O presidente da câmara da Beira defende que a ajuda tem de ser direta e acredita que houve um erro inicial de planeamento.
Corpo do artigo
Há uma "injustiça" na distribuição dos apoios às vítimas do ciclone Idai que atingiu Moçambique há cerca de um mês. É o alerta do presidente da câmara da Beira, Daviz Simango, que avança à TSF que há pessoas que ainda não receberam ajuda.
"Há muitas organizações humanitárias a fazerem o seu papel, o seu trabalho e nós agradecemos. Eu penso que as populações vão paulatinamente receber essas ajudas, embora as ajudas ainda sejam ínfimas, tendo em conta a dimensão do desastre. Por ser pouca, a escolha de grupos alvos em algum momento fica injusto, há uma injustiça, porque há pessoas que ficaram nas suas casas e que aguardam essas ajudas. Apesar de a ajuda existir, ainda está longe de ser aquilo que são as necessidades das populações."
Davis Simango defende que a ajuda tem de ser direta e acredita que houve um erro inicial de planeamento.
"Olhou-se muito para os centros de acomodação, olhou-se muito para as comidas prontas, mas para as pessoas que ficaram nas suas casas, que são a maioria, essas precisam de ajuda. Agora está-se a montar um esquema que está a dar bom resultado, em que vão aos quarteirões, aos bairros e começam a descobrir a realidade pelo bairro adentro. Nós defendemos que a ajuda tem de ser direta nas populações. É preciso que as organizações humanitárias sigam aos bairros, fiquem a conhecer com os próprios olhos e que a ajuda chegue de forma direta."
Leia a entrevista na íntegra
TSF: Um mês depois do ciclone Idaí , como é que está a Beira?
Daviz Simango: Daquilo que foi a nossa planificação, daquilo que foram as estratégias para colmatar a situação de emergência em termos de remoção de obstáculos, permitir que as estradas sejam circuláveis, permitir que as populações voltem à sua vida normal, permitir que o comércio e outras atividades económicas tomem lugar, essa fase já está ultrapassada. A vida na cidade voltou à normalidade. O desafio que temos agora é começar a reconstruir. Estamos neste momento a fazer o levantamento para sabermos exatamente o que é que precisamos para a reconstrução. Avaliamos as necessidades e vamos submetê-las naturalmente na reunião que vamos ter com os parceiros internacionais. Esperamos ter a conferência de doadores na última semana de maio. Onde de uma forma clara vamos dizer qual é a estratégia de reconstrução que naturalmente vai consistir na recuperação da nossa costa, tanto das infraestruturas de produção, como as nossas estradas, escolas, hospitais, edifícios públicos. Todos precisam de ser recuperados de modo a que voltem a ter a funcionalidade para a qual foram criados.
É trabalho para muitos anos...
Todos nós devemos ter essa noção. Uma cidade que se reconstruiu durante mais de cem anos, levou gerações e gerações a construir esta Beira e de repente tudo caiu, agora o desafio é, em pouco tempo, fazer com que a vida volte à normalidade. Já conseguimos o essencial que era dar esperança às populações. Sofremos e agora temos de ser nós a tomar a dianteira. E isso alegra-me bastante porque há muita energia neste povo daqui, há força, há muita motivação. As pessoas estão mesmo dedicadas a dizer: 'Sim senhora, sofremos, mas vamos em frente'. Agora é importante que os parceiros internacionais, os países emissores de gases se lembrem que, de facto, esse é um desastre natural extremamente devastador e é preciso que haja recursos extra para garantir que a Beira volte a ser aquilo que era. E, naturalmente, preparar a Beira para uma resiliência ao vento, porque nós estávamos muito habituados, muito treinados, muito preparados para as chuvas, mas nunca imaginávamos que teríamos ventos com velocidades de 200 km/hora.
Os problemas de segurança que se levantaram no início estão resolvidos?
Estão, estão. Está tudo estável. É verdade que as populações, em algum momento, precisam de mais atenção. As autoridades policiais estão a fazer rondas por tudo o que é canto. A situação de segurança é estável e pode sentir-se seguro quando se anda pela cidade.
