"É muito raro encontrar um macaco morto na beira da estrada." Vacinar primatas pode travar uma pandemia
Vacinar os 2500 micos-leões-dourados existentes será muito mais fácil do que administrar vacinas a 7,8 mil milhões de pessoas. E é esta a nova metodologia que está a ser testada no Brasil, para a epidemia iminente da febre-amarela.
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A febre-amarela é um dos exemplos de doença sem uma vacina eficaz nos principais focos de contaminação. O obstáculo tem desafiado cientistas de todo o mundo, que agora se voltam para uma nova solução: vacinar macacos.
A BBC conta a história de uma equipa de investigadores que se fixou na floresta amazónica, no Brasil, a apenas 80 quilómetros do Rio de Janeiro, à procura de macacos, com uma pequena jaula metálica e um saco de bananas, um espólio reduzido que poderá estar na origem da resolução de um grande problema. A missão é travar o agente patogénico ainda no corpo do mamífero, antes que se transmita para os seres humanos.
Numa altura em que o Brasil enfrenta a segunda maior taxa epidémica de mortalidade causada pela Covid-19, a febre-amarela não deixou de ser uma doença com elevada letalidade na América do Sul. Aliás, os insetos responsáveis pela transmissão infetam 200 mil pessoas por ano, o que resulta em 30 mil mortes anuais. Os casos de febre-amarela causam sintomas entre a febre alta e a icterícia, a falência do fígado e hemorragias internas capazes de matar.
A taxa de letalidade da doença é superior à da Covid-19: 15% das pessoas que são infetadas com o vírus acabam por morrer, se não forem vacinadas. No Brasil, os números têm sido particularmente elevados. Em 2016, Minas Gerais e Espírito Santo, em plena Amazónia, foram focos de surtos. Um ano depois, a doença já se havia espalhado a vários pontos do território brasileiro, incluindo o Pará, a 4800 km de distância.
A BBC lembra que se tratou do pior surto em mais de 80 anos: mais de três mil pessoas foram infetadas e 400 morreram em poucos meses.
Carlos Ramon Ruiz-Miranda, biólogo de conservação da Universidade Estadual do Norte Fluminense, acredita que a elevada densidade populacional de macacos em florestas pequenas facilita as infeções. O mico-leão-dourado é a principal fonte de contágio animal-homem, no caso da febre-amarela. Os mosquitos são os vetores e os seres humanos, que avançam sobre a floresta, são os grandes responsáveis pela facilidade com que o vírus se propaga, e tudo indica que o processo não está em vias de parar.
Os investigadores são mesmo levados a acreditar que um próximo surto está prestes a acontecer e que será muito mais letal. A proximidade da floresta às grandes metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro, ligadas a todo o mundo por aeroportos e voos internacionais, preocupa a comunidade científica, que vê reunidas as condições perfeitas para a eclosão de uma epidemia de escalas muito superiores às registadas desde que a vacina da febre-amarela foi inventada, há cem anos.
Nas maiores cidades brasileiras, a taxa de vacinação dos cidadãos para a febre-amarela esbarra nos 50%, apesar da campanha iniciada em 2018, para administrar vacinas a toda a população. A Organização Mundial de Saúde também já emitiu um alerta de que poderá não haver vacinas suficientes no mercado, pelo que a produção deve ser aumentada. No entanto, limitações relativas à produção podem impedir a inoculação das pessoas necessárias para a meta da imunidade.
O que os cientistas defendem agora é que vacinar os 2500 micos-leões-dourados existentes será muito mais fácil do que administrar vacinas a 7,8 mil milhões de pessoas. E é esta a nova metodologia que está a ser testada no Brasil.
A febre-amarela também já matou quatro mil macacos, o que surpreende a comunidade científica. "É muito raro as pessoas encontrarem um macaco morto na beira da estrada; isso nunca acontece", assinala Carlos Ramon Ruiz-Miranda, em declarações à BBC.
Por isso, o maior desafio será mesmo encontrar os mamíferos, que se escondem na densidade verde da floresta amazónica. Mas os benefícios podem ser substanciais, tanto para a vida humana como para a vida animal, porque também os macacos padecem com a carga viral.