Tem tudo o que um país normal tem, mas é um dos raros territórios no mundo escondido das fronteiras que se vêem nos mapas. Reportagem num país que ninguém reconhece.
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Como em qualquer cidade a que se chega sem saber o que ver, a viagem por Tiraspol, a capital da Transnístria ou Pridnestróvia (já vamos perceber a diferença...), começa pelo posto de turismo.
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Sim, o país e naturalmente a sua capital não são reconhecidos por nenhum dos cerca de duzentos países que oficialmente existem no mundo ou por qualquer organização internacional, nomeadamente pelas Nações Unidas, mas tem um posto de turismo para responder à ténue procura por um Estado que existe sem, na verdade, existir.
Quem nos recebe, Nataliya Filimonova, pega num mapa e começa a descrever o que há para ver: sinais da antiga União Soviética, estátuas de Lenine, um ou outro museu, uma famosa fábrica de conhaque, mosteiros do outro lado do rio, algumas praias fluviais e o posto do correio de onde podemos enviar, sublinha, um postal de "um país que não existe".
Bem-humorada, sorridente, Nataliya brinca com a situação anormal do país onde nasceu (por simplificação de linguagem, vamos chamar-lhe "país" apesar de tecnicamente não o ser, sem complicar uma situação que já é... complicada).
Um conflito congelado
Quem lida com os poucos estrangeiros que aparecem sabe que é esta bizarria que atrai grande parte dos poucos que aparecem por aqui, dispondo-se a apresentar o passaporte, passar fronteiras e o controlo policial de um Estado que ninguém mais aceita além dele próprio.
Formalmente, no mapa-mundo, para as Nações Unidas e todos os outros países, a Transnístria faz parte da Moldávia.
Na prática, fica escondida entre a Ucrânia e a Moldávia, num território mais pequeno que Trás-os-Montes e com cerca de meio milhão de habitantes, sendo muitas vezes descrita como um país não reconhecido mas independente - e que, de facto, faz este mês 28 anos.
É também o último país com a foice e o martelo na bandeira, havendo quem diga que parou no tempo, apesar dessa ideia, no terreno, estar cada vez mais longe da realidade.
A independência da Transnístria, onde vivem transnistrianos de origem russa, ucraniana e moldava, foi declarada em 1990, depois da independência da Moldávia em relação à URSS e do governo moldavo ter proibido a língua russa.
A guerra com a Moldávia foi travada em 1992 com uma intervenção russa que ainda hoje mantém as suas tropas no terreno, sendo um conflito considerado congelado há quase três décadas, mesmo que não resolvido.
Uma economia movida a Sheriff
Apesar da foice e do martelo que continuam na bandeira e do passado soviético que se vê nas ruas, nos edifícios e nas estátuas, a Transnístria é atualmente tudo menos um país comunista.
A economia, totalmente capitalista, está altamente dependente de uma empresa com o curioso nome de Sheriff, que está espalhado por todo o lado.
Nas ruas, entre os poucos que falam inglês, há quem se queixe desta estranha empresa que domina e até monopoliza muitos setores: supermercados, bombas de gasolina, bancos, hotéis, telecomunicações, fábricas de álcool, venda de certas marcas de carros e até o clube de futebol (que também se chama Sheriff).
Os fundadores da empresa, diz-se, eram dois polícias e a Sheriff até tem ações de apoio social aos transnistrianos e faz obras públicas.
Dmitri Tokarev, um transnistriano de 40 anos, explica que as limitações de um país que não é reconhecido por ninguém levaram o Estado a ter de encontrar, na década de 1990, um parceiro privilegiado a quem deu alguns monopólios e benefícios fiscais para que investisse onde dificilmente alguém se arriscava a colocar dinheiro.
Dinheiro de plástico...
Salva da guerra com a Moldávia pela intervenção russa, a Transnístria tem tudo o que um país normal tem, menos o reconhecimento internacional.
A lista é longa e não ficará certamente completa: há uma Constituição da República, fronteiras, polícia, exército, hino, parlamento, governo, presidente, banco central, impostos e até moeda própria (que, naturalmente, não pode ser usada em mais lado nenhum).
Um euro vale cerca de dezoito rublos transnistrianos, sendo que a Transnístria tem ainda outra particularidade: além das moedas e notas normais, como qualquer outro país, também tem moedas de plásticos (ver fotogaleria).
Transnístria ou Pridnestróvia?
Apesar de conhecida por Transnístria (palavra romena), a população de origem russa que domina o país e declarou a independência prefere chamar-lhe República Moldava da Pridnestróvia (palavra de origem eslava).
Além da origem linguística diferente, os diferentes nomes têm um outro peso: para os moldavos, em romeno Transnístria significa literalmente "para lá do rio Dniestre", o curso de água que separa o território do resto da Moldávia.
Dmitri Tokarev, que viveu vários anos em Angola e fala um português perfeito, explica que é uma questão de ponto de vista: "Para nós, visto de Leste para Oeste e não de Oeste para Leste, a Transnístria é a Moldávia!"
O país secreto
Apesar da ideia de país secreto, por vezes até associado pela Moldávia ao crime organizado e a uma espécie de "buraco negro" da Europa, nas ruas de Tiraspol anda-se sozinho a qualquer hora do dia ou da noite.
Dmitri acrescenta que nos últimos tempos o governo quer tudo menos secretismo e tentou abrir-se. Facilitaram-se, por exemplo, as regras de entrada a turistas. O objetivo é divulgar um país que não é reconhecido legalmente por nenhum Estado das Nações Unidas e, talvez pior que isso, que quase nenhuma pessoa no mundo conhece ou já ouviu falar.
A recente empresa de turismo de Dmitri e da mulher, Maria, a Go Transnistria (go-transnistria.com), é um exemplo dessa abertura. A imagem de marca é a "velha" foice e martelo e apresem o país como "O destino mais fora do comum da Europa".
Andrey Smolenskiy, outro transnistriano com pouco mais de 30 anos, confessa que é difícil explicar a um estrangeiro o que é o país onde vive, sublinhando que nem ao Festival da Canção podem ir: "Vai-se ao festival e todos ouvem os nomes de países como, sei lá..., o Azerbeijão, o Liechnstein, São Marino... Nós, nem isso".