Isabel Lucas é jornalista especializada em literatura. Viajou até ao sonho americano e agora ao "país do futuro", o Brasil. O livro sai em setembro em Portugal. Grande entrevista na TSF.
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Isabel Lucas é jornalista e crítica literária, escreve regularmente no jornal Público e colabora com várias publicações. Tem vivido, nos últimos anos, entre Lisboa e Nova Iorque. É autora do livro Conversas com Vicente Jorge Silva (Temas e Debates, 2013) e Viagem ao Sonho Americano. Esta é uma conversa que durou uma hora num estúdio de rádio, entre duas pessoas que se conhecem há quase trinta anos e partilham o gosto por conhecer livros, pessoas e lugares no mundo. E também no Brasil.
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Porquê Viagem ao País do Futuro?
Esse título pretende sobretudo lançar várias perguntas sobre o que é o Brasil ou sobre o que tem sido o Brasil e essa mesma palavra, futuro, aplicada ao Brasil. Ela foi dita pelo Stefan Zweig, um estrangeiro (escritor austríaco) e que, curiosamente, foi para o Brasil como refugiado e acaba por se suicidar no Brasil. Acaba por definir numa frase aquilo que é uma espécie de mitologia do Brasil que é essa potencialidade que parece nunca poder ser concretizada e continua a ser um projeto. Aqui eu chamo outra questão a esta conversa que é a ideia de nação que pode ser aplicada ao Brasil, se é que o Brasil tem esta ideia de nação, além de uma língua comum. Essa foi também uma das perguntas que fui tentando fazer neste livro. Mas o título foi-me apresentado, à partida, quando me foi lançado o desafio para escrever esta série de reportagens e para fazer uma espécie de jogo com o livro anterior sobre os Estados Unidos, Viagem Ao Sonho Americano. Aquele livro é também uma mitologia e tem provocação, tem ironia e tem isto tudo.
A ideia foi fazer uma réplica da Viagem ao Sonho Americano?
Não, não foi uma réplica e o título nem fui eu, foi quem me convidou para fazer. Eu não queria fazer uma réplica. Eu resisti a fazer esta viagem ao Brasil com a literatura do Brasil. Várias pessoas me tinham falado dessa hipótese, sobretudo brasileiros que me desafiaram a ir fazer o mesmo ao Brasil, mas eu fui resistindo porque a minha relação com o Brasil é diferente da relação com os Estados Unidos, a minha relação com a literatura brasileira é diferente da relação com a literatura americana.
Diferente porque menos aprofundada?
Diferente porque menos aprofundada talvez, infelizmente aqui faço um mea culpa: aquilo que, nós portugueses, sabemos da literatura brasileira é muito pouco em relação à riqueza e à diversidade da literatura brasileira. Sabemos muito mais e chega-nos muito mais dos EUA. Os editores e jornalistas que escrevem sobre literatura sabem que publicar autores brasileiros em Portugal é uma aventura, normalmente, para perder dinheiro. Exceto o Paulo Coelho ou coisa assim, mas o Paulo Coelho não é propriamente de uma nacionalidade. Quando se pensa em Paulo Coelho não se pensa em Brasil. É como uma espécie de ser que paira sobre o mundo.
Como aquele autor chamado Daniel Silva que se vê em todo o lado...
Exato, são autores em que não pensamos enquanto representantes de uma cultura, são outra coisa, mas sim eu tinha algum conhecimento e devo muito desse conhecimento em relação à literatura brasileira a um editor que fez uma grande divulgação da literatura brasileira em Portugal, e publicou muitos livros importantes chamado André Jorge na editora Cotovia, que, infelizmente está a fechar ou já fechou. Ele fez esse esforço e foi-me apresentando muitos autores e falando muita gente. Para mim, não era propriamente um mundo desconhecido mas quando se faz a comparação entre os Estados Unidos e o Brasil em relação àquilo que eu conheço, o Brasil que sai a perder. E também sai a perder enquanto espécie de território. O que eu conhecia do Brasil antes de fazer isto, era um pouco de São Paulo, um pouco do Rio e pouco mais. Não tinha estado sequer em Brasília e não me apetecia repetir uma fórmula; sobretudo tinha muito medo de cair num "mais do mesmo". Eu não queria mesmo nada que isso acontecesse. Há um parentesco, digamos assim entre estes dois livros. Para retomar a história do título, foi um brasileiro chamado Wellington de Melo que me propôs este título, porque para ele havia uma espécie de paralelismo entre o sonho americano e o país do futuro em relação ao Brasil. Parto com esta ideia de país do futuro, mas ela não me condicionou nada, porque é um título e um tema tão ambíguo, permite tantas leituras que não dirige nada.
Pelo que leio na introdução, e sabendo que os textos que constam deste livro foram sendo publicados tanto no jornal Público como no jornal literário Pernambuco, houve a preocupação de escrever para leitores dos dois países...
