"Vou até às últimas consequências para lutar pelo país." Dois meses e meio depois, Mondlane regressa a Moçambique
O candidato presidencial chegou ao aeroporto de Maputo sob fortes medidas de segurança. Aos jornalistas, afirma que quer promover o diálogo, testemunhar aquilo a que chama de "genocídio silencioso" e "defender-se perante a justiça"
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O candidato presidencial Venâncio Mondlane chegou esta quinta-feira cerca das 08h20 (06h20 em Lisboa) a Maputo depois de dois meses e meio a liderar a contestação aos resultados das eleições gerais a partir do exterior e sob fortes medidas de segurança na zona do aeroporto.
Desde há mais de duas horas têm-se intensificado os tiros, de gás lacrimogéneo e de metralhadora, nas imediações do aeroporto, onde os apoiantes de Mondlane estão concentrados e a tentar furar os acessos, que estão bloqueados e fortemente vigiados pela polícia e por militares.
Mondlane chegou a Moçambique com três objetivos em mente: promover o diálogo, testemunhar aquilo a que chama de "genocídio silencioso" e a "defender-se perante a justiça". Rodeado de apoiantes e jornalistas, o candidato presidencial adiantou que, em primeiro lugar, quer mostrar que está disponível para dialogar.
"O primeiro objetivo de estar aqui em Moçambique é quebrar a narrativa de que o diálogo não tinha participação do Venâncio porque o Venâncio estava fora do país. Apesar de vocês todos conhecerem os condicionalismos que me levaram a estar fora do país, eu tinha de quebrar essa narrativa de que estou ausente por vontade própria das iniciativas do diálogo. Então estou aqui presente, estou aqui em carne e osso para dizer que se querem negociar, se querem dialogar comigo, se querem ir à mesa de conversações, estou aqui presente. Acabem com essa narrativa", afirmou Venâncio Mondlane, avançando ainda que voltou ao país para visitar as valas comuns que existem, diz, com apoiantes da oposição.
"O regime optou criar uma espécie de um genocídio silencioso. As pessoas estão a ser sequestradas nas suas casas, as pessoas estão a ser executadas extrajudicialmente nas matas, estão a ser descobertos agora as valas comuns com supostos apoiantes de Venâncio Mondlane, há um crescimento geométrico de assassinatos e que eu acho que não posso estar bem protegido, quando o próprio povo que está no suporte da minha própria candidatura, dos meus valores, está a ser massacrado", disse, sublinhando: "Eu estou aqui para testemunhar isso e eu estou aqui justamente para monitorizar esse processo. Eu estou aqui para visitar as valas comuns, eu estou aqui para gritar em favor destes moçambicanos que estão a ser assassinados."
O candidato da oposição quer ainda mostrar à justiça que não é culpado dos crimes que diz estarem a ocorrer. Venâncio Mondlane reforça que quer fazer história.
"Venho aqui mostrar que estou disponível a submeter-me a justiça, a defender-me perante a justiça e a provar perante a justiça quais são os verdadeiros culpados dos crimes hediondos que aconteceram até hoje. Podemos acrescentar talvez mais um objetivo: eu quero estar nos bons e maus momentos como um elemento ativo, como um sujeito histórico ativo e disponível para apresentar as minhas ideias, para debater as agendas de desenvolvimento deste país e eu quero fazer isso aqui dentro do país. Independentemente de todos os riscos associados dessa situação, eu quero estar aqui neste país, quero fazer a luta dentro deste país e eu vou até às últimas consequências para continuar a lutar por este país", garantiu.
Venâncio Mondlane assume que o regresso a Moçambique traz riscos, mas que, ainda assim, vale a pena.
"O meu regresso não resulta de nenhum acordo político. O meu regresso é uma decisão unilateral, é uma decisão em que, como vocês sabem, já tinha feito um ofício ao Presidente da República, a dizer que para nós irmos ao diálogo, para irmos à mesa das conversações, havia uma série de pré-condições que a gente colocava para o Presidente da República satisfazer... Ele nunca as satisfez. Independentemente da falta de resposta do Presidente da República, eu disse: ‘Mesmo com todos os riscos, eu vou a Moçambique’", acrescentou.
Mondlane anunciou que o seu regresso ao país marca o início da nova fase de contestação aos resultados das eleições gerais de 09 de outubro, que denominou de "Ponta de lança".
"Se me quiserem assassinar, assassinem. Se quiserem prender-me, prendam. Sei que na minha queda a fúria popular que se vai verificar em Moçambique não tem comparação na história de África e de Moçambique", disse.
Confrontos entre a polícia e os manifestantes já provocaram quase 300 mortos e mais de 500 pessoas baleadas desde 21 de outubro, segundo organizações da sociedade civil que acompanham o processo.
O Conselho Constitucional (CC) de Moçambique fixou 15 de janeiro para a tomada de posse do novo Presidente, que sucede a Filipe Nyusi.
Em 23 de dezembro, o CC, última instância de recurso em contenciosos eleitorais, proclamou Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder), como vencedor da eleição presidencial, com 65,17% dos votos, bem como a vitória da Frelimo, que manteve a maioria parlamentar.
O anúncio levou de imediato a novos confrontos, destruição de património público e privado, manifestações, paralisações e saques, mas na última semana, sem novas convocatórias de protestos, a situação normalizou-se em todo o país.
O Tribunal Supremo já afirmou, anteriormente, que não há qualquer mandado de captura emitido para Mondlane nos tribunais.
Mas o Ministério Público abriu processos contra o candidato presidencial, enquanto autor moral de manifestações que, só na província de Maputo terão causado prejuízos, devido à destruição de infraestruturas públicas, no valor de mais de dois milhões de euros.
