Um mês do julgamento histórico que está a dividir a Espanha e a contaminar as próximas eleições
Os políticos catalães estão a ser julgados pela tentativa de secessão da Catalunha e enfrentam penas que podem ir até aos 25 anos de prisão. Trata-se de um julgamento histórico que tem contaminado toda a atualidade política espanhola, a pouco mais de um mês das eleições legislativas.
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É um julgamento inédito na história da democracia espanhola. Doze políticos catalães sentam-se no banco dos réus por liderar o processo de independência unilateral da Catalunha. O julgamento começou há um mês e os responsáveis estão acusados de rebelião, sedição, desvio de fundos e desobediência, e podem ser condenados a penas até 25 anos de prisão.
O processo começou em outubro de 2017, com a realização de um referendo ilegal sobre a independência da Catalunha. A votação, promovida de maneira unilateral pelo Governo catalão, acabou com a polícia a tentar evitar o referendo e imagens de violência transmitidas nos meios de comunicação de todo o mundo. Dias depois, o Parlamento catalão declarava unilateralmente a independência do território e o Governo central respondia com a suspensão da autonomia do governo regional. Agravava-se assim uma crise que, ano e meio depois, continua a marcar decisivamente a situação política e social do país e que chega agora ao seu capítulo decisivo.
O julgamento, que deve durar três meses e cuja sentença poderá ser conhecida em junho, tem sido uma luta de narrativas no Supremo Tribunal. Por um lado, a acusação quer demonstrar o uso da violência durante o processo, imprescindível para provar o delito de rebelião, responsável pelas penas mais altas. Por outro, as defesas garantem que o movimento independentista foi pacífico e que a violência só existiu nas cargas policiais ordenadas pelo Estado no dia do referendo, em 2017.
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"Sou um preso político"
As defesas tentam ainda demonstrar que os acusados, nove deles em prisão preventiva há mais de um ano, são presos políticos, julgados pela sua ideologia e não por violar a lei espanhola.
"Sou um preso político. Sinto que estou a ser julgado pelas minhas ideias e não pelas minhas ações. Estou num julgamento político", disse Oriol Junqueras, o ex-vice-presidente catalão e o primeiro acusado a falar no julgamento. "Votar num referendo não é delito, trabalhar pela independência da Catalunha de forma pacífica não é delito, nada do que fizemos é delito, nada. Por outro lado, impedir, pela força, que as pessoas votem, isso, sim, é um delito", acrescentou.
Durante a sua declaração, na qual se recusou a responder às perguntas da acusação, Junqueras quis deixar claro que o movimento independentista não foi um processo violento e apontou o dedo às forças policiais do Estado. "Vi como agrediam pessoas que não tinham feito nada, houve uma violência, no meu ponto de vista, claramente injustificada e desnecessária", atirou.
Chamado a falar como testemunha, o ex-primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, justificou os atos da polícia nacional e da guarda civil com a desobediência dos líderes independentistas, frisando que a única intenção do Governo era velar pelo cumprimento da lei.
"Tinham perfeita consciência de que eu não ia autorizar um referendo para liquidar a soberania nacional e a unidade de Espanha. O que fizemos foi cumprir a lei. Numa situação daquelas, é normal que possa haver confrontos", declarou Rajoy.
Puigdemont candidato às europeias
Pelo Tribunal Supremo já passaram também o número dois do Governo de Rajoy, Soraya Sáenz de Santamaría, e o seu ministro da Administração Interna, Juan Ignacio Zoido, que foi criticado pelas respostas vagas dadas ao Tribunal. "Não sei"; "Não conhecia os dados"; "Não me consta" - foram as respostas mais repetidas pelo ex-ministro da Administração Interna.
"Eu não dei as ordens sobre o que tinham que fazer nem como tinham que atuar, isso era responsabilidade dos líderes das operações", sintetizou Juan Ignacio Zoido.
Ausência de vulto no julgamento é a de Carles Puigdemont. O ex-presidente catalão, e principal acusado no processo, está na Bélgica, para onde fugiu há mais de um ano. Desde então, já viu a Justiça belga negar a sua extradição para Espanha em mais de uma ocasião e tem tentado chamar a atenção da comunidade internacional para o que, nas suas palavras é "um julgamento político e antidemocrático".
Puigdemont mantém o braço de ferro com o Governo espanhol à distância e anunciou esta semana que vai concorrer às eleições europeias do próximo 26 de maio.
A questão catalã tem contaminado toda a política espanhola. Tanto, que a pouco mais de um mês das eleições legislativas, é o tema central da campanha dos partidos da oposição. Pablo Casado, líder do Partido Popular (PP), disse mesmo que, no dia das eleições, "a escolha que têm de fazer os espanhóis é entre Pedro Sánchez, um primeiro-ministro que vai voltar a negociar com quem quis dar um golpe de Estado em Espanha [em referência aos partidos independentistas], e outro, do PP, que promete suspender o governo regional o tempo que fizer falta até restituir a ordem constitucional na Catalunha."