Missão "falhou". ONU encerra esta quinta-feira o principal escritório na Guiné-Bissau
Em 1999, foi criado um escritório da ONU para a consolidação da paz, após a guerra civil na Guiné-Bissau. Esta quinta-feira, a estrutura encerra, com a frustração das expectativas de uma "estabilidade governativa".
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Ao fim de 21 anos, as Nações Unidas encerram o principal escritório na Guiné-Bissau. Chega esta quinta-feira ao fim a missão do Gabinete Integrado da ONU para a Consolidação da Paz, uma estrutura criada em 1999 depois da guerra civil.
Ouvido pela TSF, Carlos Sangreman, investigador do Centro de Estudos sobre África, da Universidade de Lisboa, considera que ao fim de duas décadas esta missão da ONU não cumpriu o maior objetivo. "A principal função dessa missão era a estabilidade política, os direitos humanos e a reforma da segurança, seja da parte militar, seja da parte policial, também às vezes interpretada, ou somando com a reforma da justiça", explica o investigador, que fala em missão não cumprida.
"O que se pretendia era a estabilidade governativa, isso era a missão central. Durante estes anos as coisas não correram bem, falhou."
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Carlos Sangreman lembra que o sucesso destas missões depende muito do chefe de missão. E, neste caso, Ramos Horta e Miguel Trovoada são nomes que lhe merecem um elogio, por terem sido "dois chefes de missão muito ativos".
"A única crítica que se poderia fazer era que eram ativos demais. Ele procuraram ter uma ação na linha da estabilização política, uma ação muito concreta, sobretudo o Ramos Horta. Outros chefes de missão, não, não tiveram este tipo de atuação, e diminuíram, e muito, a probabilidade de a missão conseguir executar a sua missão principal."
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Apesar de não ter alcançado a estabilidade política, a missão da ONU foi um "sucesso claro no apoio à igualdade de género", sem esquecer os apoios a muitas organizações da sociedade civil. "Esta missão da ONU teve dois outros sucessos noutras áreas que, não sendo parte da missão principal, também são importantes, nomeadamente a igualdade de género. A Guiné-Bissau ficou com uma legislação muitíssimo boa para a igualdade de género, a paridade, a violência doméstica e a mutilação genital feminina."
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A missão mais política da ONU termina na Guiné-Bissau, mas as Nações Unidas vão continuar no território, representadas pelas agências de ação mais específica. "A ONU, com as suas agências e o programa das Nações Unidas para o desenvolvimento, continua lá e vai assumir uma parte das funções. Há agências da ONU, como a Organização Mundial da Saúde ou a UNICEF, que têm uma área específica de atuação", rememora o investigador do Centro de Estudos sobre África.
"Vamos ver até que ponto a força da sociedade civil, que é importante num país onde o Estado é fraco, se consegue manter sem este apoio permanente, sobretudo financeiro e organizacional, que a ONU oferecia..."
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Para Carlos Sangreman, a missão que agora termina deveria ser revista porque as gerações envolvidas no conflito são outras. "A missão deveria ser reformulada, devia repensar seriamente por que é que ao fim de 20 anos ainda existe no país uma estabilidade política muito fraca", sintetiza.
O investigador sugere rever a estratégia, com novos indicadores que "permitam perceber como evolui a estabilidade política", até porque a classe política mudou, e a equipa militar "não é a mesma que andou aos tiros em 1998 ou 1999". Apesar da crescente especialização, defende, os responsáveis no terreno "não parecem ter melhorado muito.