Valência tenta reerguer-se um ano depois das inundações: "Nada vai voltar a ser igual"
As marcas que a DANA deixou em Valência ainda são bem visíveis. Os familiares dos 229 mortos continuam a pedir justiça
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Naquele 29 de outubro de 2024, como todos os dias, o pai de Rosa Álvarez, de 80 anos, bateu-lhe à porta de casa, perto das 16h00, para passear a cadela. "Essa foi a última vez que o vi", lembra Rosa.
Em Catarroja nem sequer tinha chovido. Durante a tarde soube-se que o rio tinha transbordado, mas era algo habitual e todos pensaram que seria como outras vezes. Quando, pouco depois das 19h00, a água começou a invadir as ruas e a arrastar tudo, percebe-se que algo de errado estava a acontecer. "Falei com o meu pai, pela primeira vez às 18h55 e pela última às 19h55. Disse-lhe para ir para o terraço, mas ele dizia-me que não conseguia abrir a porta. O meu pai já se estava a afogar."
O pai de Rosa, Manuel Álvarez, foi um dos 229 mortos nas maiores inundações de sempre na região de Valência. Em poucos minutos, a água entrou nas povoações e arrasou tudo. No dia a seguir havia lama por todo o lado, árvores arrancadas e torres de dezenas de carros, empilhados num equilíbrio impossível.

Um ano depois, os mais de 80 municípios afetados fazem a sua reconstrução, mas a normalidade demora a chegar. Os danos materiais estão a ser reparados, mas as cicatrizes emocionais permanecem. "Estamos num processo de luto que ultrapassa o individual, é um luto coletivo", explica Lorena Silvent, presidente da Câmara Municipal de Catarroja. "Temos de ir aceitando que o que conhecíamos até agora já não vai voltar a ser igual. E o mais duro, sem dúvida, é a perda de pessoas. As vítimas, os familiares."
Durante estes 12 meses houve outras tantas manifestações contra o presidente da Generalitat valenciana pela gestão da tragédia, principalmente pela demora no envio do alerta à população e a ausência do presidente durante toda a tarde.
A agência de meteorologia estatal lançou o primeiro aviso às 07h36, mas o Governo valenciano não emitiu nenhum aviso e demorou até às 20h11 para enviar o alerta à população.
O caso está no Tribunal de Catarroja onde a magistrada investiga uma possível negligência do Governo valenciano.
"O problema não é o que fez. É o que não fez. Há uma responsabilidade direta? Sim. É uma responsabilidade política? No meu ponto de vista, sim. É uma responsabilidade judicial? Logo se vê", acusa Silvent. "O que está claro é que essa emergência foi coordenada na Generalitat. E mesmo que tenhas delegado essa função, essa função é tua e tudo o que acontece é culpa tua ou graças a ti. Há uma responsabilidade que vai ter que ser assumida."
As vítimas pedem justiça, reparação e memória. E que a tragédia sirva para que nada igual volte a acontecer. "O que eu espero da justiça é que seja punível, que cumpram o máximo de anos que tiverem de cumprir", diz Rosa. "Isto não se deve repetir. Não se deve construir em zonas inundáveis, não se devem ignorar alertas, devem fazer-se planos de emergência. Isto é o modelo do que jamais deve voltar a acontecer."
O tempo passou, mas as feridas ainda são bem visíveis. Faltam infraestruturas, estradas e pontes. Há prédios onde as marcas de água ainda persistem, garagens ou arrecadações onde ainda há restos de lama. E falta cicatrizar o ânimo de uma povoação que ainda vive em estado de alerta.