Houve a preocupação de saber que estava a ser lida por leitores de dois países e isso foi uma preocupação na escrita, no modo como a abordava. Não na escrita das palavras que escolhi, porque depois uma outra fui aprendendo que aplicá-la no Brasil não era o mesmo que aplicar em Portugal. Também foi uma aprendizagem.
No Brasil, não vale a pena perguntar se as baratas trepam, como escreves no livro...
(Risos) Trepam e voam!
Foi num autocarro...
Entre Parati e o Rio de Janeiro. Eu vi a barata, que não é propriamente um animal com que simpatize e não vi qualquer alvoroço na parte da frente do autocarro. Era uma coisa assim lá à frente, mas não havia mais reação. E olhei para a janela e vi baratas na janela do autocarro e a senhora que estava a meu lado, continuava muito composta. Nunca mudou de posição naquelas cinco ou seis horas de viagem, com a mala sempre no colo, uma mala muito direitinha e ela ficou impávida com a barata. E eu perguntei, assim muito timidamente: as baratas trepam? E mal tinha acabado de dizer este verbo, pensei: "eu não devia ter dito isto". E ela continua impávida e diz: "elas trepam e voam". A minha preocupação aqui foi não ter um discurso didático, no sentido em que se estivesse a escrever só para portugueses, poderia cair num didatismo ou explicações que para um público brasileiro, não fariam sentido, eram redundantes. Tive de escrever num tom que me permitisse ser lida da mesma maneira, ou com igual interesse, num lugar e noutro lugar. Um Brasil que aparentemente se conhecerá mais a si próprio, e digo aparentemente porque depois há muitos Brasis no Brasil, um olhar muitas vezes feito de clichés. E esse foi de facto o grande desafio. Mas a maneira como eu escrevi, ou seja, o meu português de Portugal sem o acordo ortográfico foi o português que saiu nos dois jornais e que está nos dois livros. Não houve adaptações à exceção de uma outra expressão.
Até pelo conhecimento que já assumiste que não é tão aprofundado como em relação aos Estados Unidos, onde foste vivendo com alguma frequência, no Brasil é um olhar de fora ou nalgumas coisas é um olhar de dentro?
Acho que isso é uma surpresa. É estranhamente um olhar familiar; acontece sobretudo no mundo rural, como se houvesse um reconhecimento que tem a ver com o modo de ser. Com expressões que se usam. Há uma maneira que é muito reconhecível para mim. Eu não cresci numa cidade, grande mas sim no campo, portanto para mim o campo é familiar. Aí, entre Portugal e Brasil, não são campos iguais, não são ruralidades semelhantes, mas há uma génese. Não percebe de onde é que vêm determinadas coisas e depois tentamos perceber por que é que elas persistem num lugar como o sertão, por exemplo, um lugar que se mantém fechado mas muito pouco permeável a tudo o que há de novidades no sentido mais cosmopolita. As pessoas estão muito fechadas porque é um mundo pobre e aquilo manteve-se muito mais parecido com o que, eventualmente, seria a ruralidade no sul da Europa por exemplo. Há ali coisas que reconheci como muito familiares, uma espécie de modo de lidar com o tempo, não com o tempo atmosférico mas o tempo, um olhar meio perdido, meio sem pressa, a maneira como a ironia é utilizada, que também conhecemos muito das aldeias do interior, sejam do Alentejo ou sejam do Norte. Assim como o modo de falar. Era mais fácil ser eu ser entendida do que uma amiga de São Paulo que quis ir comigo nessa viagem. Isso para mim foi muito estranho, mas senti-me muito bem, devo dizer. E a ela não, presumo. Mas lá está, são muitos países dentro daquele país.
Foi um trabalho que acabou por ser condicionado pela pandemia?
Sim. Era para ter havido uma última viagem ao território meio mítico, meio inventado do Guimarães Rosa e do Grande Sertão. O livro ficou marcado por algumas coisas assim estranhas. Há uma altura em que a pandemia se intromete até na minha escrita. Lembro-me que estava a escrever, no final de março, um dos textos sobre São Paulo, com base na Lygia Fagundes Telles e em material que tinha sido recolhido no inverno, dois ou três meses antes, e eu tive muita dificuldade em lidar com a escrita daquele texto porque não conseguimos naquele momento, todos nós passámos por isso, até por não sabermos até que ponto aquilo, a pandemia, nos iria ou não transformar, ou mudar completamente o mundo. E eu achei que não poderia escrever um texto naquele tempo, não seria honesto enquanto jornalista se eu não assumisse a minha perplexidade. Nesse texto, estou a escrever transportando a minha realidade do presente para uma coisa que eu tinha visto há dois meses. E isso foi assumido porque a vida que eu estava a escrever naquele momento já não existia. Ou seja, o momento da escrita tornou-se decisivo, como o momento em que mudou a escrita.
A vitória de Jair Bolsonaro foi o gatilho para avançares com o livro?
