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O filme "Barbie", um sucesso de bilheteira confirmado em todos os cinemas por onde ainda passa, foi para já proibido no Kuwait e no Líbano! Porquê? No Kuwait, a justificação da Comissão de Censura Cinematográfica foi apresentada como "medida de protecção das tradições sociais e da ética pública". O filme "promulga ideias e crenças estranhas à sociedade kuwaitiana e à ordem pública". No Líbano, a justificação tem a ver com a "promoção da homossexualidade", bem como o incentivo "à feia ideia de rejeitar a custódia do pai, menosprezando o papel da mãe e ridicularizando-o". Ainda, o filme "questiona a necessidade do casamento e a necessidade de uma vida saudável", para além "da necessidade do casamento e a necessidade de formar uma família", tudo dito pelo Ministro da Cultura do Líbano, Mohamed Murtada. Aliás, esperado por parte destes interlocutores, esta medida acaba por se tornar numa surpresa, por não haver um boicote colectivo em todos os países da região. Este facto é prova da existência de um Médio Oriente a duas velocidades (não é este, portanto, um exclusivo da Europa), já que no passado dia 10 o filme estreou nas "conservadoras-mutantes" Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, com o fogo-de-artifício da praxe.
A partir daqui gostaria de recentrar o parágrafo na importância da presença de Cristiano Ronaldo e outros cristãos por terras do Islão. O "escândalo" que representou o ídolo Ronaldo benzer-se publicamente após a marcação de um golo e antes do tradicional "grito ronaldino", que aliás já integra o refrão ou um final adaptado de músicas tradicionais sauditas, é normal e bem-vindo! Porquê? Porque a presença destes "estrangeiros acima da lei" tem precisamente como função espoletar estes debates nos cafés e nos táxis colectivos, para que estes temas sejam banalizados, para que entrem na normalização da aceitação. Os habitantes das Terras do Islão, na sua esmagadora maioria muçulmanos, não podem continuar a falar de tolerância e que somos todos "Povos do Livro" e depois meterem Ronaldo na prisão, porque saiu-lhe um gesto que para nós até é mais um tique, um "se Deus quiser" no final de uma frase, sem se pensar em Deus, sobretudo em recintos desportivos onde o que conta são os golos e os foras-de-jogo!
Como é que se resolve isto? Precisamente desta forma, criando a polémica pública para que a mesma chegue à "terapia colectiva" de um povo nos "psicólogos dos pobres", as esplanadas dos cafés e os transportes públicos. Daí a importância desta contratação milionária e de outras que se seguirão. Desta forma, o assuntoterá tempo para ser esmiuçado pelos "especialistas", que terão tempo para dormirem sobre o assunto e voltar a ele com novos modos, já que dia-a-dia o mesmo se vai perdendo na "espuma dos dias", passando a um não assunto. Não, Ronaldo não irá para a prisão por causa dos "golos benzidos" que marcou e sim, a Barbie só pode ser interpretada como estrangeira e anti-valores locais no Médio Oriente, África e certa Ásia. Por isso mesmo a importância destas "provocações". O "muçulmano médio" e o "superior" também, precisam de incorporar que não é por vestirem calças de ganga que perdem a sua fé, ou que estão a caminho da apostasia!
A Acontecer / A Acompanhar
- Todos os domingos, na Telefonia da Amadora, entre as 21h e as 22h, Programa "Um certo Oriente", apresentado pelo Arabista António José, um espaço onde se misturam ritmos, sons e palavras, através das suas mais variadas expressões, pelos roteiros do Médio Oriente e Ásia.
Raúl M. Braga Pires, Politólogo/Arabista, é autor do site www.maghreb-machrek.pt (em reparação) e escreve de acordo com a antiga ortografia.