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Fez esta semana vinte anos da independência de Timor-Leste. Um país que viveu uma opressão atroz e que chegou à independência depois de anos de prisão de muitos timorenses, depois de anos de coragem de todos os timorenses.
Foram também muitos os que em Portugal se envolveram na causa de Timor, das artes à política, das escolas às religiões.
Recordo com especial carinho a história que me foi contada viva-voz por D. Ximenes Belo aquando da carta que escreveu e enviou para as Nações Unidas pela mão do então Bispo de Setúbal, D. Manuel Martins. Recordo de ouvir sobre as pressões que este homem bondoso sofreu do Vaticano que lhe exigiu que retirasse a carta ao que ele, na sua simplicidade, coragem e bondade lógica apenas disse que a carta já tinha seguido. Já não dava para voltar atrás. Por seu lado, D. Manuel Martins que nunca virava a cara a uma injustiça social, fê-la chegar onde ela tinha de chegar.
Faltam hoje bispos em Portugal com esta coragem.
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Também António Guterres - então com 46 anos de idade - teve um papel de coragem na causa de Timor-Leste quando na cimeira Europa Ásia se dirigiu a Suharto e lhe falou de Timor. Fê-lo de surpresa, contra todas as regras do protocolo, contra a própria ameaça de Suharto em abandonar a cimeira caso o assunto surgisse.
Falta hoje também esta coragem coerente na política e na diplomacia. A coragem de dizer o que tem de ser dito e quando tem de ser dito, com o único calculismo de fazer bem e sem desculpas.
Aos 20 anos da independência de Timor-Leste, podemos pensar em quase 50 anos de indiferença em relação a Cabinda.
O terror que se vive neste território e tão grave quanto o que se viveu em Timor.
Tive a sorte de 2019 conhecer a cidade e a região de Cabinda, de ver com os meus próprios olhos o medo nas ruas, nas casas de ativistas, de jovens, de gente que quer o bem da sua comunidade.
Vi carrinhas que se enchiam de homens e mulheres atados de mãos nas costas e uns aos outros por cordas grossas. Em fila, escoltados com violência para carrinhas e daí seguiam para o SIC (Serviço de Investigação Criminal) ou para a fronteira com o Congo, aí despejados depois de espancados.
Ouvi ativistas jovens contaram que foram presos e violentados só por anunciarem a intenção de fazer manifestações ou vigílias contra a pobreza.
Vi a miséria com que o povo vive, vi o medo com que defensores de direitos humanos trabalham.
Vi a água do mar escura do crude, manchas pestilentas que pintavam a areia das praias com as plataformas petrolíferas em fundo. Comi do peixe fresco dos pescadores, a saber a petróleo. Vi a falta de esperança no olhar das gentes.
Grande parte da riqueza de Angola vem deste território. Curiosamente, o país que se afirma soberano daquela terra, trata-a muito mal e às pessoas que nela vivem, deixando-as à miséria e à violência, à prisão e à tortura assim que ousam a liberdade de expressão.
Esta realidade não mudou de José Eduardo dos Santos para João Lourenço. Mas hoje, quem de Cabinda peça refúgio a Portugal recebe uma negativa com o argumento de que agora, em Angola, há liberdade.
Os políticos portugueses que dizem e decidem isto, dizem também que Portugal é um país exemplar a receber refugiados, dizem que também celebram a coragem da independência de Timor-Leste. Dizem muitas coisas, tantas quantas a coragem que não têm, o conhecimento da realidade que ainda não viram.