Foi. O facto de estar em São Paulo nessa noite fez-me querer entender um bocadinho melhor o que se estava a passar. Eu tinha estado numa noite semelhante nos EUA, em Nova Iorque, quando Trump ganhou as eleições e tinha assistido a uma coisa que, tendo algumas semelhanças, era diferente, apesar de tudo. Em Nova Iorque, eu estava numa cidade que se silenciou com a vitória de Trump. Havia um silêncio triste.
Também lá estava...
Pronto, percebes. E em São Paulo, que é uma cidade gigantesca, era uma cidade, naquele dia, de tudo menos silêncio. Havia uma espécie de ruído na rua, o ruído de tiros de quem celebrava, o ruído era violento, o ruído de helicópteros a voar baixinho. E essa divisão que também existia na América, no Brasil parecia uma divisão mais tensa. Em Nova Iorque só havia um lado porque Nova Iorque é uma cidade que não votou Trump, é maioritariamente democrata. Aqui havia uma tristeza de ver uma grande cidade, das maiores cidades do mundo, perfeitamente dividida. Isso e a insistência das pessoas, levou-me a tentar fazer esta viagem, era a única altura em que eu podia ter este privilégio de tentar perceber o Brasil um bocadinho melhor. Não sei se consigo mas pelo menos vou andar por aí e falar com as pessoas, tentar ouvi-las e saber um bocadinho mais: porque é que aquelas famílias, naquela noite, se desintegraram, no sentido do pai que deixou de falar com o filho, o homem que deixou de falar com a mulher, a mulher com o marido. Havia divisões, havia uma violência muito assustadora para quem nunca tinha assistido a nada daquilo.
Vamos seguir o livro... "Os Sertões" de Euclides da Cunha... com esse livro, que Brasil é que nos mostras? O Brasil sertanejo e a guerra de canudos no final do século dezanove, que nos remete para um dos acontecimentos que mais simbolizam as História do Brasil, Euclides chama-lhe um refluxo na história brasileira, quando António Conselheiro, a pretexto de pretender a criação de uma sociedade igualitária, rejeitou respeitar as leis da República recém-formada... Uma das pessoas que ouviste chama-lhe "uma memória desagradável e perturbadora"...
Sim. Esse momento que o Euclides da Cunha regista nos Sertões... é um livro difícil de catalogar num romance, é um livro sobre factos. Ele pretende descrever isso de uma perspetiva jornalística, embora depois ponha lá coisas que podem ser ensaio, podem ser o que se quiser e que relatam um episódio fundador na história do Brasil no sentido em que essa ideia de os brasileiros se agarrarem sempre a uma espécie de salvador seja ele quem for. Bolsonaro também personifica esse lado, uma espécie de sebastianismo levado para o Brasil, fomos nós que levámos daqui esse aspeto. É perturbador porque essa semente está lá e continuará a continuar a florescer. é como se houvesse, por um lado, uma vontade enorme de democracia, lutar pela democracia. Por outro lado, há uma tentação tremenda de se agarrar a alguém que tome conta de nós porque seria muito bom não termos que pensar muito no assunto.
E remete tanto para a resistência ao poder central, como também remete para o território das crenças e da fé, da manipulação da fé?
Sim, também com o papel da igreja evangélica no Brasil...
Sobretudo junto àqueles são mais vulneráveis e mais pobres, menos qualificados....
Exato. E quem viaja pelo Brasil percebe a força. Basta entrar num táxi e perceber a quantidade de taxistas ou condutores de Uber que estão sintonizados em rádios evangélicas. E depois o discurso que vem daí. Entrar num café mais popular e perceber que estão lá muitos panfletos e jornais que têm a ver com isso, as televisões ligadas em canais evangélicos. No mundo rural, e ruralidade no Brasil é imensa, é tremenda, tal como nas periferias mais pobres das cidades, a igreja evangélica tem um papel absolutamente estruturante.
E isso acabou por ser uma base de apoio importante do atual presidente. Pegando noutro dos teus interlocutores nesta parte do Brasil, Lourival Holanda, em muito o sertão ainda não foi arrancado do esquecimento, ainda é uma região marginalizada...
Sim. E aqui, com todas as salvaguardas e todas as coisas que devem ser feitas, percebe-se que o sertão, apesar de tudo, mudou nos últimos 20 anos. E mesmo para quem nunca lá tivesse estado antes como nós, há uma nova geração que passou a ter acesso à universidade que nunca jamais teria tido sequer esse sonho, não passaria de um sonho. Houve casas que passaram a ter água, construção de muitos depósitos que permitem ter água em casa. A água é um bem raríssimo no sertão, uma região muito seca e onde dificilmente alguma coisa cresce durante anos, pode até não crescer mesmo nada. Há essa imagem que conhecemos dos filmes do Glauber Rocha, aquele pó, aqueles cadáveres de animais ao longo da estrada, aquilo existe.
