“Vai ser um período turbulento nas relações transatlânticas? Aposto que sim, mas não as vai destruir”
Recebe a TSF no seu gabinete, em Washington, um dia após a confirmação da vitória de Trump. Os EUA e o futuro da relação transatlântica, a Ucrânia, a NATO e a ONU perante um tempo novo. Kupchan não sabe se o sistema é suficientemente forte para resistir ao "esforço para causar danos irreparáveis à democracia americana”
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Charles Kupchan é membro sénior do Conselho de Relações Externas (CFR) e professor de assuntos internacionais na Universidade de Georgetown, em Washington. De 2014 a 2017, trabalhou na equipa do Conselho de Segurança Nacional (NSC) na administração Obama e foi também diretor para os assuntos europeus no primeiro governo de Clinton. Antes disso, trabalhou no Departamento de Estado e foi professor assistente de política em Princeton.
Kupchan é autor de Isolationism: A History of America's Efforts to Shield Itself From the World (2020), No One's World: The West, the Rising Rest, and the Coming Global Turn (2012), How Enemies Become Friends: The Sources of Stable Peace (2010), The End of the American Era (2002), Power in Transition: The Peaceful Change of International Order (2001), entre outro livros publicados, além numerosos artigos sobre assuntos internacionais e estratégicos. Kupchan é doutorado pela Universidade de Oxford. Entrevista exclusiva à TSF.
Donald Trump foi eleito o 47º presidente dos EUA, um regresso extraordinário para um ex-presidente que se recusou a aceitar a derrota há quatro anos, provocou uma insurreição violenta no Capitólio dos EUA, foi condenado por crimes graves e sobreviveu a duas tentativas de assassinato. Ficou surpreendido com a vitória ou, mais do que isso, com a dimensão dessa vitória?
Não fiquei assim tão surpreendido com a vitória, porque sabíamos que ia ser uma eleição renhida. Mas fiquei bastante surpreendido com o alcance da vitória. É uma margem de vitória que, na minha opinião, as sondagens simplesmente não sugeriam. Uma parte de mim compreende este facto, na medida em que há muitos americanos que estão a ter dificuldades em fazer face às despesas. O custo dos alimentos básicos tem vindo a aumentar e os salários não têm acompanhado o ritmo da inflação. Mas também estou bastante angustiado com o grau de ódio com que os republicanos fizeram a campanha, cheia de mentiras, cheia de linguagem que sugere que o país perdeu o contacto com o discurso civil. E ter um partido que se move nessa direção e depois ganha com esta margem, sugere-me que estamos a viver um momento histórico muito estranho em que os centros políticos de ambos os lados do Atlântico não estão em boa forma. Penso que uma das principais questões que pairava sobre as eleições até quarta-feira de manhã era: será que o centro político se vai manter? E agora temos uma resposta para essa pergunta, que é definitivamente negativa. Se estivéssemos a falar há três ou quatro anos, eu teria dito: graças a Deus pela UE, porque lá o centro está a aguentar-se! Hoje já não tenho tanta certeza. Logo após a vitória de Trump, o governo alemão dissolveu-se, Macron é um presidente frágil, os centros políticos francês e alemão já não são tão saudáveis como foram. Quando olhamos para o que se passa na Europa e vemos quem ganhou as eleições nos EUA, não podemos deixar de ficar inquietos e preocupados com o futuro da democracia liberal.
E vamos já para a Europa. Mas deixe-me perguntar-lhe, por enquanto, sobre a política interna dos EUA: pensa que o que poderia restar do Partido Republicano tradicional desapareceu com estas eleições?
