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A Tunísia foi a votos no passado dia 17, assinalando o regresso à constitucionalidade com eleições legislativas e também relembrando o 17 de Dezembro de 2010, dia em que Mohammed Bouazizi, de Sidi Bouzid se imolou em protesto e desespero contra a acção da polícia que lhe confiscou o pouco que tinha, enquanto vendedor ambulante. Foi esta "tocha humana" que espoletou nesse dia o que conheceríamos posteriormente como Primavera Árabe.
O grande desafio destas legislativas para o Presidente Kais Saied seria a taxa de participação nas mesmas, sinal da legitimação de toda a sua acção suspensiva da Constituição anterior e redacção de uma nova Constituição referendada e aprovada a 25 de Julho. Ora esta taxa de participação popular ficou-se pelos 8,8%, equivalendo a uma taxa de abstenção de mais de 90%. E agora Presidente Saied, vai insistir na fuga para a frente, ou reconhecer que a Tunísia não poderá avançar sem a vontade dos/as tunisinos/as?
Há um mal-entendido crescente entre Presidente e Povo e este último, alavancado no discurso da Frente de Salvação Nacional, a oposição, os tunisinos têm agora a faca e o queijo na mão, prevendo-se um braço-de-ferro entre população, partidos políticos e Presidente, no qual os militares poderão ter de intervir para "desatar" um crescente nó górdio. Bastam os mais de 90% de abstencionistas optarem agora pela greve de zelo e o país pára de novo!
Quanto à Frente de Salvação, trata-se de uma geringonça que inclui islamistas, "ben alistas", esquerda radical e ultranacionalistas. Ou seja, uma associação que representa transversalmente os descontentes de Kais Saied. Ou seja, todos/as!
O Presidente, que ao longo do processo de reforma, de Julho de 2021 a Julho de 2022, demonstrou ser pessoa séria e não um oportunista qualquer, terá agora prova-com-ainda-mais-fogo para demonstrar que unhas tem para tocar este alaude e bom senso para descalçar esta bota. Pessoalmente, penso que Saied continuará a insistir e a "empurrar com a barriga os/as tunisinos/as para a Tunísia" e na insistência destes na recusa, ficará tentado a usar a força. É esta dúvida que fica para ele e para mim também. Terá o Presidente tunisino a sabedoria portuguesa de se afastar e de dizer do alto da poltrona, "agora resolvam"? Ou insistirá em ter razões de Estado que o obrigarão a manter-se a segurar num leme com o navio em doca seca?
Será nesta espiral contraproducente que o Exército poderá querer desempatar o impasse, correndo-se aqui também o risco de vislumbrarem glórias antigas ainda ao alcance do presente.
A Tunísia continuará a ser Tunísia e a Democracia continuará a ser conflito! Continuará Kais Saied a ser Kais Saied?
A Acontecer / A Acompanhar
- Reservatório da Mãe d"Água das Amoreiras, em Lisboa, decorre de terça a domingo o espectáculo audiovisual "Misterioso Egipto", uma viagem ao Antigo Egipto, através de recreações a partir de conteúdos originais, sobretudo imagens, mas também sons;
- 19, 20 e 21 de Dezembro, Fundação Calouste Gulbenkian, Sala 2, "Oficina de stop motion para jovens: Faraós in motion", dos 13 aos 18 anos, a partir das 10h;
- 20 de Dezembro, lançamento de livro "Terra de Afectos - Um tributo à Guiné-Bissau", de Joana Benzinho, no Arquivo Municipal de Pombal, às 18h.
Raúl M. Braga Pires, Politólogo/Arabista, é autor do site www.maghreb-machrek.pt (em reparação) e escreve de acordo com a antiga ortografia.