Vais, aliás, buscar aquela imagem muito marcante do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol do Glauber Rocha...
Exato porque é impossível passar por ali, tendo visto o filme e não fazer logo ali uma ligação. Mas houve uma mudança. Passou a haver menos burros, mais motas, para dizer daquelas coisas que são visíveis; casas com janelas e portas novas, casas pintadas. Isto tem a ver com os anos de Lula. Não é preciso perguntar grande coisa, são as pessoas que vêm dizer que o sertão mudou no que tem de melhor neste momento ou no que tem do chamado progresso, as coisas que são associadas ao progresso como um bocadinho de conforto, o acesso à educação, tudo isso teve a ver com os anos de governo do Lula da Silva, que terá olhado para aquela parte do país de outra maneira, até porque ele é de lá, ele conhecia como ninguém aquele território.
A única região do Brasil onde o PT ganha de forma muito clara. A Guerra de Canudos teve também alguma importância na forma como se foi organizando a então capital do Rio de Janeiro...
Sim porque houve ali uma espécie de ligação. Pude perceber esses circuitos. Eu sabia que o livro ia começar pelos Sertões de Euclides da Cunha, um livro de final do século dezanove. Estava na minha mente que era um livro bom para começar e estou muito grata por assim ter feito. Esse livro, com todas as falhas sobretudo factuais, que lhe são apontadas por investigadores mais recentes, tem no entanto momentos de literatura muito bons e permite perceber porque é que o Brasil hoje tem a estrutura que tem, porque é que certas cidades têm a relevância que têm, incluindo o Rio de Janeiro. Permitiu-me perceber porque é que a favela se chama favela, é uma árvore de resistência como quase todas são mo sertão. Parto para o resto da viagem como se essa ida ao Serão me tivesse ensinado a olhar para esse princípio de Brasil que, se calhar, eu nunca teria associado a esse lugar, mas que esse livro me fez ter.
Vinham do nordeste e fugidas à guerra de Canudos as pessoas que foram ocupando os morros, as hoje célebres e permanentes na paisagem carioca, favelas. Hoje em dia, mais de vinte por cento da população do Rio de janeiro vive em favelas. Chegamos então ao Rio de janeiro... 2016 ano dos Jogos Olímpicos... o futuro ia começar nessa altura... muita coisa mudou nestes últimos cinco anos... o presente no Rio está mais complicado... há menos qualidade nos serviços públicos... há mais violência, mais mortes nas favelas... mais crime por parte do tráfico de droga, mais crime por parte da polícia...
Sim, isso tudo. Mesmo que não tivéssemos essa informação, é como se confirmássemos essa informação quando se chega ao Rio como eu cheguei no verão de 2019 e encontrei um Rio de Janeiro triste. E é curioso porque nunca pensamos deparar com o sentimento oposto ao da alegria quando chegamos a uma cidade como aquela. Cheguei num dia de "ressaca" e eu não sabia o que era a "ressaca" aplicada ao mar mas era assim que estava o dia, com um mar muito picada. E essa palavra fez-me todo o sentido em todos os dias que ali passei porque serviu de metáfora. Era um Rio de ressaca de Jogos Olímpicos, um Rio de ressaca de muita exploração imobiliária, um Rio esgotado e perdido e que não parecia falar para o futuro. Havia marcas dessa conversa sobre o futuro porque estavam nas paredes que foram pintadas e nalguns bairros que foram arranjados de outra maneira, como se o futuro tivesse deixado ali uma espécie de pegada, mas o que estava ali era uma espécie de perdição que se sentia nas ruas. Toda essa violência, toda essa pobreza, muita gente a dormir na rua, muitos edifícios abandonados ou com letreiros a dizer "vende-se", um Rio votado ao abandono depois de ter sido sugado naqueles anos de 2014 a 2016.
Quais são as semelhanças entre a realidade contada por Machado de Assis, modelo maior da nação Brasil como escreves e o Sol na cabeça de Geovani Martins, jovem escritor com menos de 30 anos?
São dois autores muito diferentes. O Machado de Assis é um cânone. Quem alguma vez o leu, e falava sempre muito do quotidiano, fosse a falar do amor, da morte, da traição, falava das grandes questões do mundo muito a partir do interior das casas, da vida comum das pessoas. E o Geovani, com a sua maneira atual, a partir de uma favela, com a gíria da rua, igualmente nos apresenta a diversidade classista que o Machado nos apresentava. São paralelismo muito marcados: a exclusão continua lá, as classes também, E o negro. Estamos aqui a falar de dois coloridos, que o Machado de Assis também era. Na altura ninguém olhava para ele como tal, mas agora já se olha, embora com todas as apropriações, maiores ou menores, que são feitas.
Aliás, falas na mudança de perceção em relação ao Machado de Assis que algumas pessoas têm quando descobrem que é negro. E aliás, o próprio pensamento do escritor também se vai transformando...
