Os dois seguranças do supermercado da rede Ricoy, em São Paulo, estão a ser investigados pela polícia e podem ser acusados de tortura.
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Um jovem negro de 17 anos foi despido, amordaçado e chicoteado por dois seguranças da rede de supermercados Ricoy, na zona sul de São Paulo, depois de ter sido apanhado a roubar um chocolate. A agressão aconteceu no mês passado, mas o momento foi captado num vídeo de 40 segundos que após ter sido partilhado nas redes sociais esta semana provocou uma intensa onda de indignação no país. Os dois seguranças estão a ser investigados pela Polícia Civil brasileira e podem vir a ser acusados de tortura.
O chefe de polícia Pedro Luís de Sousa instaurou um inquérito e garantiu que vai indiciar os dois seguranças do supermercado, Santos e Neto, de 37 e 49 anos, respetivamente, pelo crime de tortura. Esta quarta-feira vão prestar depoimento.
"Este foi um crime cobarde, extremamente violento, inominável. Francamente não consegui ver o vídeo todo. Isso é uma barbaridade, uma violência incomensurável. Eles agrediram a vítima simplesmente com o objetivo de a torturar, impingindo medo à comunidade", explicou Pedro Luís de Sousa ao jornal Folha de São Paulo.
No vídeo, depois de ter chicoteado o jovem pela terceira vez, é possível ouvir-se um dos agressores a rir e mandar a vítima virar-se. "Não quebrou nada", disse, referindo-se ao facto de a sessão de tortura não ter danificado a estrutura óssea da vítima. As imagens, de extrema violência, estão disponíveis no YouTube mas não são aconselháveis às pessoas mais sensíveis.
À polícia, o adolescente admitiu que tinha roubado um chocolate, revelou que já conhecia os seguranças e que esta não foi a primeira vez que o agrediram. "Quero justiça contra isso, eles fizeram maldade. Quero pô-los dentro das grades", afirmou a vítima à TV Globo.
Em resposta a toda a polémica, os responsáveis pelos supermercados Ricoy mostraram-se chocados com o episódio e sublinharam que os agressores não são seus funcionários, mas sim de uma empresa que contrataram em regime de outsourcing, cujos serviços dispensaram de imediato.
"Ficámos chocados com o conteúdo de tortura gratuita e sem sentido em cima do adolescente. O Ricoy, desde a sua fundação na década de 1970, exerce os princípios mais rígidos de valorização do ser humano, seja nas nossas lojas ou na nossa comunidade", pode ler-se no comunicado divulgado pela empresa.
Crime de tortura volta a ser discutido no Brasil
A onda de indignação que a agressão tem provocado no país levou a que várias figuras públicas reagissem nas redes sociais. Luciana Genro, antiga candidata ao cargo de Presidente da República pelo partido PSOL, escreveu no Twitter que o episódio a fez recuar aos tempos em que o Brasil era uma colónia.
"O Brasil de 2019 repete cenas do Brasil colónia. Até onde mais iremos regredir?", pode ler-se no Twitter de Luciana Genro.
Um jovem negro e pobre foi amordaçado, despido e chicoteado por furtar chocolate de um supermercado da Zona Sul de São Paulo. Um menino de 17 anos brutalmente torturado pelos seguranças do local. O Brasil de 2019 repete cenas do Brasil colônia. Até onde mais iremos regredir?
Marcelo Freixo, do mesmo partido de esquerda e candidato a governador do Estado do Rio de Janeiro, sublinhou que tortura é crime.
"Nada justifica a barbárie. Justiça é uma coisa e justiçamento é outra. Tortura é crime e os seguranças, assim como o estabelecimento, precisam de responder pelo que fizeram", escreveu Marcelo Freixo.
Na opinião de Ariel de Castro Alves, do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (Condepe), existem indícios claros de crime de tortura.
"A filmagem mostra que eles queriam exaltar os atos bárbaros e cruéis que praticaram. Tem até um certo sadismo. Como conselheiro do Condepe estarei a acompanhar as investigações e a cobrar a punição aos responsáveis por estes atos bárbaros e cruéis de tortura", disse Ariel de Castro Alves ao Folha de São Paulo.
A Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania também reagiu, lamentando o violento episódio. "A ocorrência de factos que ferem a dignidade humana e demonstram a intolerância da nossa sociedade com pessoas que deveriam receber atendimento civilizatório e adequado", acrescentou.
O crime de tortura acontece sempre que alguém é submetido, através de violência ou ameaça grave, a um intenso sofrimento físico e mental. A lei brasileira, de 1997, prevê penas de 2 a 8 anos aos acusados.