Vinte meses depois do início da invasão russa da Ucrânia, a Comissão Internacional Independente de Inquérito criada pela ONU submeteu a Guterres um relatório arrasador, sobretudo para as autoridades russas.
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A Comissão Internacional Independente de Inquérito sobre a Ucrânia encontrou novas provas de que "as autoridades russas cometeram violações dos direitos humanos internacionais e do direito humanitário internacional em zonas que ficaram sob o seu controlo na Ucrânia" e documentou outros ataques indiscriminados das "forças armadas russas, que causaram a morte e o ferimento de civis e a destruição e danificação de objetos e instalações civis".
As provas recolhidas demonstram ainda que "as autoridades russas cometeram os crimes de guerra de homicídio voluntário, tortura, violação e outras violências sexuais, bem como a deportação de crianças para a Federação Russa".
As autoridades da Federação Russa "recorreram à tortura de forma generalizada e sistemática em vários tipos de instalações de detenção que mantinham". As mais de quatro centenas de entrevistas realizadas pelos investigadores da Comissão com vítimas e testemunhas "revelaram um profundo desrespeito pela dignidade humana por parte das autoridades russas nestas circunstâncias". A Comissão documentou igualmente casos em que "soldados russos entraram de rompante em casas de aldeias por eles ocupadas, violaram mulheres e raparigas e cometeram outros crimes de guerra contra as vítimas e familiares".
Em "três casos, as investigações revelaram também que as autoridades ucranianas cometeram violações dos direitos humanos" contra pessoas que acusaram de colaborar com as autoridades de Moscovo.
Devido ao grande número de "acontecimentos relevantes e a condicionalismos logísticos e de segurança, a Comissão centrou-se em amostras de alegações e casos que ilustram padrões específicos". Para a elaboração do relatório, "a Comissão visitou 32 povoações em 9 regiões da Ucrânia, a maioria das quais nas províncias de Kherson e Zaporizhzhia, e deslocou-se à Polónia". A Comissão "baseou-se em "466 entrevistas com 445 pessoas (222 mulheres e 223 homens), inspecionou locais de ataques e locais onde foram cometidas detenções e torturas, e compilou e examinou documentos, fotografias e vídeos".
A comissão nomeada pelo conselho de direitos humanos da ONU e mandatada em março do ano passado, é liderada pelo norueguês Erik Møse e conta ainda com Pablo de Greiff (Colombia e Vrinda Grover (India). Neste relatório, mostram-se "preocupados com a gravidade das violações e dos crimes documentados e com o impacto que têm sobre as vítimas, os sobreviventes e as comunidades afetadas".
A Comissão apela às partes envolvidas no conflito para que "ponham termo aos crimes de guerra e às violações dos direitos humanos, que garantam a investigação e o julgamento atempados, completos, independentes, imparciais e transparentes de todas as alegações de crimes internacionais, violações do direito internacional em matéria de direitos humanos e do direito internacional humanitário, incluindo violência sexual e baseada no género e violência contra crianças; que ratifiquem os instrumentos internacionais de que ainda não são parte e que reforcem a proteção dos civis em conflitos armados".
A Comissão, entre outras recomendações, entende que a Federação Russa deve imediatamente tomar todas as precauções possíveis para proteger os civis e as infraestruturas civis, incluindo as relacionadas com a energia, que foram gravemente danificadas após os ataques maciços de outubro de 2022 a março deste ano, "cumprir rigorosamente o direito internacional humanitário e respeitar o caráter temporário de qualquer transferência ou evacuação de crianças, assegurando o seu rápido regresso; libertar ou devolver à Ucrânia todos os civis ucranianos que tenham sido deportados para a Federação da Rússia e que aí se encontrem detidos em consequência do conflito armado".
A Comissão recomenda que a Ucrânia, como passo preliminar para um programa global de reparação, estabeleça um registo de vítimas como "portal institucional" para uma melhor coordenação dos serviços governamentais às vítimas"; responda de forma abrangente às "necessidades de saúde mental e psicossociais resultantes do conflito armado, abordando o acesso e a afetação de recursos aos serviços relevantes, bem como o reforço da sua coordenação institucional, regulamentação jurídica, controlo e a avaliação; considere a possibilidade de criar um registo de ADN que ajude a identificar e a recuperar as crianças desaparecidas; harmonizar a legislação nacional relativa aos crimes de guerra, sempre que esta não esteja em conformidade com as normas internacionais, e alterar o seu código penal para clarificar a definição de "atividade de colaboração", a fim de evitar a sua aplicação".
A Comissão recomenda que outros Estados e organizações regionais e internacionais reforcem os mecanismos de responsabilização nacionais, regionais e internacionais, tanto judiciais como não judiciais, nomeadamente melhorando a sua coordenação e propõe também "que os programas nacionais de reconstrução nacional ou de restituição de bens reconhecidamente necessários não sejam concebidos em detrimento das vítimas"; que continuem a "integrar a dimensão dos direitos humanos do conflito armado na Ucrânia e "a dimensão dos direitos humanos no conflito armado na Ucrânia" na ordem de trabalhos do Conselho de Segurança.