O voto desta tarde expõe a fragmentação do sistema político francês, uma vez que nenhum bloco dispõe de maioria absoluta. Os republicanos calculam cada passo, a esquerda hesita entre ambição e divisão, e a extrema-direita aposta na rutura
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A moção de censura desta segunda-feira pode ditar a queda do primeiro-ministro, mas também um novo equilíbrio de forças em França: os socialistas posicionam-se para liderar o próximo executivo, os republicanos impõem condições e Marine Le Pen, a líder da extrema-direita, pede a dissolução do parlamento.
Dentro de poucas horas, pelas 15h00 francesas (menos uma hora em Lisboa), os deputados da Assembleia Nacional vão decidir se mantêm ou não a confiança no governo de François Bayrou. O escrutínio, marcado pela incerteza, pode ditar a queda do primeiro-ministro e abrir uma crise institucional de grandes proporções, obrigando Emmanuel Macron a encontrar rapidamente um sucessor capaz de sobreviver no xadrez parlamentar mais fragmentado da V República.
Questionado sobre a possibilidade de vir a ocupar Matignon, o líder socialista Olivier Faure respondeu de forma clara: “Por que não eu?”, acrescentando que aceitaria a missão se o presidente da República lhe confiasse. A frase revelou a estratégia do Partido Socialista: reivindicar a possibilidade de liderança.
A reação da direita não tardou, reunidos em Port-Marly para o congresso de rentrée d’Os Republicanos, os militantes ouviram Bruno Retailleau elevar o tom. O ministro do Interior recordou que a entrada do seu partido no governo, há um ano, “foi uma decisão difícil, mas que devolveu à direita peso político e visibilidade” e avisou que, se o executivo cair, a participação num futuro governo não será automática. Afirmou estar “fora de questão aceitar que um primeiro-ministro socialista seja nomeado para Matignon”, estabelecendo assim uma linha vermelha para qualquer negociação com Emmanuel Macron. Nos bastidores, alguns deputados admitiram a possibilidade de um “contrato de governo” em torno do orçamento de 2026, mas Bruno Retailleau insistiu que as concessões não podem pôr em causa os princípios essenciais.
Em Beaumont, a líder da extrema-direita, Marine Le Pen não deixou margem para dúvidas. Perante os apoiantes, declarou-se pronta a “sacrificar todos os mandatos para impedir políticas absurdas” e confirmou que a União Nacional vai votar contra Bayrou. Foi mais longe ao exigir a demissão de Emmanuel Macron e a dissolução da Assembleia. Mesmo depois da condenação que a tornou inelegível por cinco anos, mantém-se combativa e disse que o seu partido é “a única alternativa credível” à instabilidade. E deixou um aviso: qualquer primeiro-ministro saído do “bloco comum” será censurado.
O voto desta tarde expõe a fragmentação do sistema político francês, uma vez que nenhum bloco dispõe de maioria absoluta. Os republicanos calculam cada passo, a esquerda hesita entre ambição e divisão, e a extrema-direita aposta na rutura. Neste equilíbrio, cada bancada tem o poder de derrubar ou salvar o governo. E mesmo que consiga resistir, François Bayrou sairá diminuído, forçado a multiplicar compromissos para se manter em funções. Se for derrubado, Emmanuel Macron enfrenta um dilema: encontrar um perfil de compromisso, capaz de gerar apoios improváveis, ou arriscar a dissolução da Assembleia com as incertezas que isso acarreta para o resto do seu quinquénio.