Se por Partido Republicano se refere ao partido de Reagan, ao partido de George H. Bush, ao tipo de realismo pragmático que guiou, em muitos aspectos, republicanos e democratas durante década após década após década, esse partido desapareceu. E devo dizer que uma das coisas que considero mais preocupantes é o grau em que o partido se alinhou com Trump. Porque se fosse apenas Trump, poder-se-ia dizer, sabe, os acidentes acontecem. Surgem figuras estranhas na história, fazem coisas estranhas e tornam-se populares, mas ele criou um movimento que colocou os republicanos numa posição de basicamente dizerem: ‘ou estás comigo ou não tens lugar no Partido Republicano’; e, infelizmente, muitos republicanos, penso eu, alinharam nisso. E agora, os republicanos centristas, a que costumávamos chamar os Republicano Rockefeller são uns sem-abrigo.
Após a vitória de Donald Trump nas eleições nos EUA, os europeus devem preparar-se para uma mudança nas relações transatlânticas?
Sim. Penso que Trump, por razões que considero um tanto difíceis de entender, não tem grande afeição pela Europa. Pode ter algo a ver com a União Europeia como concorrente comercial, com a regulamentação ambiental da UE que o forçaram a fazer certas coisas nos seus campos de golfe e ele não gostou, mas parece ter uma certa antipatia pela Europa. Foi impressionante para mim que, durante o seu primeiro mandato, em muitos aspectos, não demonstrou quase nenhuma preocupação com alguns dos líderes democráticos mais importantes do nosso tempo, desde Angela Merkel, a Justin Trudeau, e esteve muito mais confortável a lidar com Putin, Erdogan e Kim Jong Un. Vai ser um período turbulento nas relações transatlânticas? Aposto que sim. Trump vai destruir a relação transatlântica? Não creio que vá.
Mas, nós europeus, devemos estar prontos para depender menos da América...
Não têm escolha. Nenhum país no mundo tem escolha. Porque se é Portugal ou Alemanha ou Polónia ou Japão ou Coreia do Sul, países aliados os EUA há bastante tempo, você não tem outra escolha. Os EUA estão a passar por um período de falta de confiabilidade política e inconstância política, com dois partidos que com pouco terreno comum. Não sabemos o que vai acontecer amanhã nos EUA, então acho que os aliados europeus farão o possível por manter a Aliança Transatlântica intacta, mas não têm outra escolha a não ser dizer: “E se…? E se nos encontrarmos sozinhos?” A Europa precisa investir na sua própria capacidade geopolítica, no seu próprio peso como âncora, sob circunstâncias esperançosas que a tornem um parceiro melhor dos EUA. Aí, fica mais provável que Trump diga: ‘Olha, os europeus estão a gastar 2,3% do PIB em defesa, estão acima da referência da NATO’. E se um dia os EUA disserem: ‘Europa, vocês estão por vossa conta’, então a Europa estará melhor preparada para esses dias. Mas se a pergunta é se eu espero que Trump saia da NATO no seu segundo mandato, a minha resposta é não.
Diz-se que John Bolton e outros conselheiros, tiveram a certo ponto que distraí-lo com algumas questões, como se faz com crianças pequenas; caso contrário, ele iria retirar os EUA da NATO…
Claramente, ele pensou sobre isso. E pode haver pessoas à sua volta que acreditam que os EUA deveriam libertar-se dos seus aliados da NATO. Mas, dito isto, este é um sujeito que tem um grande ego e não creio que queira ficar na história como o presidente americano que desmantelou o Ocidente. Poderá gritar aos europeus para gastarem mais na defesa, poderá insultá-los porque são demasiado seculares ou porque não concordaram em comprar mais carros americanos, mas não creio realmente que ele vá explodir a aliança ocidental. Acredito que ele irá pressionar fortemente para acabar com a guerra na Ucrânia? Sim. E pode ameaçar cortar a ajuda à Ucrânia se eles não negociarem de boa fé, mas não estou convencido de que isso seja uma má ideia. Esta é uma guerra que penso que todos sabemos que terminará na mesa de negociações, não com qualquer dos lados a alcançar a vitória militar; portanto, quanto mais cedo conseguirmos um cessar-fogo e o fim da matança, melhor.