A ajuda está a chegar bem?
A ajuda está aí. Há muitas organizações humanitárias a fazer o seu trabalho e nós agradecemos. Eu penso que as populações vão paulatinamente recebendo essas ajudas, embora essas ajudas sejam ínfimas tendo em conta a dimensão do desastre. Por ser pouca, escolhem-se grupos alvos e Às vezes é uma injustiça porque há pessoas que não são do centro, estão nas suas casas e aguardam as ajudas. Elas são heroínas porque elas começam a reerguer-se sem esperar de mão estendida. Portanto, apesar da ajuda existir e estar a ajudar muito, ainda está longe de ser aquilo que são as necessidades das populações. Olhou-se muito para os centros de acomodação, olhou-se muito para as comidas prontas, mas as pessoas que ficaram nas suas casas, que são são a maioria, essas precisam de ajuda. Agora está a montar-se um esquema que está a dar algum resultado, em que vão aos quarteirões, aos bairros e começam a distribuir lá. É o que sempre defendemos, que a ajuda seja direta. É preciso que as organizações visitem os bairros, verifiquem com os próprios olhos e dentro dos seus termos e referências ditem tal fulano e tal fulano merece ajuda e que a ajuda chegue direto.
As doenças, nomeadamente a cólera, qual é o ponto da situação?
Bom, a cólera está relativamente controlada embora tenha havido muitos casos. Estamos a falar de um pouco mais de 3 mil casos. Foi grave, é muito, mas graças a Deus o número de mortes não seja tão alarmante, embora morte, seja morte. O que fizemos foi trabalho de sensibilização junto das populações, educação cívica e a vacinação. O importante agora é lembrarmo-nos que depois da cólera há de vir a malária.
Quais são os principais problemas nesta fase? Já me falou deste risco de depois da cólera aparecer a malária, que outras questões o preocupam mais nesta altura?
Como podemos imaginar, muitas empresas perderam a capacidade de produção, se elas perdem a capacidade de produção perdem a capacidade de empregar pessoas e de pagar salários. Se não houver uma intervenção ao nível do governo central para que se crie uma linha de facilitação que permita que essas empresas possam estar de pé, e se por outro lado houver demoras no pagamento de obrigações fiscais isso pode prejudicar as empresas. Tudo isso é importante para que situações do género não provoquem o desemprego e empurrem os moçambicanos para o crime ou para a prostituição. É um desafio que temos pela frente. Outro desafio é garantir que as nossas crianças voltam a estudar. Há muitas escolas sem cobertura, algumas escolas sem paredes e as crianças têm de começar a estudar, as crianças não podem ficar ao sol. Esse é um exercício que estamos a fazer, estamos a falar com os parceiros internacionais, estamos a falar com a Unicef, estamos a falar com quase todos no sentido de olharem para este campo como num campo muito importante. Outro campo é a recolha de lixo, há muitos tipos de resíduos sólidos que requerem cuidado no seu manuseamento, uma grande remoção desde troncos de árvores, de lixo de blocos, pedras, telhados, vidros, materiais que foram usados dentro de uma habitação, essas coisas todas foram parar à estrada e é preciso recolhê-las. O meu grande medo é que nós podemos vacinar as pessoas contra a cólera, podemos sensibilizá-las, mas se não tivermos capacidade de remoção do lixo, ela fica estagnada, mistura-se com a água e isso tudo pode trazer alguns problemas quer de mosquitos, quer de cólera ou doença diarreicas.
Há números finais de desalojados e vítimas mortais, ou ainda não está fechado esse balanço?
Esse balanço não está bem fechado. Há pessoas que ainda vêm dos distritos, os centros ainda estão abarrotados, alguns já estão a abandoná-los. Eu penso que nos próximos dias já teremos os dados mais ou menos exaustivos em relação a essa matéria, mas seja como for é muita gente, muita gente sofrida, muita gente que precisa de ajuda.