30 Anos de Conselho Económico e Social entre o Diálogo Social e a Democracia Participativa
Corpo do artigo
Participei ontem num painel de apresentação do livro sobre os 30 anos do Conselho Económico e Social. É diga-se um livro em boa hora promovido pelo atual Presidente do CES (Francisco Assis) e exemplarmente escrito por Pedro Tadeu. O livro e o debate que se seguiu identificaram sucessos e insucessos do CES expondo a tensão permanente em que tem vivido desde a sua origem. Em primeiro lugar, uma tensão histórica, entre a influência do modelo europeu de diálogo social e o medo do corporativismo associado com o Estado Novo. E, em segundo lugar, a tensão decorrente das diferentes funções atribuídas ao CES, em particular, simultaneamente, órgão de concertação social e órgão participativo da sociedade civil. Há que dizer que o CES tem sido bastante mais eficaz como órgão de concertação social (com vários acordos ao longo da sua história) do que como instrumento de consulta e participação da sociedade civil no processo político.
Esta tensão originária tem vindo a confrontar-se com desafios democráticos novos que, por um lado, desafiam a própria natureza e funções do CES e, por outro, tornam ainda mais necessário o seu papel.
TSF\audio\2023\01\noticias\26\26_janeiro_2023_a_opiniao_de_miguel_maduro
Em primeiro lugar, a desintermediação política. Assistimos hoje, a uma perda de influência dos intermediários clássicos da democracia: dos partidos políticos aos sindicatos, passando pelos próprios jornalistas. Isto está associado à crescente perda de confiança nestes atores pelos cidadãos e ao aparecimento de movimentos inorgânicos, bem como ao reforço das componentes de democracia direta.
Em segundo lugar, o agravamento da polarização política. As novas formas de organização do espaço público e democrático têm aumentado a fragmentação e radicalização políticas tornando cada vez mais difícil o cumprimento pela democracia da sua função de reconciliação e arbitragem entre interesses diferentes, de uma forma aceitável para todos.
O CES é, por definição, uma instituição anti-polarizadora e intermediadora nas políticas públicas. Logo, se, por um lado, as tendências atuais estão em tensão com a natureza do CES, o CES também pode ajudar a responder aos riscos que esses processos comportam.
Isso exige três coisas:
Primeiro, um reforço da componente de produção de informação e conhecimento. Isto é importante não apenas para assegurar maior capacidade e qualidade de produzir pareceres representativos da sociedade civil, mas também para facilitar a concertação social. Por um lado, isto permitirá melhorar o acompanhamento e monitorização dos acordos e dos resultados destes. Por outro lado, a existência de informação e factos consensualizados numa base técnica de apoio, facilitará os acordos.
Segundo, será importante dar mais saliência à função consultiva do CES que tinha como ambição ser a principal dimensão participativa da sociedade civil na nossa democracia. Isso exige, no entanto, e como muito bem notou o Presidente da República num belo discurso de encerramento, refletir sobre a representatividade do CES nos dias de hoje, face à evolução da nossa sociedade. No fundo, talvez isto tenha de ocorrer com a correção de outras disfunções participativas no nosso sistema político como as que produzem uma sub-representação dos mais jovens ou dos que vivem em territórios de baixa densidade.
Terceiro, o CES terá de interagir (se não mesmo promover) novas formas de participação democrática, como as designadas Assembleias de Cidadãos. Sendo uma forma de democracia direta estas comportam dimensões de intermediação na formação das preferências dos participantes. São o que designo, de forma paradoxal, de democracia direta intermediada. Em vez de ver tais mecanismos com receio o CES seria o campo de testes e condução destas experiências.
Não são desafios menores, mas são desafios fundamentais para a nossa democracia. A boa notícia é que o atual Presidente do CES está claramente consciente deles e com uma estratégia para os enfrentar. Resta saber se o sistema político, mas a sociedade civil, têm igual consciência.