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Rui Rio, o líder do PSD, que, pessoalmente, no dia 16 de abril, votou a favor do decreto de Marcelo Rebelo de Sousa onde se declarou o Estado de Emergência e também se permitiu a comemoração nas ruas do1º de Maio, atirou-se agora à realização das manifestações da CGTP em Lisboa e no Porto.
A contradição de Rui Rio teve a companhia dos dirigentes do CDS e do PAN, que também aprovaram o decreto mas que, neste fim de semana, passaram a achar que ter mil sindicalistas ao ar livre de máscara no rosto, separados por cinco metros de distância, era um crime de lesa-República e um perigoso atentado à saúde pública.
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Mas esta ironia também funciona em sentido contrário: afinal o PCP, que votou contra o decreto do Estado de Emergência que previa uma autorização para a manifestação (ainda por cima ao lado de um inimigo ideológico - o representante da Iniciativa Liberal no Parlamento), não só aplaudiu o evento potencialmente perigoso da CGTP como teve o seu líder, Jerónimo Sousa, a marcar presença na Alameda, em Lisboa, para escutar o discurso da nova secretária-geral da Intersindical Nacional, Isabel Camarinha.
Passe a graça da identificação dos ziguezagues da luta política, o que revelam as críticas em torno da manifestação do Dia do Trabalhador, bem como sobre a anterior sessão no Parlamento dedicada ao aniversário do 25 de abril, é que o bom senso e a serenidade no debate público imposto pela COVID-19 estão a acabar e serão cada vez menores quanto maior for a segurança de que o novo coronavírus foi dominado.
Do lado dos que defendem as manifestações da CGTP qualquer crítica, qualquer dúvida, qualquer receio de que o aglomerado de pessoas pudesse ser perigoso para a saúde pública é entendido como uma agressão ao movimento sindical...
Não é: os receios de um aumento de contágios num evento descontrolado são mais do que legítimos e naturais. Até uma normal entrevista feita na SIC por Rodrigo Guedes de Carvalho à ministra da Saúde, Marta Temido, foi absurdamente insultada nas redes sociais como um atentado ao jornalismo. A liberdade de imprensa, por acaso ontem assinalada, está sempre, sempre em perigo...
Por outro lado, na fação dos que criticam o protesto na rua, qualquer declaração de apoio a manifestações não digitais do 1º de Maio, mesmo se limitadas a um gesto simbólico, como estas foram, é classificada como uma irresponsabilidade criminosa e assassina...
Não é: se os manifestantes conseguiram respeitar escrupulosamente as medidas de segurança para evitar o contágio, como parece concluir-se pelo que vimos nas televisões, não são meia dúzia de fotos de ângulo viciado nem várias falsificações espalhadas no facebook que podem provar ter sido a CGTP uma organização irresponsável.
As tentativas de impedir um 1º de Maio na rua só podiam ser respondidas com capacidade de organização, limitação no número de manifestantes e controlo apertado do movimento de pessoas. Aparentemente, foi isso mesmo que se passou.
Atrás de toda esta discussão sobre saúde pública esconde-se, portanto, outra coisa: a definição das trincheiras da guerra que se segue à guerra ao coronavírus.
O 1º de Maio de 2020 da CGTP mostra que a organização sindical está disposta a entrar na luta ao previsível combate entre capital e trabalho que a degradação económica ameaça deflagrar.
O 1º de Maio de 2020 da CGTP demonstra que a organização sindical tem reservas de vitalidade, disciplina e organização que, registe-se, nem a Igreja Católica consegue mobilizar para assegurar a celebração do 13 de maio em Fátima.
O 1º de Maio de 2020 da CGTP prova que a organização sindical tem algo a dizer a muitos trabalhadores que, no desemprego ou em lay-off, viram nessa manifestação uma instituição com força efetiva, capaz de os ajudar.
Na parte da discussão sobre o perigo das manifestações em Lisboa e Porto para a saúde pública a conclusão definitiva só vai ser tirada daqui a uns quinze dias: se nas regiões onde se realizaram os protestos ou de onde provieram os manifestantes se registar um pico anormal de casos de COVID-19 em relação ao resto do país, então a CGTP tem um problema político grave nas mãos e uma séria perda de credibilidade.
Se isso não acontecer, então a CGTP pode gabar-se de ter organizado o 1º de Maio mais significativo dos últimos 40 anos - a fotografia aérea na Alameda em Lisboa com os sindicalistas posicionados de cinco em cinco metros terá, nessa circunstância, um lugar na história das imagens do movimento sindical.
É esta possibilidade, parece-me, que verdadeiramente irrita Rui Rio, vários outros personagens do centro, da direita e até de alguma esquerda pois de repente dão conta que, afinal, contra décadas de expectativas, a CGTP não está disposta a desamparar-lhes a loja... Até parece que os oiço dizer: "que chatice!"