Vírus da poliomielite circula na Europa há três meses. Alta taxa de vacinação deixa Portugal "confortável"
Especialistas destacam, na TSF, que Portugal é um dos países da Europa com "melhor cobertura vacinal" e afirmam que a presença do vírus em Espanha é "surpreendente"
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O vírus da poliomielite está a circular nos esgotos de várias cidades europeias - incluindo Espanha, Polónia e Alemanha - há três meses. Especialistas afirmam, contudo, que Portugal está "numa posição confortável" devido à alta taxa de vacinação.
As primeiras amostras foram detetadas em análises de rotina, em setembro, mas até ao momento não foi identificado qualquer doente. A Organização Mundial da Saúde, assim como as autoridades dos três países, estão a reforçar a vacinação e a vigilância.
O poliovírus detetado é de uma estirpe originária da Nigéria, que circula em algumas zonas de África. Em Espanha, surgiu numa estação de tratamento de águas residuais de Barcelona, capital da Catalunha, que tem 95% da população vacinada. As autoridades sanitárias decidiram dar a quarta dose de reforço a 25 mil crianças, entre os seis e os oito anos, que vão sendo chamadas ao centro de saúde.
Na Alemanha, o poliovírus está nos esgotos de Bona, Colónia, Hamburgo e Munique. O país tem uma taxa de cobertura vacinal na ordem dos 90% e também deu ordens aos profissionais de saúde para procurarem eventuais doentes.
A poliomielite é uma doença grave e contagiosa que não tem tratamento. Apenas há a vacina, que é eficaz, e o risco de contágio é tanto menor quanto maior é a taxa de vacinação na comunidade.
Em Portugal, a primeira campanha de vacinação contra a poliomielite começou em 1965. O último caso foi detetado em 1986.
A Organização Mundial da Saúde recomenda, ainda assim, aos europeus que mantenham uma vigilância apertada e altas taxas de vacinação contra este vírus.
O imunologista Luís Graça, do Instituto de Medicina Molecular, destaca que Portugal está "numa posição confortável" para lidar com esta situação por ser um dos países da Europa com "melhor cobertura vacinal".
"Por outro lado, também reforça a importância de mantermos essa cobertura nacional elevada. Sobretudo porque em situações no mundo em que há conflitos, baixa a cobertura vacinal e surgem novos vírus, inclusivamente vírus de doenças que são pouco frequentes em países com uma boa cobertura vacinal", explica, em declarações à TSF.
Luís Graça insiste que, mesmo para doenças que são muito raras, é importante manter taxas de vacinação altas, a fim de que a população possa estar "prevenida para qualquer eventualidade".
Já Gustavo Tato Borges, presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública, sinaliza este caso como a prova de que o vírus continua a circular, mesmo em zonas como a Europa, que há mais de 20 anos foi declarada livre da poliomielite.
"O vírus tem a possibilidade de circular e pode estar associado às viagens de pessoas e, a presença deste vírus nas águas residuais, mostra que pode haver uma comunidade de pessoas que tem o vírus, podendo não ter doença clínica, ou porque estão protegidos pela vacinação e, portanto, entraram em contacto com alguém que estava infetado, se calhar, nos países de origem, e que acaba por estar a excretar o vírus para as águas residuais", afirma, vincando igualmente a "importância" da cobertura vacinal "para minimizar este risco".
O líder da associação nota que, na maioria dos países europeus, as taxas de vacinação contra esta doença são "muito altas, o que significa que, à partida, não deveremos vir a ter casos de doença associados à possível circulação do vírus".
"No entanto, devemos estar com redobrada atenção para minimizar a entrada desta nova variante, dentro daquilo que é a nossa realidade epidemiológica, para não desequilibrarmos a realidade que temos em Portugal", alerta.
Tato Borges confessa, ainda assim, ficar surpreendido pelo facto de o vírus ter chegado a Espanha, até porque diz não ter "conhecimento de haver um movimento antivacina significativo" no país, que "possa colocar em risco a comunidade".
"Apesar de tudo, foi surpreendente. No entanto, sabemos que as pessoas circulam no mundo de uma forma bastante global, o que faz com que hoje alguém esteja num país que tenha sido detetada esta estirpe em pessoas, ou seja, em doentes, e que neste momento depois possa circular por todo o mundo", reconhece.