A Argélia "desamiga-se" de Espanha, a Tunísia ensaia a "desislamização" e Marrocos procura desesperadamente pelo Rei!
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Dada a mudança de posição do governo de Pedro Sánchez face à Questão Sahraoui, emitida a 18 de Março, na qual reconhece a proposta marroquina de 2007, como a mais construtiva e séria para o Sahara em disputa com a POLISARIO, a Argélia finalmente respondeu. Esta proposta incorpora o chamado "Sahara Ocidental" no território marroquino enquanto "Províncias do Sul" com um estatuto de autonomia. A Espanha saiu da neutralidade e a Argélia, após dois meses de ameaças de corte do fornecimento de gás à Península Ibérica (PI), optou pela sanção possível e decidiu na semana finda (8 de Junho) suspender o Tratado de Amizade e Cooperação assinado com Espanha em 2002. O mesmo há 20 anos que reforçava a boa vizinhança entre ambos os países, promovendo a cooperação nos domínios do económico, financeiro, educativo e defesa. Para já, a banca argelina vai restringir as transacções comerciais com Espanha, prevendo-se também o congelamento das domiciliações bancárias entre empresas de ambos os países. Em resumo, as importações e exportações estão canceladas, por decisão argelina.
Ora aqui fica mais um cenário propício às empresas e à diplomacia portuguesa para explorarem este momento, em benefício próprio. Haja unhas para tocar esta guitarra, que em diplomacia não há amigos, há interesses!
Ainda na Argélia, o antigo e poderoso Delfim do ex-Presidente (PR) Abdelaziz Bouteflika, o seu irmão mais novo, Said Bouteflika, que estava na calha para perpetuar a família na Mouradia, "o Palácio de Belém de Argel", foi condenado a oito anos de prisão por corrupção, no dia 6 de Junho. O chamado Clã Bouteflika, cai assim definitivamente em desgraça, após as condenações deste Delfim, mas também das anteriores de Ali Haddad, o Patrão dos patrões e dos antigos Primeiros-Ministros Abdelmalik Sellal (2012/17) e Ahmed Ouyahia (1995/98, 2003/06, 2008/12, 2017/17).
A Tunísia ensaia a "desislamização"
Há precisamente uma semana, o PR tunisino Kais Saied divulgou o esboço da nova Constituição a referendar a 25 de Julho. A originalidade desta é não fazer qualquer tipo de referência ao Islão, demarcando-se da tradição árabo-muçulmana, cujos artigos 1.º destas constituições vincam sempre o Islão enquanto Religião Oficial de Estado. Sobre este assunto, o artigo DN de sexta-feira 9, também com a minha assinatura e intitulado "A Tunísia cada vez mais magrebina e menos árabe", disponível online, desenvolve este tema inédito junto da Ummah, a Nação Islâmica.
Marrocos procura desesperadamente pelo Rei
O Rei de Marrocos, Mohamed VI, encontra-se em França numa viagem que o Palácio tinha atempadamente anunciado como privada. Sabe-se que o Monarca quando se desloca a Paris em modo privado, significa dizer que vai ao médico/hospital. Acontece que os seus súbditos, no reino e na diáspora, nada sabem do mesmo desde o Primeiro de Junho, data da deslocação, registando-se também um silêncio total por parte dos serviços do Palácio. Silêncios destes são recorrentes, mas os marroquinos, as chancelarias e a comunicação social, começam a agitar-se na especulação sobre o seu estado de saúde, baseado num padrão de cuidados cardíacos com deslocações a França, que se verificam desde 2018.
Pelas comemorações do 10 de Junho, o Embaixador Bernardo Futscher Pereira foi o anfitrião de uma recepção no dia 9 em Rabat, com a participação da fadista Inês de Vasconcellos e da cantora marroquina Ferdaous, enquanto convidada especial. Quem ouvir Ferdaous achará que está a ouvir fado cantado em árabe. Este "fado fusão" com artistas marroquinos/as, bem poderá tratar-se de uma tendência a apostar e estender ao restante Magrebe, enquanto vector de aproximação cultural, da mesma forma que os espanhóis já o fazem com o flamenco. Olé Portugal!
A Acontecer / A Acompanhar
A Gulbenkian apresenta a 20 de Junho, "À conversa com Leila Slimani", escritora franco-marroquina, que falará sobre Identidade e Memória, às 18h, na sede da Fundação;
A Azimute - estudos em contextos árabes e islâmicos - CRIA, apresenta a 22 de Junho o seminário "Santos e Shayks: a articulação da diáspora Alauita na Argentina", com Silvia Montenegro (Universidad Nacional de Rosario-Argentina), às 15h, via Zoom.
*Raúl M. Braga Pires é autor do site Maghreb-Machrek, é Politólogo/Arabista e escreve de acordo com a antiga ortografia.