Há mês, um homem desconhecido para a maioria das pessoas desapareceu sem deixar rasto. As implicações da sua morte ameaçam agora as relações diplomáticas internacionais.
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No dia 2 de setembro, Jamal Khashoggi entrou no consulado da Arábia Saudita em Istambul e nunca mais voltou a ser visto. Era o início de história de volte-faces.
O jornalista saudita de 59 anos estava exilado nos Estados Unidos desde 2017. Só foi ao consulado do seu país na Turquia para tratar dos documentos necessários para casar com Hatice Cengiz. A mulher turca foi a última a ver o noivo com vida e a primeira a dar o alarme.
Em entrevista à Reuters, pede explicações e exige responsabilizações. "Eu e meu governo gostaríamos que todos os responsáveis, desde a pessoa que deu a ordem, àqueles que a realizaram, fossem levados à justiça e punidos pela lei internacional."
Hatice Cengiz não tem dúvidas que que as autoridades sauditas estão por detrás do assassinato do jornalista crítico do regime de Riade.
A versão mais recente sobre o que realmente aconteceu dentro do consulado da Arábia Saudita é turca e vai ao encontro das palavras da noiva de Khashoggi.
Mal entrou no edifício, o jornalista foi estrangulado. O corpo foi depois desmembrado num ato de homicídio voluntário, disse esta quarta-feira o procurador-geral de Istambul, Irfan Fidan, naquele que foi o primeiro comentário oficial da Turquia ao caso.
A Turquia está a trabalhar em cooperação com a Arábia Saudita na investigação, mas procurador turco diz que a discussão com o procurador saudita, Saud al-Mojeb, não originou "conclusões concretas".
Fonte de topo ligada ao caso disse à AFP que os oficiais sauditas se mostraram "sobretudo interessados em conseguir as provas" que a Turquia possui "contra os autores do assassínio", mas que não demonstraram "pressa em cooperar sinceramente na investigação".
A Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos defendeu esta terça-feira a participação de especialistas internacionais no inquérito.
"Tragam-me a cabeça desse cão." Terá sido esta a ordem que Saud al-Qahtani, elemento próximo de Mohammed bin Salman e responsável pela detenção de inúmeros opositores do regime, deu a um dos homens que mantinham o jornalista detido no consulado, através do Skype.
Foi de imediato cumprida, diz uma fonte árabe com ligações aos serviços de informações e à família real saudita, citada pela Reuters.
Fontes não oficiais disseram à Sky News que os restos mortais de Jamal Khashoggi, de corpo "cortado" e cara "desfigurada", terão sido encontrados no jardim da casa do cônsul geral da Arábia Saudita, em Istambul.
Desde aí, o paradeiro dos restos mortais permanece uma incógnita. Não foram devolvidos à família. Não há informações oficiais sobre se o corpo foi de facto encontrado e onde.
Pode nem sequer existir um corpo. Yasin Aktay, conselheiro de Recep Tayyip Erdogan no AKP, o partido no poder na Turquia, acusa os executores de Khashoggi de se terem ivrarado do corpo "dissolvendo-o".
"De acordo com as informações mais recentes de que dispomos, o motivo para o desmembramento do corpo foi para o dissolver mais facilmente", afirma.
A Arábia Saudita diz que a morte do jornalista foi acidental. Isto, na terceira versão da história contada pelas autoridades.
Segundo dizem os responsáveis sauditas, o plano inicial era convencer Jamal Khashoggi a regressar a casa. Se este recusasse seria drogado e levado para uma casa segura em Istambul onde ficaria durante 48 horas e depois libertado. No entanto, o jornalista ficou agitado, tentou resistir, foi agarrado pelo pescoço e acabou por morrer.
Antes desta tese, a Arábia Saudita apenas admitia que o jornalista teria sido morto nas instalações do consulado saudita em Istambul, numa operação "não autorizada".
Antes disso, durante 18 dias, as autoridades sauditas garantiram ao mundo que Khashoggi saíra vivo do consulado.
O próprio príncipe herdeiro Mohammed bin Salman disse publicamente que as acusações eram completamente falsas e que o jornalista tinha saído do edifício pelo próprio pé, uma hora depois de ter entrado.
Mohammed bin Salman, governador de facto da Arábia Saudita, era abertamente criticado por Khashoggi na coluna que o jornalista assinava no jornal The Washington Post.
Os representantes do príncipe herdeiro negam que este tenha qualquer conhecimento do caso. Donald Trump foi o único líder mundial a apontar-lhe o dedo, ainda que indiretamente.
Em entrevista ao Wall Street Journal o presidente norte-americano defendeu que quis acreditar que o assassinato foi perpetrado por oficiais de baixa patente, mas admite que quem "manda" no regime de Riade é o príncipe, pelo que se há alguém a responsabilizar pelo que aconteceu "é ele".
Antes, Donald Trump tinha acusado a Arábia Saudita de orquestrar um encobrimento da morte, operação que se tornou "um fiasco completo". "O conceito original deles era muito mau (...) e o encobrimento foi o pior da história dos encobrimentos".
O príncipe saudita encontrou-se com o filho (na foto abaixo à esquerda) e o irmão de Jamal Khashoggi, na Iniciativa de Investimentos do Futuro, a chamada "Davos do deserto", para expressar condolências.
No panorama diplomático, a morte do jornalista saudita fez mover algumas peças do xadrez internacional.
Angela Merkel anunciou que a Alemanha vai parar exportações de armas para a Arábia Saudita, uma vez que estas "não podem ocorrer nas circunstâncias atuais".
Londres, Paris e Berlim emitiram um comunicado conjunto apelando à necessidade urgente de esclarecer" as circunstâncias da morte "inaceitável".
Entre os suspeitos pelo homicídio está Maher Mutreb, antigo coronel dos serviços secretos sauditas, quatro homens com ligações ao príncipe herdeiro e uma figura importante no ministério do Interior do país. Pelo menos 18 pessoas foram detidas e dois oficiais seniores afastados de funções.
Recep Tayyip Erdogan quer que os suspeitos sejam julgados na Turquia. O presidente turco classificou o caso como um "assassínio selvagem", com motivações políticas e planeado "com dias de antecedência" por responsáveis sauditas.