É uma transformação. Quem escrevia não eram os negros. Não se pensava em homens negros a escreverem livros daqueles, não era tema. E entretanto, com todo o debate que há no Brasil sobre a questão racial, o modo como neste momento se fala de Machado de Assis também é diferente. E Geovani Martins é um menino de favela que se torna escritor porque um dia lhe foi parar às mãos um caixote cheio de livros de Machado de Assis. Parece coisa de novela mas foi assim que aconteceu.
E este capítulo sobre o Rio mostra bem o que é uma terra de cisões, de fraturas, de divisões profundas...
Sim, muitas. E elas estão lá, basta andar pelos morros e pelos bairros mais privilegiados do Brasil, eles são vizinhos. Está-se num condomínio de luxo a ouvir os tiros mesmo ali ao lado. A diferença tá na cara, como se diz no Brasil. É um país feito de grandes clivagens.
Grandes clivagens e, desde logo, uma profunda e estrutural divisão racial num país cujos líderes ao longo do tempo (talvez Bolsonaro seja uma exceção e não por motivos de progresso), foram vendendo a ideia de diversidade e de proximidade entre essa diversidade...
Sim, e que tem muito a ver com a forma como essa diversidade é vivida em casa. As casas no Brasil têm pessoas de várias raças mas a cada raça compete uma função na casa. A minha empregada vive no mesmo teto que eu, é verdade, mas as funções de uma e de outra são diferentes. As portas por onde entram são diferentes, o zelador está a proteger os privilegiados e não têm a mesma cor. Há quase que uma gradação por cor.
Uma multiplicidade de tonalidades, como também escreves no livro...
Também. Percebe-se que a estrutura do Brasil continua a ser marcada por isso. Foi-se vendendo muito a ideia do Brasil que tem essa diferença toda, e de facto todas as cores existem no Brasil, todas as cores de olhos, pele e cabelo, mas uma coisa é ver de fora e outra, bem diferente, é depois compreender como é que depois, na sociedade, essas diferenças se ajustam a modelos que não são propriamente os mais progressistas.
A cidade onde os problemas têm solução mas onde a solução se arrasta no tempo e nunca chega, como a despoluição da baía de Guanabara. É no capítulo sobre o Rio de Janeiro que convocas gente e escritores e livros para te ajudar a responder à pergunta: "o Brasil deu ou não certo?" E presumo que a resposta não seja "deu certo" ou "não deu certo"... sim ou não...
Eu acho que não é uma resposta de "sim" ou "não".Remete para muita coisa. Às vezes dá certo, às vezes dá errado. Mas vai dando. O Brasil vai andando. E esta capacidade de reinvenção que o Brasil também parece ter, o Brasil em alegria parece uma potência capaz de tudo. Mas passa por uma ideia messiânica, "é preciso ter alguém que nos salve", algo que é muito penalizador para essa potência de um coletivo que nunca se chegam a encontrar enquanto tal. Acho que as pessoas do Brasil se vão pensando separadamente, em função de raça, de classe, da região onde vivem, Das poucas coisas que une o Brasil é esta língua colonizadora, quase como uma grande vingança que fazem a esse colonizador é a maneira como tratam a língua. Conseguiram libertar-se através da mesma língua que os colonizou. Isso incomoda-nos um bocadinho, mas tem a ver com a forma como a língua se adapta a determinadas culturas e regiões e eles fazem isso com uma grande desenvoltura. Isso penso que é uma grande lição que nós podemos tirar enquanto falantes de português, esta imensa riqueza da língua e eles têm-na enriquecido bastante e penso que é o que mais une aqueles milhões de pessoas.
Tens resposta para a pergunta: quem traiu o Brasil?
A riqueza do território do Brasil é monumental, mas muita gente explorou o Brasil, muita gente continua a explorar o Brasil, aquela natureza parece inesgotável, mas sabemos que está em risco à velocidade com que é destruída. A exploração de riqueza, o minério, acontece de uma forma despudorada. Acho que todos nós temos de fazer um mea culpa porque nos aproveitamos deste roubo, de que os brasileiros também não estão isentos de culpa.
As vidas secas de Graciliano Ramos...e um Miró de Recife maIs de oitenta anos depois... para onde nos levam estas referências?
Para os da margem.
O Brasil dos eternos deslocados?
Isso. O Brasil de quem não tem lugar no Brasil. O caminhante, o que muda de lugar à procura de algo, por vezes é só alimento, nem é mais nada. E esse poeta de rua que é o Miró da Muribeca, que conheci, que vive na urgência da comida, mas também na urgência da fuga da adição, é alguém que sempre foi um excluído, são pessoas cujo estilo de vida não se ajusta. Viver fora do sistema tem custos. É alguém que viveu num bairro muito desprotegido do Recife e que é naturalmente um poeta, um artista. E quando estas coisas se cruzam com dramas pessoais e familiares, dão figuras como estas. Podia ser perfeitamente um personagem do Graciliano.