JD Vance já formulou algumas ideias em torno do conceito de neutralidade da Ucrânia e da preservação das conquistas territoriais russas, o que para Zelensky, é inaceitável. Mas pensa que a administração Trump pressionará nesse sentido?
Suponho que veremos surgir um plano ao longo do tempo, através de conversas entre Washington, Kiev e a NATO e aliados, em que o objectivo é garantir que os 80% da Ucrânia que ainda é Ucrânia sejam uma história de sucesso, com uma economia e uma democracia funcionais e com capacidade de se defender. Não consigo imaginar os EUA, incluindo o Presidente Trump, a reconhecer o Donbass e a Crimeia como território russo. Acredito que o que veremos será uma decisão de adiar o status de território ocupado para uma data posterior. E, em última análise, penso que o Ocidente tentará recuperar a integridade territorial da Ucrânia, mas na mesa de negociações, e provavelmente depois da morte de Putin. É um processo a longo prazo, mas penso que a ideia de um cessar-fogo, de ajudar a Ucrânia a transformar-se numa história de sucesso, de a integrar na UE a longo prazo, é uma perspectiva realista. Se penso que a Ucrânia entrará na NATO em breve? Não, simplesmente porque não há consenso na aliança nem aqui nos EUA para avançar nessa direcção.
Existe alguma coisa na política externa de Trump além de uma abordagem transacional sistemática?
Acho que precisamos pensar em Donald Trump como um magnata do setor imobiliário e não como um estadista. Não acredito que ele tenha grandes ideias sobre como o mundo funciona. Acredito que ele se vê como um negociador, e, como consequência, o que o Ricardo diz é verdade. Ele é um transacionalista feroz. Entrará em negociações sobre a Ucrânia, sobre acordos comerciais, sobre a NATO, sobre o Oriente Médio, sobre a Coreia do Norte como alguém que tenta fechar um bom negócio. Não veremos qualquer uma das visões ideológicas da administração Biden do que chamamos de ordem internacional liberal, mas com um presidente que é capaz de alcançar certas coisas porque é pragmático, transacionalista. Eu sempre me senti desconfortável com Biden ao dizer que o mundo é definido pelo confronto entre democracias e autocracias. Por quê? Porque vivemos num mundo onde os EUA vão ter que trabalhar com autocracias. Se não tiverem algum tipo de relação de trabalho com a China, por exemplo, como vamos enfrentar as mudanças climáticas? Como vamos lidar com a proliferação nuclear? Ou com a Coreia do Norte? É concebível para mim que Trump possa realmente fazer algum progresso simplesmente ao entrar na sala e dizer: ‘Ei, amigo, vamos fazer um acordo’. Não estou otimista, porque não conseguiu fechar muitos acordos durante o seu primeiro mandato, mas vamos dar-lhe uma oportunidade.
Poderia um acordo desse tipo envolver Taiwan? Na troca, digamos, de algumas concessões comerciais com a China, haver uma espécie de caminho livre para os chineses fazerem algo em Taiwan e a Casa Branca ficar a olhar para o outro lado?
Acho que Trump tem pouca margem de manobra em relação a Taiwan. Se há alguma área de acordo bipartidário nos EUA neste momento, é em enfrentar a China, defender Taiwan e dissuadir a China de qualquer tentativa de tomar Taiwan à força. Eu acho que pode haver um esforço por parte de Donald Trump para negociar acordos com a China, em primeiro lugar no comércio, porque ele tem uma agenda: quer impor tarifas de 60% sobre os produtos chineses, algo enorme. E se ele vier à Europa e disser: Ok, tarifas de 10 ou 20% aqui e 60% na China e 30% em vocês e 20% em vocês, estaremos realmente de volta aos anos 1930, algo que se parece mais com o nacionalismo económico que surgiu após a Grande Depressão e a aprovação do Smoot Hawley Tariff Act (junho de 1930) nos EUA. Vamos esperar para ver, talvez ele esteja a usar essas ameaças de tarifas como alavanca para negociar acordos comerciais. Não quero parecer otimista, mas acho que Trump acaba de vencer em grande e vai ser o presidente. Podemos lamentar esse resultado, mas todos nós temos que tentar tirar o máximo proveito disso.
