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Não será fácil encontrar palavras iniciais e limpas a cada 25 de Abril, como não será fácil ignorar o ruído criado pelo incidente em torno da sessão de boas-vindas a Lula da Silva ou a agitação face ao momento político do Governo. A intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa na comemoração deste ano não ficará para o futuro como um momento marcante ou particularmente eloquente, ainda que não devam ser minimizadas as suas palavras sobre a imigração e o papel de Portugal na colonização.
Quanto aos erros do passado, o presidente da República sublinhou importar mais a responsabilidade com que assumimos o que fizemos do que o pedido de desculpas. Dito de outra forma, o mais relevante é o modo como olhamos de frente a nossa posição e fazemos, hoje, escolhas políticas e sociais. O que nos liga à referência forte à imigração e ao "egoísmo" evidente em muitos dos nossos comportamentos - pouco atentos aos emigrantes, mas sobretudo pouco abertos e pouco humanos com os imigrantes que recebemos.
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Se é verdade que o papel das instituições é essencial para que a liberdade permaneça um valor seguro, e o presidente da Assembleia da República foi o mais contundente e eficaz nos recados ao chefe de Estado e na defesa do tempo próprio da "democracia madura", é de escolhas diárias, nas urnas e nas ruas, que se faz um sistema político. Não se trata de um chavão: Abril é mesmo do povo. E a qualidade da democracia traduz-se na forma como coletivamente somos capazes de procurar respostas melhores no acolhimento do outro, na dignificação do trabalho, na qualificação da habitação, na valorização dos serviços públicos essenciais, no respeito permanente pelo pluralismo e pela diferença.
No pluralismo não cabe, contudo, o extremismo que desrespeita a Constituição e atenta contra direitos fundamentais. E esse é um dos desafios cruciais com que a sociedade portuguesa se confronta. Desde que o Chega entrou no Parlamento assistimos a múltiplas reflexões e dúvidas quanto ao que fazer para evitar o excesso de ruído e de exposição mediática de um partido minoritário. O dia de ontem confirmou que até agora não encontrámos a resposta.
Politicamente, não basta a crítica permanente ao populismo e à sofreguidão, é preciso evitar cair nas mesmas armadilhas demagógicas. Seja pelo contra-ataque que amplia a visibilidade dos teatros do Chega, seja pela tentação do excesso de exposição mediática e do excesso de comentário a tudo e todos, seja pelas falhas graves no exercício de cargos públicos que minam a confiança e dão argumentos ao populismo. Usar as mesmas armas retóricas ou demagógicas na luta política é um erro em que os partidos, e sobretudo os órgãos de soberania, não podem cair.
Numa lógica de cidadania, cabe a cada um dos portugueses fazer a sua parte. Exatamente porque Abril é do povo não apenas quando vai às urnas, mas a todo o momento. Na desconstrução de discursos de ódio, na participação ativa nos canais de que dispõe, na concretização quotidiana dos valores de Abril. Que são de inclusão, de tolerância, de exigência, de uma liberdade que constrói e valoriza a pessoa. Todos os dias, sempre.