O que é que viste na aldeia Guarani de São Paulo, Krukutu?
Vi também pessoas que vivem no desajuste da norma. Mas que ganharam a capacidade de se contarem a si próprios. Eles descrevem e narram as suas histórias, pela primeira vez estão a ganhar dinheiro com isso.
Os indígenas brasileiros são menos de 1% da população total mas, ainda assim, cerca de 800 mil...
É muita gente mas é uma minoria e estão espalhados. Fazem parte de uma história de dizimação, carregam essa ferida na história que contam, querem apenas uma oportunidade para viver de acordo com a sua tradição, que não prejudica ninguém. Aquelas pessoas têm uma vida de verdadeira subsistência. É uma maneira de viver que só será ofensiva porque provoca no outro uma inveja. Eles não aspiram á riqueza, não querem uma casa com ar condicionado ou carro, eles querem é dignidade, viver o dia-a-dia como eu vi, com as crianças à volta, a conversarem com elas, a cortarem-lhes melancia a meio da manhã e as crianças têm fome, a cantarem-lhes canções, depois a fazerem uma espécie de liturgia ao fim do dia onde todos se encontram. São quotidianos que a nós nos causam alguma perplexidade, porque nos fazem questionar como é possível haver pessoas que vivem numa não-luta com o tempo.
Aliás, li que ficaste com vontade de aprender a gestão do tempo como fazem os guaranis...
Exato. Porque é absolutamente invejável e eu não faço ideia de como se faz. Como é possível estar-se deitado numa rede sem ter qualquer espécie de urgência? Isso para nós não existe. E a urgência para eles não existe. Aceitam o tempo como ele é.
A dada altura, escreves: "Tupã, Maité e Olívio têm telemóvel, escrevem em computador, tocam violão, vestem-se como qualquer pessoa numa qualquer cidade do mundo"... ou seja, para romper com os estereótipos em relação aos povos indígenas... Mas há ou não diferenças nos hábitos, no modo de viver?
Exato, não estamos a ver o índio nu (risos). Faz frio, é preciso ter roupa. E eles aprendem bem. Há uma adolescente de que falo aí que tem um telemóvel, dos mais rudimentares que existem, e sendo numa aldeia grande em que as famílias estão dispersas e têm o seu espaço de privacidade com uma série de construções, só há um lugar na aldeia onde há rede móvel. E eles usam o telemóvel porque precisam de estar ligados ao mundo real, precisam de ir ao médico e aí têm de fazer uma chamada telefónica. Organizam espetáculos para angariar fundos para a sua comunidade. É através do telemóvel que fazem esse tipo de comunicação e essa menina quis mostrar-me que já tinha Facebook e que tem amigos. "Tenho três", disse, cheia de entusiasmo e queria mostrar-me os amigos e conversar com eles. A escola é ali também. Mas o problema é que quando vão para outros lugares e contactam com outros escritores, são tratados de forma diferente: ou com alguma condescendência ou...
Uma das pessoas com quem te cruzaste, o Olívio, diz: "O índio é sempre desvalorizado. Por quê? Por falta de conhecimento. O índio no Brasil é visto como selvagem, preguiçoso, cachaceiro, vagabundo. E quando o índio é inteligente falam que não é mais índio. Quando sabem que estudei na USP (Universidade de São Paulo) e sou escritor, dizem: "Então o cara não é índio"." O preconceito está sempre lá...
O preconceito está sempre presente. Por exemplo, quando ele vai a alguns encontros de escritores, é visto como uma espécie de atração, um índio que escreve! Ele leva sempre a família ou raramente vai sozinho mas nos almoços de escritores a família não é convidada a sentar-se com ele. Ficam à porta e é-lhes servido qualquer coisa numa marmita. E já teve de dizer a várias pessoas: "não aceito que a minha família seja tratada como cachorro". A mulher dele é uma contadora de histórias oral, é de uma maneira quase encantatória que as pessoas se juntam à volta dela para a ouvirem e ela, sempre com as mãos ocupadas porque há uma timidez enorme, vai fazendo artesanato enquanto conta as histórias que se percebe que passaram de geração em geração. Ela não sabe escrever mas o marido e os filhos sabem e os livros que escrevem são resultado desta sabedoria coletiva.
Olívio Jekupé é escritor, estudou Filosofia na USP, tem 18 livros publicados... é ele que te diz "Felicidade é a gente ter tudo o que precisa sem exagerar."Está aqui tudo para resumir o modo de viver deste povo indígena, não?
Eles não precisam de quase nada.
Desde que haja o que comer, está tudo bem...
E uma rede onde se esticar.
Peço resposta à pergunta que fazes no início do capítulo seguinte: como é o Brasil visto do mundo subterrâneo, interior, de Raduan Nassar?