Vai ser um presidente basicamente sem freios, porque para além do controlo de ambas as câmaras, provavelmente, há também o Supremo Tribunal. Por isso, com a ausência de pesos e contrapesos, os controlos e equilíbrios serão mais frágeis, digamos assim… não acha?
Esse é o meu maior receio. No estrangeiro, Trump pode causar danos consideráveis, mas também vive num mundo que o envolve; tem a concorrência com a China, o conflito no Médio Oriente... não tem rédea solta, a geopolítica vai pressioná-lo. Aqui nos EUA, não sei se o sistema é suficientemente forte para resistir ao que se pode transformar num esforço para causar danos irreparáveis à democracia americana.
Na Turquia, na Hungria ou na Polónia, quando os populistas iliberais estavam no poder, vi governos que foram legal e democraticamente eleitos usarem o controlo dos vários ramos do governo para introduzir formas de governo iliberais, retiraram os direitos e liberdades básicas dos opositores políticos, comprometeram a independência dos meios de comunicação social e dos tribunais. Poderá isto acontecer aqui? Espero que não, mas não é inconcebível, e Trump disse que quer assumir o controlo do Departamento de Justiça e usá-lo como alavanca do poder presidencial. Disse que vai perseguir os seus adversários políticos com base em fundamentos legais. Não tenho a certeza de que Trump seja alguém que tenha um bom sentido da diferença entre facto e ficção. Isso é perigoso, e durante as eleições presidenciais foram ditas muitas coisas que não têm qualquer semelhança com o mundo em que vivemos. Por isso, preocupo-me com o que vai acontecer aqui e com o facto de podermos ver o Presidente a prejudicar não só as instituições da democracia, mas também as relações intercomunitárias, a alimentar o racismo e a supremacia branca, a ver surgir sentimentos anti-imigrantes e anti-semitas. Isso é o que me tira o sono à noite.
Existem condições para que ele possa avançar com o plano, anunciado e repetidamente reiterado, de deportação em massa de imigrantes indocumentados?
Bem, em primeiro lugar, isso já aconteceu antes. Logo na década de 1930, os EUA deportaram cerca de um milhão de imigrantes de origem centro-americana e latino-americana, muitos dos quais cidadãos americanos. Passámos por períodos em que o sentimento anti-imigrante era tão forte que basicamente reunimos as pessoas e expulsámo-las. Se penso que ele realmente vai reunir e cercar 11 milhões de pessoas, colocar-lhes algemas, levá-las para a fronteira com o México e empurrá-las para fora do camião? Não acho que isso vá acontecer. Seria extremamente perturbador, desumano, e desestabilizaria a força de trabalho em muitas comunidades que dependem fortemente de migrantes indocumentados, desintegraria famílias. As crianças podem ser cidadãos americanos porque nasceram aqui. Vai Trump cercar as suas mães e pais e expulsá-los do país? Haverá algum nível de deportação? Sim, acho que sim. Conseguirá ele deportar 11 milhões de pessoas? Não.
Trump é conhecido por agir principalmente com base no seu próprio instinto, embora existam políticas externas e doutrinas republicanas no Departamento de Estado. Li um artigo do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR), que espera um papel mais proeminente por parte dos ‘Primacistas’, os que querem que os EUA mantenham uma política externa hegemónica. Por outro lado, há os restricionistas querem que os EUA se concentrem em questões internas, ou um crescente grupo de Prioritários que quer que os EUA se concentrem na China. Trump escolherá com base nesta tipologia? E quem terá mais peso?
