Visitas guiadas à fronteira mais armada do mundo. Coreia do Sul abre portas a um paraíso escondido
Fechada há mais de seis décadas, a Zona Desmilitarizada da Península Coreana vai ser aberta ao público. Na fronteira mais armada do mundo, pode tecer-se a solução para a paz entre as duas Coreias.
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Kim Jong-un explora áreas restritas da Zona Desmilitarizada da Península Coreana (ZDM) todos os fins de semana, desde há 20 anos. Leva consigo investigadores e entusiastas da vida selvagem. O Presidente norte-coreano levou uma década a aprender as estradas e a memorizar onde se encontram os habitantes da região. "Os últimos 10 anos foram gastos a tentar realmente entender estas áreas e por que estão lá certos animais, bem como em que época do ano cada planta floresce", explica Kim.
Mas a região, onde o Presidente da Coreia do Norte estabeleceu o Instituto de Pesquisa de Ecologia da ZDM em 2004, não é feita apenas de plantas, e, até agora, não tem sido flor que se cheirasse. Esta é a fronteira mais fortemente armada do mundo, uma terra do nunca para a maior parte da população mundial, uma terra de ninguém, com 258 quilómetros de extensão, 48 quilómetros a norte de Seul, estabelecida no Acordo de Armistício da Guerra da Coreia de 1953.
Por mais de seis décadas, esteve fechada à interferência humana, barrada com cercas e minas terrestres, mas agora vai abrir-se a passeios pedonais, segundo a CNN. Um paraíso armado, que serve de refúgio involuntário a todos os tipos de espécies ameaçadas, desde aves migratórias a mamíferos selvagens, como guindastes vermelho-coroados, garças-brancas, patos mandarim, cervos-almiscarados, cabras montesas e outros. Há até relatos de avistamentos de leopardo Amur, criticamente ameaçados, dentro da ZDM.
O Instituto Nacional de Ecologia da Coreia do Sul diz que existem cerca de 6.000 espécies diferentes de flora e fauna atrás do arame farpado.
Os turistas que procuram avistar a abundância de vida selvagem que prospera na Zona Desmilitarizada da Península Coreana têm uma nova opção a considerar. O Comando das Nações Unidas (UNC) aprovou a primeira fase do projeto "Peace Trail" da Coreia do Sul, que inclui planos para abrir três rotas ao longo da ZDM. O primeiro trilho aprovado está localizada em Goseong, na província de Gangwaon, no lado leste da Península Coreana.
O programa foi lançado a 27 de abril para marcar o primeiro aniversário da Declaração Panmunjom, assinada pelo presidente Moon Jae-in e pelo líder norte-coreano Kim Jong-un. Os visitantes começam a caminhada no Observatório da Unificação, e passam depois por cercas de arame farpado, antes de chegar ao Observatório Mount Kumgang.
"O Comando das Nações Unidas e o Governo da Coreia do Sul demonstraram um excelente trabalho de equipa, colaboração e coordenação em todo o processo do 'percurso da paz' e continuarão a fazê-lo", garante o general Robert Abrams, líder da UNC. "As forças armadas trabalharam durante longas horas para garantir o sucesso desta iniciativa tão importante, enquanto asseguram aos visitantes que a segurança deles é primordial", frisa ainda.
Paz à vista num terreno a perder de vista?
Um trilho da paz que poderá facilitar uma conciliação entre as duas Coreias. É assim que Kim Jong-un descreve a região, alvo de muitos estudos e medidas de proteção. Muitas vozes, tanto na Coreia do Norte como na Coreia do Sul e organizações ambientais internacionais, pedem a conservação da ZDM há décadas.
No entanto, o processo não tem sido fácil, e exige que as Coreias se unam. "Uma das questões mais angustiantes para mim é como as Coreias se podem unir e utilizar a ZDM como uma ferramenta de reconciliação", salienta Kim. "Eu quero proteger os recursos biológicos da ZDM como uma ferramenta para curar as feridas da separação", conclui o líder norte-coreano.
Para além do valor conciliador da região, a escassa interferência humana faz deste território um importante testemunho de sobrevivência. "Se fizéssemos uma experiência sobre como novas espécies poderiam ser renovadas quando a Terra fosse arruinada, a ZDM seria o melhor lugar", garante Kim Seung-ho, chefe do Instituto de Pesquisa de Ecologia da ZDM, que realiza estudos para melhorar a preservação do meio ambiente.