Friedrich Merz, líder da vitoriosa CDU alemã, já abriu a porta a negociações com o SPD, os sociais-democratas de Olaf Scholz, que, apesar do pior resultado do partido em mais de cem anos, acabam por ser essenciais para a formação de uma maioria no Bundestag. AfD, de extrema-direita, aposta na vitória em 2029
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A vitória da CDU/CSU nas eleições alemãs deste domingo foi clara, com perto de dez pontos percentuais de avanço sobre a AfD (Alternativa para a Alemanha), mas longe de uma maioria absoluta, o que implica negociar com o SPD, do chanceler cessante Olaf Scholz, o que provocará, em caso de sucesso negocial, deixar o palco de principal partido da oposição, unicamente para o partido de extrema-direita com laivos de neonazi.
A derrota foi estrondosa para o SPD, o partido social-democrata ficou pelos 16% dos votos, o que é o pior resultado desde a Segunda Guerra Mundial. O atual chanceler Olaf Scholz pode não ter outro remédio senão passar à reforma, deixando a liderança do partido. Mas será ele ainda a negociar um Governo de grande coligação com o chanceler que sai destas eleições e com quem manteve uma campanha tensa, apesar de cordata nos dois debates televisivos que protagonizaram? Em breve, ficaremos a saber.
A extrema-direita neonazi AfD conseguiu duplicar os votos e é agora a segunda força política do país, apostando na vitória daqui a quatro anos. Venceu num dos estados federados a leste, a Turíngia e ficou também perto da vitória na Saxónia; na parte leste da Alemanha, a extrema-direita foi o partido mais votado com 34% dos votos e o dobro dos votos conseguidos pela CDU que venceu a nível nacional. Nos territórios da antiga RDA, os partidos do centro-direita e centro-esquerda não conseguiram sequer – juntos – chegar aos 30% dos votos. O eleitorado de leste sempre se sentiu maltratado, deixado para trás; a votação na extrema-direita reflete também esse sentimento de abandono. Com o SPD num Governo de coligação, a extrema-direita ficaria como único grande partido no Bundestag a incorporar em si todo o eventual descontentamento gerado pelas medidas de um Governo que vai ter de enfrentar uma recessão e uma conjuntura internacional desfavorável, com uma guerra comercial com os EUA no horizonte.
Para Jana Puglierin, diretora do escritório de Berlim do think-tank European Centre on Foreign Relations (ECFR), "Friedrich Merz tem a oportunidade de formar uma coligação estável com o SPD. O candidato tem repetidamente sublinhado que vê a Alemanha como uma potência líder na Europa e já estabeleceu contactos estreitos com os Governos polaco, francês e outros Governos europeus durante a campanha".
A investigadora entende que Merz parece reconhecer a dimensão dos desafios e "vê a Alemanha como um Estado-chave para os enfrentar. É importante que agora consiga mobilizar os recursos financeiros para uma política de segurança e defesa alemã forte. No entanto, isto pode revelar-se muito difícil. Se quiser flexibilizar o travão da dívida ou criar um segundo fundo especial para a defesa, precisará dos votos da AfD ou do Partido de Esquerda (Die Linke)". Embora este se oponha fundamentalmente ao travão da dívida, "é pouco provável que esteja disposto a suavizá-lo em nome de um aumento das despesas com a defesa".
Uma coligação preto-vermelho (CDU-SPD, a chamada Grande Coligação) não traria uma mudança fundamental no apoio à Ucrânia. Ambos querem continuar a apoiar o país invadido há três anos pela Rússia a nível militar, financeiro e humanitário. Mas Puglierin também reconhece que "o financiamento continua a ser um importante ponto de discórdia entre os dois partidos, com o SPD a continuar a opor-se a cortes maciços no orçamento social. Merz também foi mais longe do que Scholz no passado sobre a questão de quanto risco a Alemanha deve estar preparada para assumir. No entanto, o que vai mudar aqui é menos do que muitos pensam ou esperam".
Mark Leonard, diretor do ECFR, afirma que "o desafio histórico para Friedrich Merz é ajudar a construir uma Europa autónoma. A Alemanha só conseguiu rearmar-se e afirmar a sua independência em relação à Rússia quando as alas pacifistas e favoráveis ao compromisso do SPD avançaram para o aumento das despesas com a defesa e para o corte de relações com Moscovo. E é o passado ultra-atlantista e fiscalmente conservador da CDU de Merz que dá força aos seus apelos à independência em relação aos EUA e que lhe dará a credibilidade necessária para enterrar a questão do travão da dívida".
No plano interno, Merz precisa de ajudar o país a "renovar o seu modelo económico e a investir no futuro. E, na cena europeia, terá de forjar uma relação de segurança inteiramente nova com outros países - e reinventar as relações com o Reino Unido para o mundo de Putin, Xi e Trump".
Que impacto no sul da Europa?
José Ignacio Torreblanca, responsável pelo ECFR em Madrid, lembra que, após a vitória da CDU-CSU na Alemanha, "Pedro Sánchez é o último social-democrata num grande Estado-membro da UE". No seu entender, este facto tem várias implicações: "Sánchez terá, sem dúvida, mais dificuldade em defender a sua agenda política em matéria de migração e clima, domínios em que o seu Governo é minoritário na Europa. Mas o que é importante para Espanha é o que vai acontecer com as despesas da defesa. Se Merz conseguir aumentá-las, levantando o travão da dívida, isso colocará a Espanha numa posição difícil. A despesa espanhola com a defesa está no fundo do poço da NATO e não tem perspetivas de chegar aos dois por cento em breve".
Sánchez está relutante em alterar o objetivo de atingir 2% até 2029, defendendo "o financiamento do aumento das despesas com um programa de dívida europeu". Sánchez também usou a vitória de Merz para apontar o dedo ao líder da oposição espanhola, Alberto Núñez Feijóo (PP, de centro-direita tal como o partido do próximo chanceler alemão), "por não ter aplicado um cordão sanitário equivalente ao partido de extrema-direita VOX".
Em Portugal, o primeiro-ministro felicitou o líder dos conservadores alemães, Friedrich Merz, pela vitória do seu partido nas eleições legislativas alemãs e salientou "os desafios comuns a Portugal e Alemanha na União Europeia, NATO e Nações Unidas". Montenegro afirmou estar "entusiasmado com a perspetiva de trabalharmos juntos no aprofundamento das relações bilaterais entre Portugal e a Alemanha", como escreveu na sua conta oficial na rede social X (antigo Twitter).