europeu a Washington, onde se reuniu com senadores, congressistas e responsáveis do FBI, para debater a cooperação transatlântica no domínio da segurança.
De acordo com a eurodeputada, houve três pontos que dominaram as conversas: o acordo UE-EUA sobre provas eletrónicas, atualmente suspenso, o reforço da cooperação entre a Europol e o FBI e as estratégias conjuntas contra o terrorismo e a radicalização online.
“O problema é que muitos dos dados estão armazenados em servidores de empresas americanas como a Google, a Meta ou a Microsoft. E, para um juiz ou procurador europeu obter esses dados, tem de recorrer a mecanismos antigos, pedidos formais ao Departamento de Justiça, que podem demorar meses”, critica a eurodeputada, frisando que “isso significa que uma investigação urgente, como terrorismo ou abuso sexual infantil, pode ficar bloqueada porque as provas não chegam a tempo”.
A deputada mostra-se, ainda assim, confiante na conclusão do acordo. “Vejo grande vontade de avançar”, acredita Ana Pedro, convicta que, dessa forma, “permitirá agilizar investigações, fortalecer o combate ao crime organizado e ao terrorismo e dar segurança jurídica às empresas tecnológicas”.