É um Brasil que é uma espécie de mundo velado, que não se deixa ver à primeira vista, é preciso ir descobrindo porque tem várias camadas, que a partir dos livros do Raduan Nassar, nos chega com uma beleza como que milagrosa. Tem trágico, tem muito de sensual, de interdito. É como que o sol para o qual não se pode olhar diretamente, não vás por aí. Vai andando e vai descobrindo, vai tendo atenção à paisagem e às palavras, ao modo como as pessoas se mexem e olham. É essa delicadeza toda feita de muito sentimento e de tragédia, ela está lá.
São Paulo, a cidade onde sentiste a tensão da polarização na sociedade brasileira após a vitória de Jair Bolsonaro...São Paulo é muitos Brasis ou encerra a diversidade do Brasil quando a percorremos para lá do centro dos serviços e negócios... há um mundo naquela metrópole além da Avenida Paulista.Vamos para sul, Curitiba, Paraná... porque é que a capital do Paraná é "uma estrangeira no Brasil"?
É uma cidade que parece pairar, é como se ela não tivesse aterrado completamente, parece sempre pronta a levantar. Talvez um dia levante e vá encontrar um espaço noutro lugar qualquer, foi a cidade do Brasil onde senti mais dificuldade em me situar. Também porque andava atrás de um escritor que não se deixa encontrar, Dalton Trevisan. Uma espécie de vampiro que anda por ali, alguém lhe vê a sombra... mas contam-se pelos dedos as pessoas que falam com Dalton Trevisan. E depois há mitos, do género que vai almoçar todos os dias à mesma hora ao mesmo restaurante, mas as pessoas depois vão lá e nunca ninguém o encontra.
Há outra pessoas que citas nesta parte do livro... Curitiba ainda é a Curitiba do autarca Jaime Lerner, que tive o privilégio de entrevistar aqui no Estoril e já não está entre o mundo dos vivos? Foi autarca modelo para a revista Time... Era uma cidade-modelo nos transportes, muito à frente do resto do Brasil e mesmo de algumas capitais europeias...Ainda existe essa Curitiba?
Percebe-se que houve ali essa intenção, de transformar a cidade numa cidade modelo, mas que está em decadência porque se calhar nunca foi completamente ajustado ao modo de vida. É uma cidade de arranha-céus, faz sempre muita corrente de ar, não é acolhedora. Sim, por um lado há planificação, continua-se a apanhar os transportes numa espécie de tubos, mas tudo aquilo está velho e parece ter sido esquecido. Claro que também tem lugares muito bonitos, o Jardim Botânico é um lugar bastante especial, o museu do Óscar Niemeyer também é um dos lugares que nos apaziguam, mas depois o resto parece demasiado planificado, tendo pouco em conta o aspeto mais humano. Pareceu-me que tem uma escala pouco humana. Não pelo lado do gigantismo, mas de um artificialismo talvez, mas depois é preciso muito dinheiro e vontade política para manter aquilo. É uma cidade aparte.
Manaus, um relato do centro do mundo... foste ao Encontro das Águas na capital da região que é o pulmão do planeta?
Não, infelizmente não consegui. Tive muita pena de não poder ir. É logo ali, quase se vê do céu quando estamos a aterrar.
O cruzamento dos rios Vermelho e Solimões...
Vi a Manaus de terra. Provei os peixes daquele rio, parecem ser animais de grande porte. Fui com um grande cicerone que me foi contando e apresentando as histórias de Manaus, e depois outra. Tive a sorte de descobrir Manaus com duas das pessoas que melhor conhecem a cidade, pessoas que conhecem muito bem a forma como a cidade se transformou e continua a transformar-se, é uma das grandes cidades do Brasil. E que escrevem sobre ela, como Milton Hatoun, um dos grandes escritores de língua portuguesa. Nós tivemos um bocado essa perceção do gigantismo de Manaus, com a pandemia. É uma cidade muito concentrada, onde muita gente vive em condições muito más, que contrasta com a cidade quase imperial que foi construída por quem tinha muito dinheiro e vinha ganhar mais muito dinheiro a Manaus.
A mestiçagem enquanto utopia na Baía... a Baia é, acima de tudo, para ti neste livro...a Baía de Jorge Amado?
De Jorge Amado claro, mas também de João Ubaldo Ribeiro. Da Ana Maria Gonçalves que também escreve sobre a Baía, vista por quem chega à Baía num barco de escravos, são vários livros que me ajudam a fazer a ponte. Eram todos livros que já tinha lido em diferentes fases da minha vida, mas claro que a primeira Baía que construí na minha cabeça foi a Baía de Jorge Amado, dos livros que havia lá em casa, Os Capitães de Areia, Gabriela Cravo e Canela, o Jubiabá. E depois chegas lá e percebes, de facto, que é uma cidade negra. Podia estar em África mas está no Brasil. Mas cheia de contaminações no sentido positivo da palavra. É uma Baía riquíssima, colorida, onde eu senti mais a sensação de alegria. Há ali qualquer coisa que parece não quebrar nunca, Há um colorido na Baía que também tem a ver com a gastronomia, com os corpos, com o mar e com a forma como se vive essa relação toda. É onde se faz as pazes com uma ideia mais feliz do Brasil. Ali a tristeza deve ter mais dificuldade em penetrar.
