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Não há vidas humanas que valham mais do que outras. Merecem todas a mesma dignidade, e essa dignidade é máxima, total. Não importa onde nascemos, de onde vimos, de que etnia somos, que religião professamos, que orientação sexual temos.
Todos somos iguais, igualmente importantes, e aí reside o fundamento da igualdade: ninguém é mais nem menos do que nós. Aliás, se há contributo radical do cristianismo é esse mesmo, expresso no princípio de que somos todos irmãos e todos filhos de Deus.
É por vezes preciso voltar a este princípio básico, sobretudo quando se debate a morte de dois jovens, um em Lisboa e outro em Bragança, e, a partir desse debate, algumas vezes de forma inadvertida, e de dois lados opostos da barricada, se deixa escapar que a comunicação social só noticia com comoção a morte de pessoas de uma etnia.
A circunstância de se ler tudo e o seu contrário demonstra bem o nível da discussão, que se aproveita de duas terríveis mortes para fazer avançar uma agenda, esquecendo que em ambos os casos estão duas vidas.
Porque já se lê de tudo e o seu contrário: de um lado, que a comunicação social é racista porque não noticiou de imediato a morte do jovem de Bragança e se recusou a avançar o racismo como motivo do crime; do outro lado, que a comunicação social só se comove com a morte de pessoas de etnia negra e descura os crimes cometidos contra pessoas de etnia branca. Exacto, há pessoas a dizer coisas radicalmente distintas com a mesma raiva e com a mesma certeza...
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A circunstância de se ler tudo e o seu contrário demonstra bem o nível da discussão, que se aproveita de duas terríveis mortes para fazer avançar uma agenda, esquecendo por completo que em ambos os casos estão duas vidas, igualmente dignas e valiosas, e lançando acusações absurdas (e contraditórias entre si) contra a comunicação social.
No fundo, deixam transparecer a ideia de que os jornais devem tratar de forma diferente a notícia inicial de dois crimes cometidos contra a vida humana. Pior, deixam transparecer que há quem só aceite comover-se com uma morte depois de ouvir a comoção a outra, numa espécie de comoção condicionada. Não consigo aceitar esse género de considerações, que violam o princípio da igual dignidade da pessoa.
Claro que o contexto das mortes releva muitíssimo para análises políticas, sociais, culturais, do país que temos. É importante conhecer o contexto de mortes como estas e perceber se há fenómenos como droga, violência doméstica, racismo, homofobia, violência no namoro etc. E claro a investigação é importante, e pode chegar a conclusões e essas devem ser conhecidas e debatidas.
Nada disso é irrelevante mas nada disso qualifica uma vida sobre a outra, nem nada disso pode ser a conclusão imediata de um crime, como se as notícias sobre o mesmo tivessem, sem mais, de proceder a essas conclusões, como se essas conclusões não tivessem de ser resultado ponderado de mais investigação.
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