Neste momento não sabemos que campo terá mais influência na administração Trump, quem lhe vai soprar ao ouvido. A minha suposição é que, em primeiro lugar, os republicanos mais tradicionais que estavam no Trump 1.0 não estarão lá. Não terá um Rex Tillerson, um Jim Mattis, um General McMaster. Ele trará pessoas que acredita que seguirão as suas ordens e que partilham as suas opiniões. Isso e o unilateralismo e o transacionalismo. Trata-se muito dos interesses dos EUA definidos de forma restrita, não da comunidade baseada em regras liberais, deste ou daquele grupo, mas os interesses dos EUA. É disso que se trata a ‘América em primeiro lugar’.
Mas escolherá as pessoas muito mais com base no critério de lealdade do que no conhecimento ou experiência nas matérias?
Correto. E não espero que os especialistas em políticas se saiam bem nos próximos anos, os cientistas que trabalham na Agência de Proteção Ambiental, provavelmente deveriam começar a procurar um emprego. Ele disse que vai atacar duramente os funcionários públicos para tentar desfazer as suas proteções no emprego. Ele pensa que há um establishment político, tanto democratas quanto republicanos, mas em particular o serviço civil federal, que é, segundo ele, o Deep State, o estado profundo que ele julga que traiu os EUA, que não entende as necessidades dos verdadeiros trabalhadores americanos, os tipos que estavam lá no Ohio e que estão a ter dificuldades para chegar ao fim do mês. Ele é um político extraordinariamente talentoso, certo? Fê-los acreditar que é o homem deles, o salvador deles, quem os entende e está com eles. Sinceramente, eu discordo completamente. As vidas deles sob Trump não melhoraram e não vão melhorar. Na verdade, se ele entrar e implementar tarifas altas, desregular a economia e cortar impostos para os ricos, isso vai ajudar o indivíduo que trabalhava na linha de produção da General Motors no Michigan e que agora está desempregado ou a ganhar $12 por hora num centro de distribuição da Amazon? Não, vender essa ideia é mercadoria falsa.
Estávamos a falar sobre planos de deportação. Tendo em mente a importância que ele deu à questão da fronteira e à imigração durante a campanha, pensa que haverá algum grau de investimento mais forte dos EUA nas relações com os países da América Central e do Sul?
Eu penso que há espaço, talvez pela primeira vez em décadas, para um impulso legislativo sério para reformar a política de imigração. De facto, chegámos lá quando a administração Biden, trabalhando com os republicanos, negociou um grande pacote, e ele foi derrubado pelos republicanos porque Trump disse para o chumbar. Mas isso diz-me que podemos conseguir algum tipo de projeto de lei abrangente sobre imigração, em todos os três aspectos da questão: como garantimos a segurança da fronteira sul? Como lidamos com os imigrantes que estão a viver irregularmente nos EUA? Como podemos melhorar e agilizar a imigração legal? Se se melhorar e simplificar a imigração legal, haverá menos pressão, menos incentivo, para as pessoas tentarem entrar ilegalmente. Espero que esta seja a presidência em que finalmente consigamos aprovar algumas legislações sérias. Pode haver também um esforço para fazer o que foi pedido a Kamala Harris, que é lidar com as causas, as raízes. Muitos desses migrantes, vêm do que é chamado de Triângulo Norte da América Central. Podemos fazer coisas para melhorar as oportunidades económicas, combater os cartéis de drogas, lutar contra a corrupção, para melhorar a vida nesses países, para que, em primeiro lugar, as pessoas não precisem sair.
Prevê que os EUA se envolvam diretamente nas negociações com a Rússia e a Ucrânia, para que, se tiver sucesso, Trump possa almejar o Prêmio Nobel da Paz?
