
Ouve-se de coração apertado e lágrimas nos olhos. Simultaneamente pedido desesperado e amarga despedida, é uma das melhores canções editadas por uma das bandas mais relevantes dos últimos 30 anos.
Cinco anos após The King Of Limbs, álbum recebido de forma morna pela crítica e por uma parte significativa dos fãs, os Radiohead estão de volta aos discos e desta vez não desiludiram. A Moon Shaped Pool é um álbum difícil, mas muito recompensador. Com o fim da relação de 23 anos do vocalista Thom Yorke com Rachel Owen como aparente tema central, o novo álbum tem no ambiente triste e pesado das músicas o seu maior trunfo. Mesmo quando olha para o mundo, como em "Burn The Witch" e "The Numbers", A Moon Shaped Pool mantém-nos desconfortáveis e perdidos. Às vezes sem saber o que achar, mas quase sempre a um passo de nos rendermos. "Daydreaming" e o respetivo vídeo criado por Paul Thomas Anderson, realizador de Magnolia e Haverá Sangue, são o exemplo perfeito.
Não faltam momentos brilhantes a A Moon Shaped Pool, mas há um que brilha mais do que os restantes. Chama-se "True Love Waits", encerra o álbum e tem uma característica muito particular: os Radiohead estrearam-na ao vivo na Bélgica em dezembro de 1995, quando ainda era fácil catalogá-los como banda rock e já começavam a ganhar outra dimensão.
Passaram 21 anos.
"True Love Waits" foi quase sempre uma balada de voz e guitarra acústica (embora versões existentes em gravações amadoras de concertos incluam mais instrumentos) e aguentou-se nos voláteis alinhamentos dos espetáculos da banda durante alguns anos, tendo inclusivamente aparecido em I Might Be Wrong: Live Recordings, álbum ao vivo editado em 2001. Tornou-se mais rara após o lançamento de Hail To The Thief em 2003, mas nunca desapareceu por completo das digressões da banda.
Não é a primeira vez que os Radiohead oferecem um presente destes aos fãs: em In Rainbows, de 2007, editaram "Nude", um tesouro que demorou dez anos desde as primeiras aparições até chegar a um disco. Mas o que os faz demorar tanto tempo?
Nigel Godrich, produtor de quase todos os álbuns dos Radiohead, disse à Rolling Stone em 2012 que a banda tentou gravar "True Love Waits" inúmeras vezes, mas nunca funcionou. Que os Radiohead poderiam tê-la feito soar a qualquer coisa tocada por John Mayer, mas que ninguém quereria isso. Este tipo de referências tem contribuído para a criação do mito. E para um fã na altura era muito simples: se ainda se falava de "True Love Waits", é porque ainda havia esperança. E com razão.
Talvez estivessem a guardá-la para um álbum em que pudesse ficar no fim de um alinhamento ordenado alfabeticamente, como é o caso do de A Moon Shaped Pool. Ou talvez quisessem que acabasse por ser a 100ª canção editada num álbum de originais dos Radiohead, uma banda muito dada a coincidências a que os fãs não costumam ficar indiferentes.
Contudo, um dos aspetos mais interessantes de "True Love Waits" ser editada em 2016 tem a ver com a diferença entre contextos: aquele em que foi escrita e o atual. O que antes parecia uma épica e quase humilhante declaração de amor incondicional transformou-se numa nostálgica súplica pós-despedida. O piano substituiu a guitarra, mas a letra e a melodia são as mesmas. Só que 21 anos fazem muita diferença.
Foi-se o brilhozinho nos olhos, fica a intenção. E a mágoa e a desilusão. E ficamos nós também com uma das canções mais emotivas que os Radiohead podiam ter editado. Valeu a pena esperar.
* Editor do site strobe.pt