"Um prelúdio para os dias de hoje." Há 85 anos, a ficção de "A Guerra dos Mundos" foi notícia
A TSF conversou com Miguel Crespo, especialista em comunicação e investigador do CIES-ISCTE e com Rui Agostinho, antigo diretor do Observatório Astronómico de Lisboa, sobre histórias "iluminadas" que precisam de verificação.
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Há 85 anos a rádio lançou o pânico. Orson Welles e o grupo do Mercury Theater ligaram os microfones nos estúdios da norte-americana CBS para anunciar que o mundo estava a ser invadido por extraterrestres. Tinha tudo para ser verdade. Durante quase uma hora, a rádio simulou reportagens e testemunhos no local, a opinião dos comentadores e a confirmação dos especialistas. Tudo não passou de uma adaptação radiofónica do romance de ficção científica "A Guerra dos Mundos", de H. G. Wells. O episódio deu protagonismo a Orson Wells como dramaturgo, mas deixou muitos ouvintes convictos de que não se deve acreditar em tudo o que passa na rádio.
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Ouvido pela TSF, Miguel Crespo, investigador do CIES-ISCTE explica que o essencial desta fórmula é ter um bom guião: "Uma boa história, mesmo que não seja verdadeira, e mesmo que depois seja desmentida, vai perdurar muito mais facilmente do que uma história que seja verdadeira, mas que não seja tão interessante."
"Neste caso os ouvintes apanharam o conteúdo sem contexto. E, portanto, estiveram a assistir a ficção, mas a assumir que era realidade, que era uma notícia, ou uma informação jornalística", explica Miguel Crespo.
A CBS contabilizou seis milhões de ouvintes. Três milhões só sintonizaram a rádio depois da introdução, que explicava que o que se ia passar a seguir era uma adaptação de um romance. Pelo menos 1,2 milhões de pessoas acreditaram que a história era um capítulo real nas suas vidas. Dessas, meio milhão teve a certeza de que o perigo era iminente. A 30 de outubro de 1938 os ouvintes entraram em pânico, sobrecarregaram linhas telefónicas e condicionaram o trânsito para fugir dos extraterrestres.
Oitenta e cinco anos depois, com "mais tecnologia", mas só com meia dose de "literacia mediática", a capacidade de iludir mantém-se: "Parece-me que seria até mais simples hoje, do que no passado. Vemos grandes meios de comunicação a manipular as pessoas de uma forma constante e em temáticas muito mais preocupantes do que uma invasão de marcianos", considera Miguel Crespo.
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"Este episódio [de Orson Wells] é um prelúdio para os tempos atuais. É difícil distinguir aquilo que é facto, daquilo que é ficção. É difícil distinguir aquilo que é notícia, daquilo que é apenas uma construção criativa", realça o investigador do CIES-ISCTE, Miguel Crespo.
É neste ponto que o jornalismo e a astrofísica se unem. Às mãos de Rui Agostinho, antigo diretor do Observatório Astronómico de Lisboa, também chegaram histórias iluminadas que precisaram de verificação: "Eu cheguei a fazer contas de alguém que me dizia que naquela fotografia havia uma nave espacial. Eu fiz a trigonometria toda, da posição, para ver que, muito provavelmente, aquele objeto era uma ave de rapina em altitude."
Mas nem só de criatividade se pinta o espaço. À TSF, o investigador de Astrofísica e Ciências do Espaço, Rui Agostinho não tem dúvidas de que "há vida lá fora". Resta saber se é "inteligente" e capaz de "viajar".
"Garantidamente, sim. Há vida lá fora. Mas a vida tem de evoluir e tornar-se inteligente. E só depois, com a inteligência, é que é capaz de desenvolver tecnologia para poder viajar no espaço. E viajar no espaço é extremamente complicado", explica o investigador Rui Agostinho.
"É preciso tempo e condições estáveis no planeta para a vida evoluir e tornar-se inteligente. E isso não é imediato. Agora, é claro que o universo já existe há muito tempo. As galáxias começaram há 13 mil milhões de anos. Há estrelas muito anteriores à nossa, que tiveram planetas, e onde a vida também evoluiu. A vida inteligente no nosso planeta é relativamente recente nesta história toda. Portanto, resumidamente, sim, o universo tem condições para, há muito tempo, noutros locais, ter permitido o desenvolvimento de vida inteligente", conclui.