A classe média - que ninguém sabe o que é mas todos sabem para que serve - vai suportar parte dos custos de baixar a carga fiscal sobre si própria. O novo imposto tirou este tema da discussão pública.
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O menu fiscal para 2017 está lançado. Pode ser que Centeno ainda crie um prato surpresa, mas o cardápio, no essencial, está desenhado: começamos com a eliminação da sobretaxa de IRS, seguimos para o reescalonamento do imposto, finalizamos com a nova taxa sobre o imobiliário, e a acompanhar o café temos um aumento de impostos indiretos. No fim, a classe média paga boa parte da conta. Com NIF, por favor.
Comecemos pela entrada: a redução da sobretaxa de IRS custou 430 milhões neste em 2016 - o equivalente a cerca de metade da receita da medida. A eliminação total deverá custar 300 a 400 milhões em 2017.
Seguimos, ainda neste imposto, para o prato principal: o redesenho dos escalões. Ainda não são conhecidos os detalhes do reescalonamento prometido por António Costa para o próximo ano, mas sabemos que o governo garante a neutralidade fiscal da medida. Uns pagarão mais para compensar outros que pagarão menos.
Até aqui tudo bem.
Mas depois surge o resto, e o resto é cozinha molecular: intriga, tem um aspeto misterioso, talvez até apetecível, mas não sabe bem. É amarga: há que compensar as mexidas no IRS.
Essa compensação começa com a sobremesa: o novo imposto imobiliário, que vai render ao Estado 100 a 200 milhões de euros.
Polémicas à parte, a verdade é que isto não chega. Falta dinheiro, qualquer coisa como 100 a 300 milhões de euros.
No pires do café vem uma cortesia de Mário Centeno: um aumento de impostos indiretos. Não será o IVA, garantiu o ministro das Finanças, mas existirá um aumento. E ele será pago, essencialmente, pela classe média. Isto já não é Centeno quem o diz. É o histórico da execução orçamental.
Quem paga os impostos indiretos? As mesmas pessoas que garantem a fatia de leão da receita fiscal: a tal classe média que ninguém sabe o que é (olhando apenas para dados estatísticos do IRS, podemos estabelecer um teto dos rendimentos dessa classe nos 1500 a 2000 euros brutos mensais por agregado familiar. Daí para cima, estamos na fasquia dos 15% mais ricos do país).
E a discussão sobre o novo imposto permitiu, propositadamente ou não, retirar a análise deste tema do espaço público. A classe média portuguesa, que é maioritariamente uma classe de remediados sem luxos nem caprichos, pode, por enquanto, ficar satisfeita com a tese - que tem tanto de defensável como de atacável - sobre a taxação agressiva da acumulação de riqueza. Mas mais tarde ou mais cedo vai sentir uma mão no bolso. E não será a sua.