Victor Ângelo defende que reconhecer Palestina como Estado "tem sobretudo grande significado político"
Ouvido pela TSF, Victor Ângelo, antigo secretário-geral adjunto das Nações Unidas, considera que o reconhecimento do Estado Palestiniano é um passo na direção certa, apesar de ter pouco influência prática na resolução do conflito no terreno
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Vale reconhecer o direito dos povos palestinianos a ter um Estado. Aliás, é um direito que vem de muito longe, que já tinha sido reconhecido por alguns países e nomeadamente por muitos membros das Nações Unidas, há bastante tempo, mas era fundamentalmente ao nível dos países da Europa e dos países mais desenvolvidos, que esse reconhecimento não acontecia. É isso que estamos a assistir. Há uma nova realidade internacional em que a situação, nomeadamente a situação em Gaza e a situação nos territórios ocupados por Israel na Cisjordânia, fizeram com que países, como os da União Europeia ou o Canadá, reconhecessem que este é o momento de aceitar a Palestina como um Estado independente.
Mas, na prática, isto muda alguma coisa em relação à situação que está a ser vivida?
Na prática, isto tem sobretudo um grande significado político, na medida em que faz bastante pressão sobre a política de Israel em relação aos palestinianos, e em princípio deveria levar, digamos assim, o governo de Israel não só a reconhecer que há uma situação dramática que precisa ser resolvida, que é a situação dos palestinianos que vivem em territórios administrados por Israel, com também a situação absolutamente trágica que se vive neste momento na faixa de Gaza.
Se os Estados Unidos continuarem do lado de Israel, pensa que essa pressão da Europa e do Canadá será suficiente?
Não, de modo algum. Na realidade, o grande problema no que diz respeito ao reconhecimento da Palestina, de respeito à resolução do caso palestiniano, o grande problema é o apoio que vem de Washington em direção a Israel. E na realidade esse apoio vai continuar, certamente o Presidente Donald Trump não vai mudar de opinião pelo facto de 14/15, mesmo que sejam um pouco mais, de Estados desenvolvidos reconheçam a Palestina, mas é importante que esta instituição política se exerça no sentido de tentar resolver uma questão fundamental, que é aceitar que a Palestina é um território independente, deve ser independente, e é um território diferente do Estado de Israel. A verdade é que a única solução, embora cada vez isso pareça ser mais difícil, mas para a paz naquela parte do Médio Oriente é a existência de dois Estados vizinhos, lado a lado, que se respeitem e que reconheçam o direito à soberania, o direito à existência, quer do Estado de Israel, quer do Estado da Palestina.
O Estado palestiniano tem condições para funcionar ou só daqui a muitos anos é que isso vai acontecer?
Na prática não tem. Na prática, cada vez menos as condições existem, na medida em que os ataques frequentes, continuados, praticamente diários dos colonos israelitas que estão em território ocupado da Cisjordânia estão a fraturar totalmente esse território e a tornar a administração da Cisjordânia numa administração absolutamente impossível, ou seja, numa sucessão de fragmentos que dificilmente será viável. Por outro lado, há a questão fundamental, como sabe, do que é que vai acontecer politicamente, já não falo do ponto de vista humano, já não falo do ponto de vista da situação de guerra que existe, mas o que é que vai acontecer politicamente à faixa de Gaza e se Israel vai aceitar ou não que a Faixa de Gaza faça parte, seja integrada no Estado, num futuro Estado palestiniano. Mas neste momento, de facto, como me pergunta, não há condições para a Palestina sobreviver como Estado independente, mas isso não impede que seja um Estado independente. Há outros Estados do mundo que também não têm condições para serem independentes, para viverem de modo autónomo e com uma soberania total, mas para isso existe a cooperação internacional, para isso existe o sistema das Nações Unidas, existe o sistema da ajuda ao desenvolvimento e é isso que deveria acontecer também no futuro à Palestina, até ter condições para sobreviver de um modo independente. Mas, numa primeira fase, certamente teria que ser profundamente ajudada.
Pode dar-me alguns exemplos desses Estados que está a falar?
Eu posso-lhe dar vários exemplos. Na região do Pacífico, das ilhas do Pacífico, que na realidade não conseguiriam sobreviver se não tivessem a ajuda da Austrália ou da Nova Zelândia. Poderia em certa medida dar um exemplo ou dois relacionados com os PALOP. É muito difícil a Guiné-Bissau viver se não tiver o apoio da comunidade internacional e não tiver a ajuda da cooperação internacional e até em certa medida é relativamente difícil a São Tomé e Príncipe também sobreviver como Estado independente se não tiver o apoio internacional que neste momento tem.