Acho que Trump vai querer envolver-se diretamente em quantos mais negócios puder, porque se vê como grande negociador, e é completamente concebível que o faça. Imagino que, depois de assumir o cargo, e talvez, estará ao telefone com Zelensky e com Putin para começar esse esforço. E dou as boas-vindas a isso. Foi um erro o governo americano e o governo russo não terem tido um diálogo sério nos últimos anos. Esta é uma guerra na Ucrânia que é talvez o momento mais perigoso que vimos desde a Crise dos Mísseis de Cuba, os aviões americanos e os aviões russos não estão tão longe uns dos outros.
Nunca houve esforços diplomáticos consistentes do ocidente para parar Putin e a guerra…
Até tanto quanto sei, não. A política era: vamos apoiar a Ucrânia, e a Ucrânia vencerá. E essa política tornou-se cada vez mais irrealista; hoje temos uma política para a Ucrânia, mas nenhuma estratégia. A política é: armamos a Ucrânia, eles lutam e esperamos pelo melhor; mas uma estratégia é sobre onde queremos ir e como vamos chegar lá, dados os meios disponíveis. Trump entende isso e que que precisamos de procurar resultados que sejam realistas, dado o equilíbrio relativo de poder no campo de batalha, e a realidade de que os EUA e, possivelmente, alguns membros da Europa, não poderão apoiar a Ucrânia nos níveis atuais para sempre.
Temos as Nações Unidas com um Secretário-Geral português, António Guterres. Espera uma relação mais cooperativa entre os EUA e a ONU, mais cooperativa do que a relação tensa que existiu durante o primeiro mandato de Trump?
Eu não ficaria à espera disso, sabe. Como parte desse unilateralismo que parece estar profundamente enraizado em Trump e no Partido Republicano, a ONU não é uma instituição popular, e eu realmente preocupo-me que Trump, como fez no primeiro mandato, possa sair do Acordo de Paris sobre o Clima, possa sair da Organização Mundial da Saúde, possa dizer que vamos deixar esta agência da ONU e aquela agência da ONU, e que estamos a pagar demais aqui e ali. Não o vejo a dar vida à Organização Mundial do Comércio; ou seja, temo por muitas das instituições multilaterais que existem por aí. Mas… e é um importante ‘Mas’… se Guterres, ou outra pessoa, acabar por ajudar a alcançar algum tipo de avanço… E ele esteve na Rússia não há muito tempo, na cimeira dos BRICS, sugerindo que ele tem um corredor de comunicação com os russos, acho que Trump aceitaria isso de bom grado. E assim, mesmo que ele tenha desconforto teológico com instituições internacionais, qualquer coisa que amarre os Estados Unidos é como se amarre as suas mãos, no entanto penso que ele é alguém que apreciaria um esforço para ajudar a fazer um acordo e resolver o problema, independentemente de onde esse esforço venha.
Mesmo que não queira ser muito optimista como disse, não devemos então tomar como garantido que, após 20 de janeiro, estaremos a caminhar para um mundo mais perigoso?
Não. Na verdade, acho mesmo que estamos a caminhar para um mundo mais perigoso, diria até que já chegámos lá na quarta-feira. O mundo acabou de ver os EUA, que têm sido a principal democracia do mundo, eleger um líder que tentou derrubar a própria democracia americana, um líder que parece não entender a diferença entre uma verdade e uma mentira. E esse mero evento, a reeleição dessa pessoa, é um tiro no mundo que terá implicações globais: enfraquece as forças da democracia liberal e fortalece as forças da autocracia e do populismo iliberal em todos os lugares. E isso não é bom. Preocupo-me com o que acontecerá aqui nos EUA durante o segundo mandato de Trump e com o impacto nas relações da América com os seus aliados principais, mas, dito isso, vou manter a esperança e esperar para ver Trump tentar pragmaticamente conseguir avanços. Não estou esperançoso, mas vamos dar-lhe uma oportunidade, porque temos que dar, não temos alternativa, ele ganhou esta eleição e será o presidente americano nos próximos quatro anos.