Um ano após o Idai, milhares de pessoas ainda "vivem no limiar da sobrevivência"
Dezenas de milhares de pessoas continuam a sofrer todos os dias os efeitos do ciclone Idai. Sem casas, sem mobilidade e com risco de contrair doenças.
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Um ano após a passagem do ciclone Idai pelo Maláui, Moçambique e Zimbabué, dezenas de milhares de pessoas continuam sem casa, sujeitas a condições sanitárias deficientes e em risco de contrair doenças, alertou esta sexta-feira a Amnistia Internacional (AI).
Segundo a organização de defesa dos direitos humanos, o apoio financeiro "desadequado e decrescente" aos programas de recuperação da comunidade internacional, e o ritmo lento dos esforços de reconstrução dos governos nos três países tem prolongado a permanência das pessoas afetadas, que "estão a viver os piores efeitos da crise climática", em abrigos improvisados, em risco de contrair doenças como a cólera e, em alguns casos, sem mobilidade.
"Dezenas de milhares de pessoas continuam sem casa, algumas em abrigos das Nações Unidas e em estruturas improvisadas, sem acesso a saneamento básico e com risco de contrair cólera e outras doenças oportunistas", adiantou o subdiretor da AI para a África Oriental e Austral.
Tigere Chagutah disse ainda que os efeitos do ciclone Idai fez com que as pessoas vivessem "praticamente no limiar da sobrevivência".
A maioria das escolas danificadas pelo ciclone em Moçambique ainda não foram reconstruídas e centenas de milhares de crianças continuam fora da escola. Apesar de a maioria das crianças já ter regressado, os professores enfrentam problemas relacionados com a falta de infraestruturas e materiais.
"Dada a situação terrível nestes países e as responsabilidades pela crise climática, os estados mais ricos e os doadores multilaterais precisam de fazer mais para garantir que o dinheiro chegue àqueles que dele necessitam", apelou.
A Amnistia Internacional assinala que, até ao momento, foi conseguido menos de metade dos 450 milhões de dólares (406,8 milhões de euros) necessários para ajudar as comunidades afetadas no Zimbabué e em Moçambique, com o compromisso de apenas 40 mil dólares (36,2 mil euros) nos primeiros meses deste ano.
O apoio financeiro do PAM
De acordo com o Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas (PAM), o financiamento limitado para a reconstrução essencial está a impedir que muitas das pessoas mais atingidas recuperem. Nas semanas após a tempestade mais forte que já passou por Moçambique, a assistência de emergência do PAM apoiou 1,8 milhões de pessoas. Mas muitos outros, que ainda lutam diariamente, enfrentam um futuro sombrio e incerto.
No mês passado, os défices de financiamento obrigaram o PAM a reduzir para metade as porções de comida para 525 mil pessoas que trabalham em projetos de recuperação pós-Idai na província de Sofala, as mais danificadas pelo ciclone. Em março, esse apoio vital vai ser interrompido completamente, a não ser que o PAM receba fundos em breve.
"Para as pessoas que tiveram as suas vidas invertidas, os nossos projetos - trabalhos comunitários em fazendas, reparos de estradas e pontes, a reconstrução de escolas - são uma fonte de esperança", disse Lola Castro, diretora regional do PMA para a África Austral. "Este trabalho essencial deve continuar se queremos ver uma recuperação real e duradoura", acrescentou Castro.
O PAM precisa de 91 milhões de dólares (82 milhões de euros) para poder implementar totalmente projetos de reabilitação para as vítimas do Idai este ano.
Os países afetados pelo Ciclone Idai
Moçambique, o país mais afetado, acolheu uma conferência de doadores, em maio de 2019, para conseguir fundos para reconstrução a longo prazo, tendo angariado 1,2 mil milhões de dólares (1,085 mil milhões de euros), menos de um terço do valor necessário.
Na província de Sofala, em Moçambique, numa das zonas mais atingidas, muitas das estradas continuam bloqueadas, deixando as pessoas confinadas aos abrigos comunitários e dependentes da assistência humanitária.
Por isso, defende a organização, o Governo "deve dar prioridade à reconstrução de infraestruturas críticas para facilitar a reconstrução de meios de subsistência".
Na capital da província, Beira, surtos de cólera e malária infetaram milhares de pessoas, numa altura em que as infraestruturas de saúde foram destruídas, dificultando o acesso das pessoas a cuidados sanitários.
No Zimbabué, o segundo país mais atingido, muitos dos afetados continuam a viver em tendas em campos de refugiados.
"Na sequência desta catástrofe, é evidente que os governos do Maláui, Moçambique e Zimbabué não podem arcar com os danos causados pelo ciclone Idai e empreender a reconstrução massiva das vidas das pessoas sozinhos", disse Tigere Chagutah.
Defendeu, neste contexto, que "os governos afetados e os parceiros internacionais devem renovar os seus compromissos, acelerar a reconstrução e assegurar que esses esforços sejam feitos de forma a assegurar os direitos humanos", acrescentou.
Para a AI, esta situação mostra, por isso, a importância de os Estados "acordarem em mecanismo internacional adequado para apoiar as pessoas cujos direitos foram afetados pela crise climática".
O ciclone Idai atingiu o Maláui, Zimbabué e Moçambique entre 14 e 16 de março de 2019, causou mais de mil mortos e deixou mais de três milhões de pessoas sem casa, comida e abrigo.