Porque é que dizes que o Rio Grande do Sul podia ser uma jangada como a que imaginou José Saramago?
Está numa espécie de enclave, calhou estar ali. É um território que foi disputado e é habitado por muitos povos, ao longo da história. Podia falar castelhano, tem algumas palavras desse vocabulário, mas fala português. Vê-se essa diversidade na diversidade de origens de nomes nas placas junto às campainhas nos prédios. E também na maneira como se vive. Porto Alegre podia ser uma cidade europeia, do centro da Europa. Mas têm uma identidade muito marcada e uma História que os vinca ali.
É um Brasil mais branco...
É um Brasil mais branco, mas também tem muita gente negra. Mas esse lado mais europeu é muito visível.
Por exemplo, a influência açoriana em Florianópolis, a capital do estado a norte do Rio Grande do Sul, Santa Catarina. Em Porti Alegre, como é que foi esse encontro com Luís Fernando Veríssimo, um dos grandes cronistas do Brasil nas últimas décadas?
Foi incrível. Há pessoas de quem nos tornamos amigos mas demora anos a fazer uma amizade; a sensação que eu tive ao entrar em casa do Luís Fernando e da família é que eles me acolheram como se eu fosse da família ou amigas deles há muitos anos. Eu ia fazer-lhe uma entrevista, e fiz, nunca tinha estado com ele ou com as pessoas da família, mas percebe-se logo que estamos perante alguém especial. Um homem reservado mas com um sentido de humor incrível, já bastante debilitado fisicamente, mas com um olhar muito atento ao que se passa, gosta de estar à mesa e partilhar, conversar à mesa enquanto se come um belo naco de carne porque ali tem que ser. Estamos no Rio Grande do Sul, se não for lá onde é que será? A carne e uma caipirinha e a conversa que ele incita mas na qual dificilmente participa. Ele gosta muito de ouvir as pessoas, gosta de instigar, mas quando se tenta tirar algo ao Luís Fernando é muito difícil. Mas depois lá vem alguma coisa de absolutamente surpreendente. Ele é assim, aquelas crónicas que ele escreve ajustam-se aquela pessoa. Só tive pena de não o ver tocar, ele toca numa banda jazz, mas neste momento já está bastante debilitado.
Foste também a Minas Gerais,... terminaste esta viagem ao país do futuro a 15 de dezembro de 2019... Ficou muito Brasil por conhecer?
Ficou. E não era para ter vindo nessa data. Mas o meu pai estava a morrer e morreu no dia seguinte. O livro está cheio dessas histórias que o foram fazendo, quando penso nele penso nas circunstâncias em que foi feito, nas condições da viagem, nas pessoas que fui conhecendo, quando no fim faço os agradecimentos parece que me falta muita gente, e falta. Quando fiz esta viagem não senti que fosse ficar tão perto do Brasil, no sentido mais afetivo. É um sítio que eu quero conhecer melhor, mas que eu sei que é muito difícil de conhecer ainda melhor, mas não me importo de voltar lá e continuar a conhece-lo mal. Sei que vou descobrir coisas.
Esta nossa conversa prova que, ao contrário do que escreves na introdução, sabes dar respostas sobre o Brasil, mas ainda prevalece no final a sensação de que o que sabemos fazer é mais perguntas...
Sim, é. É acabar o último texto e perceber que agora sei fazer mais perguntas, tenho mais perguntas para fazer, agora devia recomeçar e fazer outra viagem, ir para aquele sítio para perceber aquela coisa, a descoberta de mais livros e de mais autores, que nos ajudam, de alguma maneira a fazer as perguntas. E que não têm a ver só com o Brasil. O que acontece no Brasil ou acontece nos Estados Unidos tem a ver connosco, e cada um de nós vai-se encontrando nessa viagem e tentando encontrar explicações para o que está a acontecer ao nosso redor. Eu quando faço estas duas viagens a dois países que estão a viver momentos muito complicados do ponto de vista da política e da sociedade, estou a falar de países do mundo do qual nós fazemos parte. Sabemos como essas coisas também nos estão a atingir, do ponto de vista ambiental, do ponto de vista do consumo e dos modos de vida, da forma como nos colocamos no mundo perante as questões mais moralizantes...
Da relação com os outros...
E da relação com os outros. Como é que nós olhamos a diferença, nós que vivemos cada vez mais em bolha, e quando vamos a estes sítios percebemos que lidamos cada vez pior com a diferença, apesar de na nossa cabeça muito cosmopolita acharmos que somos pessoas muito abertas, mas depois não entendemos coisas básicas como acender uma fogueira porque é preciso. E olhamos para quem o está a fazer como se fosse um primitivo. Coisas tão absurdas quanto esta.