Um Estado sem Estado de Direito: "Sistema de justiça na Venezuela está comprometido"
A Venezuela ainda está a tempo de mostrar as atas eleitorais. As eleições presidenciais fazem esta quarta-feira um mês e a presidente da missão internacional da ONU para a Venezuela, a portuguesa Marta Valiñas afirma, à TSF, que a comunidade Internacional não pode deixar normalizar a atuação do Governo de Maduro
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Viva Marta Valiñas, é Presidente da Missão Internacional das Nações Unidas para a Venezuela. Na Venezuela funciona o Estado de direito?
Infelizmente não e devido a vários fatores. Como já documentámos nos nossos relatórios que apresentámos ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, o sistema de justiça na Venezuela está comprometido, portanto, falta de Independência e imparcialidade, sobretudo quando se tratam de casos das pessoas que são vistas pelo governo como pessoas opositoras pessoas que criticam as ações do Governo e isso.
Estamos a falar de ativistas de direitos humanos ou militares e jornalistas e membros da posição política. Portanto, documentámos vários casos em que damos conta de várias violações graves tanto do Ministério Público como dos próprios tribunais que lidam com estes casos e que acabam por contribuir para estas violações graves.
Devido à própria composição de certas instâncias judiciais, nomeadamente o Tribunal Supremo de Justiça, não podemos dizer que exista um Estado de direito na Venezuela e um sistema de justiça imparcial independente.
Ou seja, não há separação de poderes?
Exato, esse é um dos problemas. Um dos problemas que vemos é que há uma intromissão por parte do executivo nas ações tanto do Ministério Público como dos tribunais e incluindo, do Tribunal Supremo de Justiça, quando se tratam de casos e questões que são de interesse para o Governo.
E, aliás, nós falamos com ex-juízes e ex-procuradores que nos detalharam como é que se materializa essa intromissão, através de mensagens que são enviadas através de determinadas pessoas que fazem essa ligação. Outras vezes, mensagens escritas em reuniões e depois também temos várias declarações públicas por parte de altos representantes do Estado, não só do Presidente e que consideramos que também são intromissões na atividade do judicial.
A missão Internacional tem apontado que a Venezuela vive numa política de repressão. Essa repressão aumentou na sequência do processo eleitoral?
Sim, é esta repressão que temos visto depois de 28 de julho. Tem sido uma repressão dura e violenta e tudo isto aconteceu num período de tempo muito curto. Muitas destas ações que estamos a ver agora por parte das forças de segurança do Estado não é algo completamente novo.
Mas o que aconteceu neste caso é que estamos a ver uma repressão bastante dura em que falam destas pessoas como sendo todas terroristas. Portanto, há quase que um pré-julgamento destas pessoas e o que vemos depois é que nos processos judiciais são acusadas de terrorismo, de incitação ao ódio, associação criminosa e tudo isto sem uma base fundamentada em provas.
Como é que avalia o decorrer das eleições e a apresentação dos resultados? Podemos dizer que a transparência eleitoral foi comprometida?
Bom, de acordo com o nosso mandato, nós não fazemos uma análise do processo eleitoral, mas a Independência do Conselho Nacional Eleitoral está comprometida, pela sua própria composição e pelas suas ações, quando impediram Maria Corina Machado de se apresentar como candidata, sem um fundamento.
Já se passou um mês das eleições na Venezuela e Nicolás Maduro acena com um vinho da Constituição e ontem anunciou novos Ministros para o Governo. Perante estes factos consumados. O que é que pode ser feito?
Eu acho que a denúncia do que se está a passar são importantes e, claro, a pressão Internacional. Uma pressão que não é baseada em ideologias políticas, mas baseada no respeito pelos direitos humanos e pela democracia e os valores democráticos e temos visto alguns países que realmente têm criticado o que se está a passar na Venezuela.
As eleições já foram há um mês. A apresentação das atas eleitorais ainda pode ser realizada.
Eu penso que pode e deveria. É algo que é exigido por lei. Acho que se deve continuar a exigir a publicação das atas se elas não estão a ser partilhadas, é por alguma razão.